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5 QUESTÕES DE ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO DE

5.2 Resultados da análise

5.2.6 Articulação entre os tópicos gramaticais e os textos literários

A análise do livro didático confirmou nossa hipótese de que a maioria das questões de análise linguística não está articulada com os textos literários e, como já dissemos, os tópicos gramaticais não estão articulados, em sua maioria, nem com os textos não literários. A maioria das questões é referente a frases soltas, inventadas sem nenhuma articulação com qualquer texto. Na verdade, não há texto para a reflexão sobre os fenômenos linguísticos. Entretanto, algumas questões conseguem articular parcialmente os fenômenos gramaticais com os textos literários. Entretanto, é necessário que se determine a natureza dessa articulação. Quando uma questão do livro didático pede para o aluno reler um trecho de um texto, há, evidentemente, uma articulação com esse texto. Mas não se trata disso. O que defendemos neste trabalho é que as questões de análise linguística devem articular os fenômenos gramaticais com os textos na produção de sentidos, e não qualquer tipo de articulação. Portanto, uma simples referência a um trecho retirado de um texto qualquer não é o tipo de articulação de que tratamos em nossa análise.

No livro da EJA que estamos analisando, a grande maioria das questões não traz texto. Quando muito, traz fragmentos de algum texto. Por isso não pode articular os tópicos gramaticais com o texto. Essa prática tradicional de ensino de gramática já foi

abundantemente criticada pelos PCN (1998) que propõem em seu lugar a prática de análise linguística integrada à prática de leitura e produção textual. Essa nova proposta adota o texto como unidade de ensino e sugere a substituição das práticas de ensino da Gramática Tradicional pela reflexão sobre os usos fenômenos linguísticos explorando-os em vinculação com a produção de sentidos do texto. Por isso mesmo não é possível realizar uma análise linguística que não seja a partir do texto e em função dos sentidos que ele possa revelar em contextos específicos de interação. A diferença entre as aulas de gramática e a análise linguística é determinada, sobretudo, a partir da escolha dos objetivos de ensino e estes orientam a escolha de estratégias diferentes na abordagem dos conteúdos configurando, assim, práticas pedagógicas diferenciadas. A tabela a seguir mostra essa relação na qual se destaca o percentual de 75,5% (a maioria) das questões sem articulação com os textos literários. Dito de outra forma, as questões propostas pelo livro didático não contribuem para a produção de sentidos do texto. A maioria dessas questões é de identificação e classificação de palavras isoladas. Mesmo quando essas palavras que deverão ser classificadas são retiradas de algum texto, essa classificação não tem nenhuma relação com os sentidos do texto.

Tabela 5 : Articulação entre os tópicos gramaticais e os textos literários

A figura a seguir apresenta algumas questões nas quais os tópicos gramaticais estão parcialmente articulados com os textos e outras em que não estão. O texto (pretexto)

para introduzir o estudo dos tipos de sujeito é um fragmento do poema “Morte e Vida Severina” (cf. figura 15). O texto (fragmento) é acompanhado de quatro questões. As duas

primeiras se referem ao tema do texto. As outras duas utilizam trechos do texto apenas para uma atividade de classificação dos tipos de sujeito (cf. figura 16).

Articulação Quantidade de questões Porcentagem

Articula parcialmente 9 22,5%

Não articula 31 75,50%

Total 40 100%

Figura 15: Questão do livro de Língua Portuguesa da EJA p.154

A primeira questão indaga a respeito do nome do protagonista Severino que se apresenta no início do texto. Conforme a expectativa da resposta apresentada pela autora, Severino é um nome muito comum no Nordeste e por isso representa todos os retirantes nordestinos que migram para a cidade grande em busca de uma vida melhor. Mas a partir do fragmento é difícil o aluno chegar a essa conclusão, pois não há elementos suficientes para essa inferência. Somente com o conhecimento do restante do poema é que poderíamos perceber que se trata do Nordeste pelas referências aos estados da Paraíba e Pernambuco, por exemplo. A segunda questão pergunta se é possível falar de uma morte ou vida severina, segundo o texto. A resposta a essa questão também depende do conhecimento do contexto sócio-histórico da região nordeste. Entretanto, no texto há uma definição de morte severina

como aquela que ocorre por “velhice antes dos trinta” anos ou “de fome um pouco por dia” ( cf. figura 15).

Figura 16: Questão do livro de Língua Portuguesa da EJA p.155

Continuando a análise das questões referentes às figuras 15 e 16, constatamos a falta do texto completo que possui 1215 versos. Temos aqui um fragmento de apenas 28 versos (cf. figura 15). Já é possível supor que não poderá haver análise do texto. As questões 1 e 2 da p. 154 são de interpretação do texto e não dependem diretamente de um recurso linguístico para que o aluno possa respondê-las, mas do conhecimento do problema da seca no Nordeste. A questão 3 da p.155 (cf. figura 16) é referente a dois versos do poema ( um

fragmento de outro fragmento): “Leia o trecho, extraído do texto de João Cabral de melo Neto”. A questão pede que o aluno identifique o sujeito e diga como conseguiu fazer essa

identificação. Percebe-se que essa questão não tem nenhuma relação com o sentido do fragmento do texto a que se refere. Portanto, o sentido do texto não foi trabalhado. Na verdade, não há texto, só um fragmento. Aliás, ao utilizar um pequeno trecho e não o texto, a autora já deixou claro que o texto não é importante nessas questões para a exploração dos fenômenos gramaticais. É isso o que caracteriza o ensino tradicional da gramática sem texto e sem contexto. A questão 4 já traz uma frase de outro texto qualquer e apenas solicita a identificação do tipo de sujeito, pois não é possível extrair algum sentido de uma frase solta inventada ou retirada de algum texto. É interessante perceber que o fragmento de texto (Morte e Vida Severina) que poderia servir de suporte para as questões de análise linguística já está esquecido e seu sentido sequer foi explorado.

Como podemos perceber, as questões 3 e 4 da página 155 do livro didático (cf. figura 16) não estão articuladas com o texto, mas com as definições dos tipos de sujeito que as sucedem numa caixa de texto amarela. Essas caixas de texto são usadas no livro didático para apresentar um resumo dos tópicos gramaticais estudados em cada unidade. E as questões servem apenas para ilustrar as definições e classificações das unidades da língua, com o propósito de ensinar o aluno a reconhecer e nomear corretamente essas unidades e não refletir sobre as funções que elas possam ter na produção dos sentidos do texto. Daí que o texto não precisa estar completo ou não precisa estar presente para que o aluno responda às questões.

Para que o livro didático seja um instrumento de apoio à atividade pedagógica, é preciso ele traga questões de análise linguística em que os fenômenos gramaticais estejam articulados com os textos, literários ou não. Reforçamos que o tipo de articulação que defendemos para as questões de análise linguística significa vincular o estudo de qualquer tópico gramatical ou lexical aos sentidos e intenções expressos no texto. Por isso é sempre necessário que haja um texto para que se faça uma análise dos recursos linguísticos que concorrem para o sentido dele. Em outras palavras, essas questões do livro didático devem seguir as orientações dos documentos oficiais da educação, no tocante à prática de análise linguística que adote o texto como centro e não como pretexto para análises descontextualizadas. Para superar essa prática de ensino que não contribui para o desenvolvimento da competência discursiva do aluno, é preciso que o professor adote novas práticas de ensino à luz das orientações dos documentos oficiais. Uma sugestão é que se abandonem os antigos programas de gramática, que ainda dominam o conteúdo dos livros didáticos, e se adote a prática de leitura e análise de textos que sejam interessantes e relevantes para os alunos.