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ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO: AS DISCUSSÕES SOBRE

No documento pauloricardodasilva (páginas 132-138)

5 O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: VIVÊNCIAS, DESAFIOS E

5.4 ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO: AS DISCUSSÕES SOBRE

Esta investigação centra-se na concepção de que o desenvolvimento de abordagens interdisciplinares nas escolas pode e deve ser fomentado por meio de ações formativas, tanto ao longo da formação acadêmico-profissional como na formação continuada, que podem estar ligadas à vivências em ambientes interdisciplinares de formação, sendo que este trabalho busca analisar um desses ambientes e elucidar suas contribuições e limitações para a formação interdisciplinar de professores. Acreditamos que os processos formativos aqui analisados se alinham às indicações das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores, as quais indicam que

O (A) egresso (a) da formação inicial e continuada deverá possuir um repertório de informações e habilidades composto pela pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, resultado do projeto pedagógico e do percurso formativo vivenciado cuja consolidação virá do seu exercício profissional, fundamentado em princípios de interdisciplinaridade,

contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética [...] (BRASIL, 2015. p. 7, grifos nossos)

Entretanto, acreditamos que a criação de condições para a mobilização de saberes diversos conforme indicado nas Diretrizes deve estar integrada com reflexões específicas a respeito da interdisciplinaridade. Dessa forma, procuramos fomentar reflexões sobre interdisciplinaridade nos diversos momentos ao longo dos encontros. Nas discussões envolvendo conceitos específicos sobre N&N, os pesquisadores convidados também suscitavam tais reflexões, apontando que a N&N envolve a articulação de conhecimentos de várias áreas, como observado no seguinte trecho:

Professor de Física Convidado: Eu vou tentar navegar bastante entre Física e Química, fazendo pontes

entre as duas [...] o que eu gostaria de mostrar é esse bate-bola que existe sempre em Física e Química [...]

Buscamos também, a partir das ideias de Lenoir (2013), levantar discussões a respeito das modalidades de interdisciplinaridade, principalmente sobre a perspectiva escolar, que está diretamente ligada ao ambiente de atuação dos professores. Assim, procuramos discutir sobre questões conceituais e epistemológicas a respeito da interdisciplinaridade, buscando situá-la nos campos científico e escolar, dando ênfase ao último, com o intuito de criar condições para a construção de conhecimentos sobre interdisciplinaridade. O episódio a seguir retrata uma discussão a partir da leitura de um texto adaptado de Silva (2014), no qual faz um paralelo entre interdisciplinaridade no campo científico e no campo escolar, onde uma professora associa as questões abordadas no texto com sua vivência durante a formação acadêmico-profissional:

Rosa Q: Uma abordagem que eu achei muito interessante no texto, que comparou a medicina ao corpo

humano, eu achei essa passagem muito criativa, que o lado científico anda, mas de forma ainda muito individual. Aí eu fiquei pensando assim, pro lado das próprias disciplinas na universidade, eles criam, tem a físico-química, é a física junto com a química, aí criou-se uma disciplina; aí tem a química inorgânica, a química orgânica.

Vitória Q: O pessoal foi diversificando.

Rosa Q: Então, mas isso continua, membros, que deu a questão lá do corpo humano, que você não

estuda, um médico não tem a totalidade do corpo humano, ele estuda partes, e aí cada um tem sua especialidade. E também tem a fala lá que tem o argumento científico e o argumento educacional. Aí o argumento científico fala assim que apesar de ambos caminharem juntos, o científico tem um público diferenciado

Pesquisador 1: Objetivos, finalidades, campos de atuação diferentes. Rosa Q: Exatamente.

Procuramos desenvolver também a ideia de interdisciplinaridade no campo escolar na perspectiva de Lenoir (1998), definindo o conhecimento escolar como objeto central, os sujeitos e suas relações com o conhecimento no processo de aprendizagem, enfim, buscando contribuir para a distinção entre conhecimento científico e conhecimento escolar, de maneira que os professores tivessem oportunidade de refletir sobre as especificidades do campo em que atuam - a escola -, que possui objetivos sociais distintos das instâncias de produção de conhecimento acadêmico.

Ainda em relação à perspectiva da interdisciplinaridade escolar e à busca pela aproximação entre teoria e prática, também fomentamos reflexões a respeito de dificuldades para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares na escola a partir da literatura (AUGUSTO; CALDEIRA, 2007) e das vivências dos professores, sendo que os principais entraves que surgiram nas discussões estavam relacionados à falta de formação dos professores, a organização disciplinar da escola, a falta de tempo e de apoio de outros professores e da própria instituição, como no relato de Silvia:

Silvia Q: Eu gostei muito desse texto48, eu vou falar desse texto rapidinho, eu gostei muito desse texto;

eu senti que ele colocou bastante das aflições que a gente sente na escola, porque é muito difícil fazer essa integração de conteúdos. Eu até revi algumas coisas na medida que o curso foi passando e do que a gente foi discutindo, com algumas ideias que eu tinha do que seria. Eu acho que pra aplicar lá na escola, se for pra eu levar, pra eu ter uma interação com o professor de Física, que é um e o de Biologia que é outro, seria bem difícil pra mim, eu acho; porque a professora de Física da manhã não tá querendo fazer muita coisa [...] ela não tá muito aberta a fazer qualquer tipo de projeto, apesar dela ter me proposto agora pra esse bimestre um, mas quando eu efetivamente procurei ela, ela não me deu resposta. Então eu acho que eu sozinha vai ser mais difícil. Mas eu tô gostando de ler, de conhecer um assunto novo [...] Eu sentei um dia lá com a professora de Português e de Inglês, discuti que você tinha pedido uma proposta, uma ideia, e aí foi quem tava na hora, sentou eu, a professora de Português e a de Inglês e a gente começou a discutir, elas acharam interessante [...] Eu acho que elas tão me dando um certo apoio quanto a isso, mas que eu não tenho do professor de Biologia que nunca tá na escola, porque realmente os dias que ele vai são os dias que eu não tô, então eu nunca encontro com ele, e a de Física que eu encontro, mas ela não tá muito assim.

É interessante notar que, enquanto participava do processo de formação, Silvia procurava desenvolver práticas interdisciplinares na escola e trouxe seus anseios e dificuldades para a discussão no grupo, o que pode ter contribuído para o desencadear de outras reflexões por ela e pelos demais participantes. Outra questão marcada na fala de Silvia diz respeito às reflexões

48 AUGUSTO, T. G. S.; CALDEIRA, A. M. A. Dificuldades para a implantação de práticas

interdisciplinares em escolas estaduais, apontadas por professores da área de Ciências Naturais.

sobre a própria prática frente à referenciais teóricos e de como este processo de aproximação entre teoria e prática pode contribuir para o desenvolvimento profissional docente.

No que concerne à formação de cada sujeito, procuramos fomentar reflexões sobre a própria trajetória de formação, principalmente no período de formação acadêmico-profissional, o qual acreditamos contribuir fortemente para a construção da identidade profissional e para a atuação profissional. Sandra, ao refletir sobre a interdisciplinaridade ao longo de sua formação acadêmico-profissional, teceu as seguintes críticas:

Sandra B: Mas é engraçado que, igual assim, eu tive contato com a interdisciplinaridade nas disciplinas

da faculdade de Educação, discutindo mais isso em Biologia, mas na nossa graduação, a gente não tem nas nossas disciplinas de graduação em Biologia um método interdisciplinar dos professores, é muito raro um professor linkar uma coisa com a outra, lá você vê genética molecular, aí dois períodos a frente, olha, teorias evolutivas, e assim, você fica como se tivesse naquela escola antiga, depois que você vai sentar de fato e estudar mesmo e aprender a linkar. Quando eu fui fazer mestrado que eu fui, cara, nossa, linkar uma coisa com a outra. Durante a minha graduação eu não aprendi isso, eu não tive essa necessidade porque eu fui tendo as disciplinas bem isoladas. O ensino lá em cima [universidade] pra gente ainda é isolado, embora você vai pra faculdade de Educação, tem que ensinar de uma forma interdisciplinar, quando você é aluno de graduação você não aprende um método interdisciplinar. Chega a ser meio incoerente, mas ainda é assim. (grifos nossos)

É provável que a maior parte dos professores em exercício tenha se graduado neste modelo de organização por disciplinas, com poucas relações entre os diversos conhecimentos dos respectivos cursos e até com demais áreas do conhecimento, pois como sugerimos anteriormente, vivemos em um paradigma de crítica à concepção disciplinar e trilhando novos caminhos em direção a uma visão mais integrada em relação à construção de conhecimento e da própria formação humana. No que diz respeito à formação de professores, são recentes as orientações para a perspectiva de formação interdisciplinar (BRASIL, 2015).

A respeito da lógica disciplinar e ainda fortemente marcada pelo tecnicismo, observada nos cursos de formação em diversos países, Tardif (2014, p. 241-242) tece diversas críticas:

[...] a formação para o ensino ainda é enormemente organizada em torno das lógicas disciplinares. Ela funciona por especialização e fragmentação, oferecendo aos alunos disciplinas de 40 a 50 horas. Essas disciplinas (psicologia, filosofia, didática, etc.) não têm relação entre elas, mas constituem unidades autônomas fechadas sobre si mesmas e de curta duração e, portanto, de pouco impacto sobre os alunos. Essa formação também é concedida segundo um modelo aplicacionista do conhecimento: os alunos passam um certo número de anos “assistindo aulas” baseadas em disciplinas e constituídas, a maioria das vezes, de conhecimentos disciplinares de natureza declarativa; depois ou durante essas aulas, eles vão estagiar para “aplicar” esses conhecimentos; finalmente, quando a formação termina, eles começam a trabalhar sozinhos, aprendendo seu ofício na prática [...]

Com isso, queremos dizer que a lógica disciplinar, apesar de suas contribuições para a formação profissional dos docentes, deve dialogar com a lógica interdisciplinar, no sentido da coletividade e da produção de conhecimentos mais articulados entre si e que o possibilitem ser crítico de sua própria prática, guiando suas ações nas perspectivas disciplinar e interdisciplinar de acordo com os objetivos a serem alcançados ao longo de seu exercício profissional.

Por fim, acreditamos que os debates suscitados, do ponto de vista da interdisciplinaridade, envolvendo o olhar sobre a própria formação e sobre a prática49, se configuram como estratégias potencialmente favoráveis à caracterização de um ambiente interdisciplinar de formação e se configura como um fator potencial para que o professor possa futuramente atuar de maneira interdisciplinar, desde que seja estimulado a refletir sobre os limites e contribuições de abordagens interdisciplinares, bem como procure desenvolver-se profissionalmente nessa perspectiva.

A título de fechamento deste capítulo, sem a intenção de sermos prescritivos, acreditamos que os professores participantes dos processos de formação tiveram a oportunidade de vivenciar diversos momentos que potencializaram a mobilização de diversos saberes, os quais acreditamos terem contribuído para desencadear um processo de reflexão sobre a interdisciplinaridade, tanto na perspectiva de sua formação, como na possibilidade do desenvolvimento de práticas docentes interdisciplinares.

Sendo assim, verificamos que os processos de formação propiciaram a construção/reconstrução de saberes disciplinares, por meio do contato com pesquisadores na área de N&N em discussões teóricas e em uma visita a laboratórios de pesquisa; apesar do foco disciplinar, em grande parte dos momentos, tanto nós como os convidados (pesquisadores em N&N), procuramos explicitar que a N&N é um campo de conhecimento que demanda uma compreensão que extrapola os limites das áreas tradicionalmente estabelecidas (Biologia, Física e Química).

49 Acreditamos que as reflexões envolvendo a formação e a atuação podem contribuir para uma melhor

formação para atuação interdisciplinar, pois ao longo destas, podem surgir questionamentos como: Como eu considero minha formação no que diz respeito à interdisciplinaridade? Que fatores/conhecimentos/saberes eu preciso para atuar de forma interdisciplinar? Quais eu tive a oportunidade de construir? Quais eu ainda preciso melhorar ou construir? Eu atuo de forma interdisciplinar? Que condições são essenciais para que eu atue de forma interdisciplinar? Em que momentos eu posso atuar de forma interdisciplinar? Todos estes questionamentos constituem um processo contínuo de reflexão e de formação do professor, que podem potencializar a formação para atuação interdisciplinar e favorecer o desenvolvimento de práticas interdisciplinares, em nosso ponto de vista.

Os saberes curricular e da formação profissional também se caracterizaram como elementos essenciais tanto no que concerne à formação interdisciplinar como para futuras abordagens envolvendo a N&N na Educação Básica pelos professores, bem como para a formação crítico-reflexiva, tendo em vista que os sujeitos foram estimulados a construir/reconstruir conhecimentos sobre a sua própria prática e sobre relações da N&N com o currículo de Ciências; analisar materiais didáticos e materiais difundidos pela mídia; propor e debater sequências didáticas, sendo valorizados e estimulados a produzirem conhecimento pedagógico sobre a N&N em uma perspectiva de superação da fragmentação excessiva do conhecimento. Tais ações podem, inclusive, desencadear processos de mobilização do saber da experiência pelos participantes, uma vez que eles exercem a docência e poderiam desenvolver ações em sua prática (que será discutido no próximo capítulo).

Ainda, retomando a ideia de articulação dos saberes docentes às modalidades científica e escolar de interdisciplinaridade percebemos que os encontros em ambos os processos formativos cumpriram com este objetivo, tendo em vista que os sujeitos foram estimulados a estabelecer diálogos entre diversas áreas na perspectiva científica, mas também pensar sua atuação, diferenciando as duas perspectivas e tecendo críticas a partir do confronto entre referenciais apresentados e as próprias experiências vivenciadas ao longo da formação e atuação.

Entendemos também, que os processos formativos favoreceram e valorizaram a formação de sujeitos autônomos e produtores de conhecimento, superando a visão de formação continuada enquanto simples espaço para atualização conceitual e/ou reciclagem de professores. Por fim, apostamos nos sujeitos participantes como potenciais agentes multiplicadores da importância da formação continuada, da interdisciplinaridade e da N&N. No capítulo seguinte, analisamos como duas professoras que participaram dos processos formativos desenvolveram ações envolvendo o ensino de N&N, bem como avaliam a interdisciplinaridade (pensando sua formação enquanto professoras) ao longo de sua trajetória de vida, passando, obviamente, por uma análise das contribuições do processo de formação que participaram.

No documento pauloricardodasilva (páginas 132-138)