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Concepções sobre as implicações de abordagens interdisciplinares para a atuação

No documento pauloricardodasilva (páginas 86-90)

5 O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: VIVÊNCIAS, DESAFIOS E

5.1 PERFIL DOS SUJEITOS

5.1.3 Concepções sobre as implicações de abordagens interdisciplinares para a atuação

Visando entender como os professores percebiam se a interdisciplinaridade pode contribuir para a própria formação, bem como para a aprendizagem dos estudantes, utilizamos a seguinte questão: “Você considera que abordagens interdisciplinares podem trazer benefícios para seu desenvolvimento profissional34 e para a aprendizagem dos estudantes? Quais?”. Neste caso, todos foram unânimes em responder positivamente. Entretanto, na maioria das respostas, verificamos referências mais ligadas à aprendizagem dos estudantes do que de contribuições para sua própria formação. Apresentaremos primeiramente as respostas que remetem às contribuições de abordagens interdisciplinares para os estudantes e na sequência para o desenvolvimento profissional dos professores.

“Sim. Essas abordagens enriquecem as aulas por se complementarem e muitas vezes levantarem discussões muito interessantes que mostram que os conhecimentos não podem ser usados de forma estanque.” (Luiza Q)

“Sim. As abordagens interdisciplinares contribuem bastante para o aprendizado dos alunos. Pois eles comprovam que um mesmo assunto tem ligação e muitas vezes complementa em outras disciplinas. Principalmente nos conteúdos de química, física e biologia.” (Rosa Q)

34 Utilizamos o termo desenvolvimento profissional no sentido de um processo de desenvolvimento de

novos saberes (MARCELO, 2009), estratégias e engajamento com a profissão, o que envolve questões pessoais e profissionais, como o gosto pela docência, a inovação, que emergem ao longo da formação e exercício profissional.

“Sim, pois as abordagens interdisciplinares contribuem para ampliar a visão dos alunos sobre as matérias escolares, dando-lhes a percepção de que todas se relacionam e estão presentes em seu cotidiano. A visão interdisciplinar faz com que o aluno perceba a dinâmica das ciências e sua importância para a sociedade atual.” (Sandra B)

“Sim. No caso da aprendizagem dos estudantes, abordagens integradoras de um mesmo tema facilitam na construção do conhecimento. Os alunos começam a perceber que as disciplinas estudadas não são isoladas umas das outras, o que proporciona uma visão mais geral de um tema.” (Silvia Q)

As principais justificativas que emergem nas respostas estão ligadas principalmente à ideia de complementaridade entre as disciplinas, ou seja, existem relações importantes entre as disciplinas que não podem ser suprimidas; outro argumento diz respeito à ampliação dos conhecimentos dos estudantes, podendo contribuir para visões mais integradas sobre determinado assunto. De fato, Czerniac (2006) defende que a aprendizagem ocorre por meio de conexões mentais; sendo assim, entendemos que quanto maior o número de informações, maiores são as chances de novas conexões e de construção de conhecimentos. Latucca et. al. (2004) também apontam que abordagens interdisciplinares podem contribuir para o desenvolvimento de visões mais ampliadas sobre os conhecimentos já produzidos.

Chama-nos a atenção na resposta de Sandra o aspecto relacionado à dinâmica das Ciências, o qual pode estar ligado a uma visão mais contemporânea a respeito da atividade científica do ponto de vista epistemológico. De fato, ainda vivemos em um paradigma fortemente cartesiano, fragmentado; porém, desde a virada do século XIX para o século XX, mais especificamente a partir da segunda metade do século passado, as pesquisas desenvolvidas no campo científico vêm buscando maior diálogo entre os próprios pares e entre os campos de conhecimento (JAPIASSU, 1976; FAZENDA, 2011), haja vista o surgimento de áreas cada vez mais complexas (NICOLESCU, 2001) e as tendências nas publicações e premiações científicas (lembramos o exemplo do Prêmio Nobel citado no início do capítulo 1).

No que tange às contribuições para a formação e desenvolvimento profissional, as respostas apontam principalmente para novos conhecimentos, motivação e contribuição para que o professor amplie os conteúdos abordados em suas aulas, articulando-os com outras disciplinas.

“Para o desenvolvimento do profissional da educação, esse tipo de abordagem abre espaço para novos conhecimentos e pode ser um fator para manter a motivação dos professores.” (Silvia Q)

“Sim, haja visto que nenhuma ciência é isolada, ela tem suas fronteiras, mas também tem suas complementações por pesquisas de outras áreas. Isso mostra para o aluno que não há informação perdida ou isolada e faz o professor estudar áreas diferentes, enriquecendo sua ideia, que será passada para os estudantes.” (Pedro Q)

“Com certeza. A interdisciplinaridade é a chave para o aprendizado. No mundo atual, é quase impossível abordar em sala apenas o conteúdo de sua formação. Tudo está interligado.” (Aline B)

É interessante que Pedro e Aline, em nosso ponto de vista, apresentam uma ideia de que abordagens interdisciplinares geram novas demandas para os professores, “incentivando-os” a ampliarem seus conhecimentos para acompanhar os movimentos científicos e globais. Entendemos que o “fazer o professor estudar áreas diferentes” utilizado por Pedro pode adquirir uma conotação positiva, no sentido de que a profissão docente é marcada pela incompletude (FREIRE, 2010), constantes reflexões e modificações. Sendo assim, saber lidar com as novas demandas e exigências da docência é um fator que caracteriza o profissional da área, inclusive faz parte do desenvolvimento profissional, que, em nosso ponto de vista, pode ser fomentado através de perspectivas de formação que superem a racionalidade técnica e subsidiem o desenvolvimento de uma postura crítico-reflexiva por parte do professor ao longo de sua carreira.

De forma geral, percebemos que a maioria dos sujeitos se posiciona positivamente quanto à perspectiva interdisciplinar no ensino, dando maior destaque às contribuições para a formação dos estudantes e em menor proporção para sua própria formação e atuação profissional. Acreditamos que uma possível explicação para o foco nos estudantes está ligada à natureza do trabalho docente, totalmente ligado à aprendizagem dos estudantes, o que pode ter chamado maior atenção dos professores na pergunta; outra hipótese pode estar associada ao fato dos professores terem vivenciado poucas discussões a respeito da interdisciplinaridade ao longo de sua trajetória profissional (de acordo com falas recorrentes ao longo dos encontros), revelando certo distanciamento entre as instâncias de formação e de atuação.

Por outro lado, vale a pena ressaltar que, apesar de mais de duas décadas nas quais a interdisciplinaridade é apontada nas orientações curriculares, vivenciamos um lento processo de caminhada rumo à interdisciplinaridade na formação de professores - principalmente pelas orientações na resolução CNE/CP 2/2015 -, de maneira que nas décadas anteriores foram sendo identificados os limites do paradigma disciplinar, ao mesmo tempo em que pesquisadores da comunidade científica e educacional começavam a debruçar esforços para desenvolver ações interdisciplinares (FAZENDA, 2011; BRASIL, 2015).

Ao voltarmos o olhar para a formação de professores, vale ressaltar que grande parte (provavelmente a maioria) dos formadores de professores foi formada no modelo disciplinar e isso se reflete na forma como os mesmos pensam e atuam; entretanto, há aqueles que também buscam acompanhar o movimento pela interdisciplinaridade. Por outro lado, começam a emergir cursos organizados de maneira mais flexível e com características interdisciplinares35, fortalecidas pelos documentos ligados às Diretrizes para Formação de Professores (BRASIL, 2015). Em resumo, vivenciamos neste momento um movimento de ações que visam a criação de ambientes propícios à formação de profissionais na perspectiva interdisciplinar, tal qual este trabalho se insere e visa contribuir para o avanço na formação docente interdisciplinar.

À guisa de fechamento deste tópico, retomamos algumas características que marcam o grupo de professores participantes desta pesquisa: contamos com professores graduados em Biologia, Física e predominantemente Química, atuantes no Ensino Fundamental e principalmente no Ensino Médio; a maioria dos professores já lecionava há pelo menos oito anos na época em que participou do processo de formação continuada, ou seja, professores com um bom tempo de experiência na carreira; em relação à N&N, a maioria buscou a formação continuada para conhecer mais a respeito do assunto e inicialmente demonstrou pouco conhecimento sobre N&N; percebemos também um foco ligado à utilidade no que diz respeito aos objetivos do Ensino de Ciências e, finalmente, uma tendência de crítica à excessiva fragmentação de conhecimentos e abordagens pouco integradas na Educação Básica, além do reconhecimento da importância de práticas interdisciplinares para a aprendizagem dos estudantes, mas poucas referências de contribuições da interdisciplinaridade no desenvolvimento profissional.

35 Considerando a criação de licenciaturas Interdisciplinares (Educação do Campo, Ciências da

Buscaremos, na sequência, caracterizar os processos formativos que deram origem a esta tese, nos pressupostos defendidos ao longo do texto, envolvendo a formação de professores, N&N e interdisciplinaridade.

No documento pauloricardodasilva (páginas 86-90)