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Formação acadêmica e tempo de atuação

No documento pauloricardodasilva (páginas 74-80)

5 O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: VIVÊNCIAS, DESAFIOS E

5.1 PERFIL DOS SUJEITOS

5.1.1 Formação acadêmica e tempo de atuação

Apresentamos a seguir uma breve descrição dos sujeitos envolvidos na pesquisa, destacando algumas características da formação acadêmico-profissional e da atuação, como o curso de graduação, o período de formação, concepções a respeito da profissão docente, experiência na Educação Básica e envolvimento com a formação continuada. Lembramos que, ao todo, participaram 10 professores, sendo metade na turma de 2015 e a outra metade na turma de 2016.

Entre os participantes da primeira turma, a professora Maria graduou-se em Licenciatura em Física pela UFJF no ano de 2003 e desde então estava lecionando no Ensino Médio em escolas públicas da cidade de Juiz de Fora. Além disso, não havia participado de iniciativas de formação continuada adicionais às ocorridas na própria escola30. Outra característica que nos chamou a atenção era a recorrência ao uso de termos como “transmitir o conhecimento”, “passar a matéria”, que, ainda são amplamente utilizados no meio educacional, mas historicamente e epistemologicamente estão associados à corrente de Ensino Tradicional.

30 Entendemos que ações de formação continuada são inerentes ao ambiente escolar: reuniões de

módulo, conselho de classe, planejamento de disciplina, reuniões para estudo e debate de temas envolvendo professores e gestão, oficinas, entre outras. Quando questionamos os professores se eles haviam participado de algum projeto/curso/iniciativa de formação continuada, nos referimos a ações oferecidas por outras instituições (universidades, iniciativa privada) ou que os docentes procuraram participar por conta e/ou motivação próprias.

Aline graduou-se em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC) em 2006 e vinha lecionando no Ensino Fundamental (Ciências) e no Ensino Médio (Biologia) em escolas públicas e particulares de Juiz de Fora. Também esteve na primeira turma, e participava ao mesmo tempo de um curso de formação continuada sobre Astronomia, também no Centro de Ciências. De acordo com suas primeiras falas, percebemos que ela procurava novas iniciativas de formação continuada, além de trabalhar com diversas estratégias em seu cotidiano de atuação, como aulas práticas, textos e reportagens de diversas fontes.

Silvia graduou-se em Licenciatura e Bacharelado em Química pela UFJF em 2011 e vinha lecionando no Ensino Médio em escolas públicas desde então. Participou da primeira turma e já vinha participando de outras iniciativas de formação continuada, principalmente oferecidas nas escolas. De acordo com suas palavras, começou a lecionar devido à falta de oportunidade de atuação no campo industrial e enquanto participava do processo de formação não deixava claro se pretendia continuar na docência. Não foi possível levantar dados a respeito de sua visão sobre a docência, o que sugerimos estar ligado à indefinição quanto à permanência na profissão. Ressaltamos, ainda, que Silvia não participou integralmente do processo de formação, estando presente em cerca de dois terços dos encontros, se ausentando da parte final.

Carina graduou-se em Licenciatura e Bacharelado em Química pela Universidade Federal Fluminense em 1997 e posteriormente concluiu pesquisa de mestrado na área de Química Orgânica na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2001 e lecionava no Ensino Médio no Colégio Militar de Juiz de Fora.

Luiza graduou-se em bacharelado em Química pela Universidade de Brasília em 1992 e também lecionava no Colégio Militar de Juiz de Fora.

Não temos outras informações de Carina e Luiza pois as mesmas participaram apenas do primeiro encontro da primeira turma31, direcionando suas falas mais para a própria visão de Educação da escola onde atuavam e suas características, além de apontar a importância da contextualização no atual cenário escolar.

No que concerne aos participantes da segunda turma, Sandra graduou-se em Licenciatura em Ciências Biológicas pela UFJF em 2009 e concluiu mestrado na área de Comportamento Animal pela mesma instituição em 2011. Na sequência foi aprovada em concurso para a rede municipal de Juiz de Fora. Naquele momento vinha lecionando a disciplina Ciências no Ensino

31 Após as duas professoras não terem participado do segundo encontro, entramos em contato individual

e ambas informaram que continuariam participando normalmente, entretanto, na sequência, informaram que não poderiam mais participar do processo formativo.

Fundamental. Pelas suas palavras, sua perspectiva era continuar na pesquisa acadêmica, mas pela oportunidade do concurso e pela estabilidade ingressou na docência na Educação Básica. Apesar disso, mostrava-se bastante crítica e envolvida com a profissão, relatando diversas ações desenvolvidas ao longo de sua atuação na escola. Também participava de outras iniciativas de formação continuada, tanto dentro como fora do espaço escolar32.

Rosa graduou-se em Licenciatura e Bacharelado em Química pela UFJF em 2000 e, desde então, vinha lecionando no Ensino Médio em escolas públicas de Juiz de Fora. Relatou não ter participado de iniciativas de formação continuada. Inicialmente, observamos que Rosa trazia diversos relatos críticos sobre sua formação acadêmico-profissional e sobre sua prática, além de indicar o gosto pelo trabalho com experimentação.

Pedro graduou-se em Licenciatura em Química em 2013 pela UNIGRANRIO e vinha lecionando Física e Química no Ensino Médio em escolas públicas do município de Bicas (vizinho a Juiz de Fora). Em suas falas iniciais, demonstrava acreditar na importância do professor enquanto motivador e mediador, além do ensino de química associado ao cotidiano dos estudantes. Foi o professor com o tempo de formação mais recente e com menor período de atuação dentre todos os participantes dos processos de formação.

Vitória graduou-se em Licenciatura e Bacharelado em Química pela UFJF em 2003 e vinha lecionando Química em escolas públicas e também ocupava um cargo de coordenação pedagógica no período em que participou do processo de formação. Assim como Pedro, também indicava acreditar na importância do professor desenvolver abordagens voltadas para a associação com fatos ligados ao dia-a-dia dos estudantes. Participou de maneira mais intensa nos primeiros encontros e na segunda metade do curso esteve presente de forma irregular, participando de alguns encontros e se ausentando de outros.

Por fim, Andréia, graduou-se em Ciências Biológicas (não informou quando se formou) e estava lecionando a disciplina Ciências no Ensino Fundamental, em uma escola pública da zona rural. Entretanto, ao consultar seu currículo Lattes, observamos que Andréia concluiu a graduação em Ciências Biológicas em 2006 e cursou mestrado em Entomologia entre 2007 e 2009 na Universidade Federal de Viçosa. De acordo com a mesma, os estudantes da zona rural têm um perfil diferenciado e ela acreditava que deveria atuar como uma agente de ampliação das possibilidades futuras por meio do ensino de Ciências.

32 Paralelamente ao processo de formação desenvolvido por nós, havia um curso sobre Astronomia,

oferecido no Centro de Ciências para professores que lecionavam a disciplina Ciências no Ensino Fundamental e Sandra também participou desta iniciativa.

Um dado que emerge nesta primeira descrição dos sujeitos diz respeito à recorrência da citação de termos como contextualização, cotidiano, exemplificação, que parece estar ligado à preocupação dos professores em superar o foco na perspectiva conteudista e/ou possivelmente à abrangência que tais termos vem ganhando nos últimos anos na comunidade educacional brasileira, através de orientações curriculares e pelo avanço do campo de pesquisa em Educação, por exemplo. Portanto, no grupo de professores em questão (duas turmas com cinco docentes) esta parece ser uma característica bem definida e que marca o discurso (e, possivelmente, até a procura pela formação continuada) da maioria dos docentes.

Apresentamos no quadro 5 uma síntese das características dos sujeitos envolvidos na pesquisa, quanto ao curso de graduação, instituição, ano de conclusão e tempo de atuação na Educação Básica (EB).

Quadro 5: Perfil de formação acadêmico-profissional e tempo de atuação na EB.

Sujeito Licenciatura Instituição Ano de

conclusão

Tempo de atuação na Educação Básica*

Maria Física UFJF 2003 11 anos

Aline Ciências Biológicas UNIPAC 2006 8 anos

Silvia Química UFJF 2011 3 anos

Carina Química UFF 1997 Não informou

Luiza Química** UnB 1992 Não informou

Sandra Ciências Biológicas UFJF 2009 3 anos

Rosa Química UFJF 2000 14 anos

Pedro Química UNIGRANRIO 2013 1 ano

Vitória Química UFJF 2003 11 anos

Andréia Ciências Biológicas CES/JF*** 2006*** Não informou Fonte: DADOS DE PESQUISA.

* Tempo de atuação até o momento em que participou do processo formativo. **Cursou também o bacharelado na mesma área.

***Dados obtidos a partir de consulta ao currículo Lattes.

A partir dos dados apresentados no quadro 5, percebemos predominância de professores formados em Química (seis) e em menor proporção Ciências Biológicas (três) e Física (uma). Este é um dado que nos chama atenção, pois, conforme discutido no capítulo 2, a Nanociência e Nanotecnologia (N&N) abrange conceitos de diversas áreas, além da Biologia, Física e Química, o que nos gerou a expectativa de participação de mais professores de Biologia e

Física. Uma explicação para este cenário pode relacionar-se ao fato deste processo de formação continuada em específico estar ligado ao nosso grupo de pesquisa (GEEDUQ/UFJF), que está inserido no âmbito do Ensino de Química. Este fator pode ter contribuído para atrair mais professores de Química, apesar da divulgação ter sido feita em vários veículos e com referência explícita a professores da área de Ciências Naturais.

Outra característica que podemos observar é que a maioria (sete) dos professores se graduou há mais de 10 anos - considerando o ano de coleta dos dados, ou seja, possivelmente cursaram a licenciatura no formato 3 +1, fortemente marcada pela ênfase na formação disciplinar e específica em detrimento da formação didático-pedagógica. Acreditamos que esta observação é válida, tendo em vista que as primeiras indicações legais para reformulação das licenciaturas e superação do formato acima citado datam do início da década de 2000 (BRASIL, 2001; 2002) e as instituições de ensino superior começaram a oferecer as licenciaturas reestruturadas à partir de 2005.

Adicionalmente, conforme apresentamos no capítulo 1, ainda naquele cenário (década de 2000) os documentos ligados à formação de professores não privilegiavam a interdisciplinaridade enquanto perspectiva formativa, o que nos dá mais um indicativo de que o grupo de professores desta pesquisa possivelmente não teve oportunidade de vivenciar práticas interdisciplinares em sua trajetória de formação acadêmico-profissional. Portanto, trabalhamos com professores graduados predominantemente em um formato mais ligado aos saberes disciplinares e apenas com três docentes graduados, possivelmente, em uma perspectiva formativa mais abrangente no que diz respeito à formação didático-pedagógica.

Outra observação a partir da análise do quadro 5 é a formação de dois grupos distintos em relação à experiência profissional: de um lado sete professores com no mínimo 8 anos de experiência e de outro três professores com até três anos de experiência. Analisando tais características à luz de Huberman (2000), percebemos que o grupo com três professores encontrava-se na fase de entrada na carreira (1-3 anos), marcada por características como sobrevivência, descoberta e exploração, na qual os docentes confrontam expectativas e realidade, ao mesmo tempo em que se entusiasmam com as responsabilidades. De fato, Sandra e Pedro demonstravam tais características em vários momentos, principalmente as dificuldades em conseguir aliar suas ideias com as questões de ordem burocrática na escola, mas também revelavam entusiasmo em poder experimentar novidades.

O outro grupo (sete professores com pelo menos oito anos de experiência) encontrava-se na fase de diversificação ou questionamentos, que de acordo com Huberman (2000) compreende a faixa de 7 a 25 anos de atuação profissional.

Nessa ocasião o professor encontra-se num estágio de experimentação e diversificação, de motivação, de buscas de desafios. Experimenta novas práticas e diversifica métodos de ensino, tornando-se mais crítico. Pode se caracterizar, também, como uma fase de questionamentos, gerando uma crise, seja pela monotonia do cotidiano da sala de aula, seja por um desencanto causado por fracassos em suas experiências ou por reformas estruturais. O professor faz um exame do que será feito de sua vida frente aos objetivos e ideais estabelecidos inicialmente; reflete tanto sobre continuar no mesmo percurso como sobre as incertezas de uma possível mudança (ROSSI; HUNGER, 2012, p. 332)

De fato, em vários momentos percebemos tais características nos discursos dos professores nesta fase da carreira, principalmente em relação à busca pela formação continuada, muitas vezes justificada pelo fato da busca de novas estratégias e metodologias de ensino, pelo conhecimento mais aprofundado sobre N&N e por apresentar diversas críticas a respeito de sua própria atuação profissional.

De maneira geral, observamos que a maioria dos professores estava participando deste tipo de iniciativa pela primeira vez e especificamente pela vontade de conhecer mais sobre N&N. Conforme discutido anteriormente, a N&N vem ganhando destaque na sociedade, mas ainda é um assunto incipiente nos cursos de formação de professores da área de Ciências da Natureza (LIMA; ALMEIDA, 2012; FERNANDES 2016). Outra justificativa observada nos relatos dos professores está ligada à busca de novas estratégias, metodologias, buscando “aprender o que a universidade tem a oferecer”, o que de fato possui relevância; porém, entendemos que esta visão, se interpretada de forma reducionista, no sentido de que o professor deve procurar uma instância de produção de conhecimentos para somente se atualizar, pode desvalorizá-lo enquanto profissional, uma vez que, de acordo com Tardif (2014), a universidade oferece condições para o professor desenvolver saberes, mas o professor também é um sujeito produtor de conhecimentos por meio da prática docente. Portanto, acreditamos que a formação continuada deve ser pensada de forma a valorizar o professor e buscar superar a perspectiva de que a Universidade possui o conhecimento e deve repassá-lo ao professor, além de fomentar ações em que o professor reflita sobre seu papel enquanto profissional, sua atuação, suas crenças, no sentido de uma reflexão crítica. Contudo, considerando o modelo de formação vivenciado pela maioria dos sujeitos (marcado pela Racionalidade Técnica), é compreensível

tal visão ou expectativa em relação ao papel das Universidades na formação continuada e nos dois processos por nós desenvolvidos buscamos contribuir para a superação desta perspectiva.

Neste primeiro movimento, procuramos apresentar características gerais dos professores participantes dos processos formativos e da pesquisa. Passaremos agora para um segundo movimento, ligado à apresentação e discussão de concepções sobre N&N e interdisciplinaridade, sendo os dois principais motivadores dos processos de formação. Destacamos que todas as questões analisadas no próximo tópico foram respondidas pelos sujeitos no primeiro encontro de cada processo formativo; portanto, antes de qualquer discussão a respeito desses assuntos.

No documento pauloricardodasilva (páginas 74-80)