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Avaliação do contato dos estudantes com a N&N

No documento pauloricardodasilva (páginas 151-155)

6 A ABORDAGEM DE N&N NA PRÁTICA PROFISSIONAL DAS PROFESSORAS

6.3 APONTAMENTOS DE ROSA E ALINE SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DO

6.3.1 Avaliação do contato dos estudantes com a N&N

Tendo em vista que somente Rosa desenvolveu ações específicas em suas aulas, apresentaremos trechos da entrevista nos quais ela relata sobre a avaliação das atividades e como ela percebeu o envolvimento dos estudantes. No episódio transcrito a seguir, Rosa destaca o interesse por parte de estudantes “menos participativos”:

Pesquisador 1: E como você viu a reação dos alunos com esse assunto?

Rosa Q: Então, a partir do vídeo matéria de capa eu perguntei se alguém já tinha ouvido falar sobre

nanociência, aí teve um aluno, que inclusive é muito quieto na sala, não participa, ele falou “ah eu conheço os microchips”, começou a falar, ficou todo interessado, na área de Biologia, tratamento pra câncer, teve até alunos que levantaram no caso de serem prejudiciais à saúde, porque hoje em dia assim, acho que isso pode causar um impacto futuramente, mas eu achei legal eles se preocupando como ficaria essa questão de saúde.

Pesquisador 1: Isso marcou?

Rosa Q: Marcou. E essa questão assim, desses aparelhos eletrônicos mais modernos, aí eu até cheguei

a falar com eles, contei a história do, lembrando dos televisores, que era de LCD e passou pra LED, OLED, quando chegou no OLED aquela tela do grafeno, que dá a curvatura e melhora a visibilidade dependendo do ângulo que tá, aí eles começaram a falar dos aparelhos eletrônicos, celulares. Então assim, teve bastante envolvimento.

Além do destaque à participação dos estudantes, possivelmente pelo foco nas aplicações (conforme observado nas respostas dos estudantes analisadas anteriormente), Rosa aponta que

os alunos levantaram o ponto de vista dos possíveis riscos, o que se mostra interessante, uma vez que, apesar do apelo às questões de utilidade, o reconhecimento de aspectos controversos pode contribuir para a formação de opinião mais crítica e também para a tomada de decisões mais conscientes, principalmente em relação à N&N, marcada pela divulgação tendenciosa aos aspectos positivos, em detrimento de um equilíbrio entre os dois pontos de vista (NOVO, 2013; DIAS, 2017).

Também questionamos Rosa a respeito da dimensão conceitual e como ela percebeu o entendimento dos estudantes:

Pesquisador 1: E a questão conceitual, como você sentiu isso, tanto da parte deles como da sua parte?

Por exemplo, quando você foi discutir escala, você acha que eles tiveram dificuldade, quando você vai discutir a questão do átomo, o que é um átomo, o que é uma estrutura nanométrica, o que é um bulk, você chegou a fazer essa discussão?

Rosa Q: Cheguei. Eu falei pra eles, comparando a Terra em relação a uma bola de futebol, que seria um

milhão de vezes menor e essa bola a um grafeno, um milhão de vezes menor também. Aí comentei também da espessura do fio de cabelo, entre 50 e 100 nanômetros, fui mostrando pra eles o quanto é pequeno, e falei também daquela parte teórica que fala do top down, de cima pra baixo, você tem lá um material, esse material vira pó e esse material vira nanopartícula; e o bottom up, da montagem átomo a átomo e depois forma um aglomerado.

Pesquisador 1: Isso ficou claro pra eles? Eles conseguiram trabalhar com essa abstração, com esse

modelo?

Rosa Q: Poucos, eu notei assim que não ficou tão claro pra eles não, mas eu acho que é uma questão de

ir amadurecendo e trabalhando mais esses conceitos.

Pesquisador 1: Entendi. Será que isso passa pelo próprio entendimento do átomo? Será que talvez

faltava uma compreensão melhor sobre o átomo pra entender quando você fala que átomo a átomo vai se encaixando?

Rosa Q: Eu acho que sim.

Pesquisador 1: Porque o próprio modelo de Dalton dá conta de falar isso, você pode falar de bolinhas,

ir pegando bolinhas e aglomerar elas num sistema maior, que não é um bulk, é um sistema nanométrico e isso vai dar propriedades diferentes. Então isso você chegou a falar?

Rosa Q: Sim.

Pesquisador 1: Mas essa parte você acha que merecia um aprofundamento melhor com eles?

Rosa Q: Ah eu acho. Aí vem aquela questão, a gente quer trabalhar, traz muita coisa, mas aquela coisa

de ano corrido, você tá lá no meio da matéria e de repente vem as coisas.

Pesquisador 1: É uma discussão que amplia muito, ela ultrapassa o próprio conceito que ta ali, você

tava falando de soluções, mas ao mesmo tempo podia ta falando de problemas ambientais, falando de toxicidade, de átomo, eletricidade, condução ou não, estrutura, propriedade.

Rosa Q: Eu cheguei a comentar também que dentro da nanociência, quando você passa da física clássica

pra quântica que a gravidade é desprezível. Mas assim, eu acho que é um assunto que eu ainda posso explorar muito mais, é um campo que os alunos, apesar da imaturidade, dá pra fazer um bom trabalho.

Pesquisador 1: Então você acha que é possível explorar mais a nanociência lá no Ensino Médio? Rosa Q: Com certeza. Dentro do primeiro ano trabalhar alotropia, mostrar o carbono, grafite, diamante,

falar do fulereno, nanotubos.

Percebemos, analisando o episódio acima, indícios de transposição didática desenvolvida por Rosa, ao usar analogias para discutir a escala, para abordar métodos de produção de materiais em escala nanométrica e em relação à abordagem do conceito de alotropia.

Percebemos, ainda, apontamentos sobre a importância do entendimento do conceito de átomo para a compreensão de alguns aspectos da N&N.

Observamos também possível mobilização de saberes disciplinares, da formação profissional e curriculares (TARDIF, 2014), aliados a saberes construídos ao longo da experiência, narrada por Rosa. Ao pensar nas dificuldades de aprendizagem dos estudantes e em possibilidades de abordagem dos assuntos, nota-se mais claramente a mobilização de saberes da formação profissional e da experiência; indícios de saberes disciplinares se manifestam mais nos trechos em que Rosa aponta os conceitos e aplicações da N&N abordados com os estudantes; associamos a mobilização de saberes curriculares mais ao final do trecho transcrito, onde a mesma aponta outros momentos onde acredita ser possível abordar conceitos de N&N. Por fim, indícios de uma abordagem potencialmente interdisciplinar se revelam quando Rosa relata ter abordado a influência das forças nas escalas macro e nano, o que exige discutir conceitos da Física e da Química.

Defendemos que a compreensão de modelos microscópicos para o átomo pelos estudantes e a experiência do professor em saber transitar entre vários modelos é de extrema importância (MELO; NETO, 2013). Por exemplo, para uma discussão que envolve a compreensão da escala, o próprio modelo de Dalton é suficiente; ao optar por abordar as nanopartículas e suas interações em solução, já se torna necessário lançar mão da natureza elétrica dos átomos, assim como para discutir a natureza condutora ou não condutora exige uma compreensão de aspectos quânticos. Da mesma maneira, ao abordar a questão da liberação controlada de medicamentos, é imprescindível o entendimento de conceitos como polaridade, células e suas organelas, bem como o reconhecimento de processos de interação biológica que ocorrem no organismo humano. Portanto, fica evidente como a compreensão de modelos explicativos auxilia a compreensão de conceitos e aplicações da N&N e como o professor possui papel essencial no processo de transposição de conhecimentos:

A ideia de transposição didática como tarefa do professor está ligada à noção de contextualização [adaptação do conhecimento científico para o contexto escolar, de ensino], ou seja, o planejamento do professor, baseado em atividades de natureza diversa, precisa chegar até os alunos de maneira aceitável e significativa, pois trabalhar a compilação e a construção de conteúdos de maneira formal e sem uma adaptação pode se tornar um risco nos processos de ensino e de aprendizagem. (PISTOIA et. al., 2017, p. 4)

De acordo com os dados expostos, acreditamos que Rosa, principalmente, vem se envolvendo de maneira mais efetiva neste processo de transposição didática da N&N. Além do

estudo, planejamento, desenvolvimento e avaliação de suas ações, Rosa aponta a falta de materiais didáticos que compreendem a N&N, sugerindo que um maior espaço nos livros didáticos por exemplo, poderia contribuir para sua difusão na Educação Básica:

Rosa Q: Isso eu acho que deixa a desejar, quem monta os livros devia investir mais nisso também, acho

que falta trazer esse assunto. As vezes uma abordagem que tem no livro, se o professor se interessa por isso ele vai divulgar, agora, quem não tem contato acaba não divulgando pro aluno. Então eu acho que se os livros didáticos fossem melhorados daria também [...] E eu acho que poderia ter experimentos de fácil acesso, baixo custo, de maneira que chega fácil na Educação Básica.

De fato, a abordagem de N&N em livros didáticos ainda aparece muito timidamente (SILVA; LOPES, 2016; CAMARA; PROCHNOW, 2016), começando a ganhar força na literatura (LEONEL, 2010; ELWWANGER et. al., 2012; REBELLO et. al., 2012; ALBERTI, 2016). Portanto, defendemos que nos próximos anos este assunto comece a integrar concretamente os currículos de Ciências Naturais, bem como ser incorporado em materiais didáticos.

Nossa percepção sugere que Aline e Rosa vem se envolvendo com o ensino de N&N ainda de maneira mais tímida, mas que revela potencial para trabalhos futuros, principalmente Rosa, que, apesar de um foco mais voltado para as aplicações, vem refletindo a respeito sobre como a N&N pode ser abordada em suas aulas e como a questão conceitual pode ser melhor pensada, articulada e apreendida pelos estudantes.

Quanto à abordagem da N&N em uma perspectiva interdisciplinar, ainda não observamos nos discursos das professoras indícios de tal perspectiva. Acreditamos que este fato pode ser explicado por fatores como: antes de pensar na associação de conceitos e áreas abrangidas pela N&N, é preciso construir conhecimentos mais sólidos a respeito das diversas áreas e este é um processo que vem sendo desenvolvido pelas professoras; a abordagem de aplicações sem aprofundar em questões específicas de conteúdo não necessariamente exige a integração de conceitos; as professoras podem apresentar dificuldades em atuar de maneira interdisciplinar, ou mesmo não valorizar esta perspectiva em suas práticas. Acreditamos que as duas últimas hipóteses possuem menor influência no caso específico de Aline e Rosa e discutiremos na sequência o envolvimento das duas professoras com a interdisciplinaridade nas diferentes modalidades apontadas por Lenoir (2013), considerando a trajetória de vida de ambas.

6.4 A TRAJETÓRIA DE VIDA DAS PROFESSORAS E A FORMAÇÃO

No documento pauloricardodasilva (páginas 151-155)