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Seu olhar vagueia e esquadrinha os espaços e o que ele observa pode ser, em muitos aspectos, bastante

4.2. A DEFINIÇÃO DOS CORPORA

Adotamos como estratégia para constituição dos dados, o que Bauer & Aarts (2002) propõem para a pesquisa qualitativa: a construção de um

corpus através da seleção de um espectro de texto relacionado aos objetivos do estudo. São três os critérios que estes autores apresentam para estruturação de um corpus: relevância, homogeneidade e sincronicidade.

Do ponto de vista do primeiro critério, sugere-se que os assuntos sejam teoricamente relevantes e que os materiais de um corpus se concentrem em torno de um tema específico. De acordo com o critério da homogeneidade, recomenda-se que não se misture materiais diferentes – entrevistas individuais, entrevistas em grupo – no mesmo corpus. Também, aconselha-se o respeito à sicronicidade dos dados: cada corpus deve englobar dados de fenômenos sociais que ocorreram dentro de um mesmo período histórico.

Para contemplar o primeiro objetivo específico, foram construídos dois corpora de dados. O Corpus I foi composto por fragmentos discursivos de documentos ligados ao Ministério da Educação – MEC, à Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco – SE/PE, à Secretaria de Educação, Esportes e Lazer da Prefeitura da Cidade do Recife – SEEL/PCR e a instituições parceiras desses órgãos sobre a temática diversidade sexual e/ou homofobia na escola91.

De acordo com Lüdke e André (1986), o uso de documentos na pesquisa educacional apresenta uma série de vantagens: constituem uma fonte razoavelmente estável, que pode ser consultada várias vezes; por serem elaborados em determinado espaço e tempo, fornecem informações sobre seu contexto de produção; são fonte não-reativa, permitindo o acesso a informações, quando limitações de tempo e deslocamento impedem a interação direta com os informantes e, geralmente, têm custo baixo. As autoras consideram documentos todo material escrito, seja do tipo oficial (decreto, parecer, regulamentos), técnico (relatório, projetos), instrucional (filme, livro, revista, apostila) ou pessoal (carta, diário, autobiografia).

O Corpus II foi constituído de transcrições de entrevistas do tipo abertas (exploratórias) com dirigentes e componentes de órgãos da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco e da Cidade do Recife,

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Apesar de a tese tratar da construção do discurso pedagógico sobre diversidade sexual, os documentos, cursos de formação de professores/as e atividades desenvolvidas nesta área no campo da educação, se referem ao tema atrelado à discussão sobre homofobia. Por isto escolhemos diversidade sexual e/ou homofobia como foco temático para seleção dos materiais.

assim como, com representantes de ONGs e instituições acadêmicas parceiras, que desenvolvem projetos e cursos de formação de professores sobre a temática diversidade sexual e/ou homofobia na escola.

A entrevista aberta, segundo Boni e Quaresma (2005), é muito usada para fins exploratórios, quando se deseja obter uma visão geral de determinado fenômeno ou um maior detalhamento do problema de pesquisa. É um tipo de entrevista onde o/a pesquisador/a não segue um roteiro de perguntas pré-determinado, porém introduz tópicos (ver Apêndice A) e permite que o/a entrevistado/a fale livremente sobre o assunto. Tenta-se estabelecer um contexto de conversação informal, deixando o/a entrevistado/a o mais à vontade possível. No nosso caso, este tipo de entrevista teve como objetivo conhecer as ações que estão sendo desenvolvidas no campo da educação escolar pública em Recife sobre diversidade sexual e/ou homofobia na escola; saber quem são os/as profissionais e instituições envolvidos/as neste trabalho e ter acesso aos discursos produzidos por estas instituições.

Foram realizadas sete entrevistas deste tipo com as seguintes pessoas:

 Um/a representante da Gerência de Políticas de Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania – GEDH da Secretaria de Educação de Pernambuco;

 Um/a representante da Gerência de Livre Orientação Sexual (GLOS) da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã do Recife (SDHSC/PCR).

 Um/a representante do Grupo de Trabalho de Orientação Sexual (GTOS) da Secretaria de Educação do Recife.

 Um/a representante da ONG “Movimento Gay Leões do Norte” que integrava a equipe de coordenação do Projeto “Trabalhar as Diferenças é Promover a Educação”, desenvolvido com professores da rede de ensino do Estado de Pernambuco;

 Um/a representante do Núcleo Família, Gênero e Diversidade – FAGES/UFPE, que integrava a equipe de coordenação do “Curso de Formação em Gênero e Diversidade na Rede Pública

de Ensino Médio e Fundamental”, voltado para educadores/as do sistema estadual de Pernambuco e municipal de Recife;

 Um/a representante da ONG “Gestos – soropositividade, comunicação e gênero”, que integrou a equipe de coordenação do Projeto “Educação não-sexista, anti-racista e não- homofóbica” desenvolvido com professores/as da rede municipal de Recife.

 Um/a representante da ONG “Instituto Papai”, ligado ao Curso de Extensão “A diversidade é legal: ações estruturais pelo fim da violência contra gays, lésbicas e transgêneros nos campos da educação e da saúde” desenvolvido com professores da rede municipal de ensino.

Levando em consideração o segundo objetivo específico do estudo, foi organizado o Corpus III, que se constituiu de transcrições de entrevistas individuais, do tipo semi-estruturada, com sete professores/as e quatro gestoras da Rede Pública de Ensino da Cidade do Recife e do Estado de Pernambuco – abrangendo apenas Recife e região metropolitana.

Durante a entrevista semi-estruturada (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), o/a pesquisador/a guia-se por um roteiro pré-determinado de questões, mas não precisa seguí-lo rigidamente, tem a liberdade de introduzir novas perguntas, fazer adaptações quando for necessário. Deve criar um contexto semelhante ao de uma conversação informal e, como na entrevista aberta, deixar o/a entrevistado/a falar livremente sobre o que lhe foi perguntado. O roteiro deve seguir uma ordem lógica e psicológica. As perguntas devem começar abordando assuntos mais simples e, paulatinamente, vai-se introduzindo os mais complexos, respeitando a problemática abordada. Em consideração à dimensão psicológica, evita-se colocar, no início da entrevista, questões que exigem maior envolvimento pessoal ou que tratem de temas delicados, porque podem gerar mecanismos de resistência e interferir no andamento do encontro. Selltiz, Jahode, Deutsch e Cook (1987) salientam que na entrevista semi-estruturada podemos fazer uso de recursos visuais como cartões, frases, fotografias para abordar temas mais polêmicos, deixando o/a entrevistado/a mais à vontade para falar sobre o assunto. Esta técnica pode

acionar mecanismos de projeção92, possibilitando que o/a entrevistado/a diante de estímulos pouco estruturados ou ambíguos interprete o objeto/situação a partir de seus desejos, medos, dúvidas, crenças e preconceitos.

O roteiro de entrevista planejado para constituição do corpus III, seguiu estas sugestões. Como podem ser verificadas no apêndice B, as questões iniciais (da 1 a 12) são mais objetivas e solicitam informações sóciodemográficos do/a entrevistado/a. Começar a entrevista tratando desse assunto permitiu que a entrevistadora e o/a entrevistado/a fossem se conhecendo e criando um clima de confiança. Na questão 13 solicitava-se que contasse sobre a sua história escolar (desde a época de aluno/a) e como ele/a achava que a questão da sexualidade e da homossexualidade vem sendo tratada na escola ao longo deste período. Segundo Jovchelovitch e Bauer (2002) contar história é uma forma primária de comunicação humana, presente em todas as culturas, que permite às pessoas colocarem suas experiências numa seqüência, articulando sentidos e acontecimentos da vida individual e social. Optamos por introduzir a temática da diversidade sexual através de uma narrativa para possibilitar que o/a narrador/a ficasse mais à vontade e escolhesse espontaneamente os aspectos do acontecimento que ele/a achasse relevante, de acordo com sua concepção de mundo e de educação.

Na questão 14, relatamos algumas situações para o/a professor/a e solicitamos que imaginasse como seria a reação da escola em relação a cada uma e como ele/a agiria em tal contexto. Cada situação envolvia um aspecto específico relacionado à temática da diversidade sexual na escola: homofobia em relação a um aluno gay, relacionamento lésbico entre duas alunas, travestilidade, relacionamento homossexual entre professores. Logo em seguida, mostramos oito cartões (Apêndice C) contendo imagens93 também ligadas ao tema: a) bandeira do movimento gay encobrindo duas pessoas abraçadas; b) uma travesti; c) capa da revista “Veja” com a cantora Ana Carolina dizendo: “sou bi e daí?”; d) três fotos com diferentes arranjos

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A projeção é um conceito usado na psicanálise para se referir a uma “operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele.” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1992, p. 374)

93 Essas imagens foram retiradas da internet e são fotografias ou figuras de uso público veiculadas em revistas e

familiares; e) figuras de trabalhos sobre diversidade sexual na escola; f) uma estudante usando gravata, dois meninos e duas meninas se beijando; g) figuras ligadas à homofobia e ao “bulling” na escola; h) uma foto do presidente Lula com a bandeira do movimento gay na mão, duas fotos abordando o tema homossexualidade e religião.

Na questão 15, lemos quatro fragmentos de textos – dois retirados de documentos da SECAD/MEC e dois do Relatório Preliminar da Conferência Nacional LGBT94 – e pedimos aos/às professores/as que dissessem se concordavam ou discordavam com os mesmos, justificando suas respostas. As perguntas 16 a 22 eram mais objetivas, visavam obter informações sobre o contato que estes/as educadores/as tiveram com o tema homossexualidade/diversidade sexual durante a formação inicial e/ou em cursos de formação continuada; sobre o desenvolvimento de atividades pedagógicas nas escolas que eles/as trabalham na área de sexualidade/diversidade sexual e sobre materiais ou programas que eles/elas conhecem que abordam a temática. Estas questões foram propositalmente colocadas neste momento por abordar assuntos mais simples e, assim, proporcionar ao/à entrevistado/a um “desinvestimento” afetivo, prenunciando o fim da entrevista.

É importante salientar que todas as entrevistas foram gravadas em MP3 e transcritas, seguindo as orientações de Marcuschi (2003). Os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e assinaram um termo de consentimento (Apêndice D) autorizando sua participação no estudo e a gravação da entrevista.

Acreditamos que a formação dos três corpora atende às recomendações citadas: 1) são teoricamente relevantes, porque estão diretamente relacionados com o objeto de estudo e com atores sociais do campo estudado; 2) são sincrônicos e internamente homogêneos, uma vez que cada corpus corresponde a um tipo de dado – documentos institucionais, entrevistas exploratórias e entrevistas semi-estruturadas e 3) permitem que se trabalhe com uma variedade de estratos.

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