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3 ENSINO DE GRAMÁTICA OU ANÁLISE LINGUÍSTICA?

3.4 A análise linguística e o sentido global do texto

3.4.1 Texto, coesão e coerência

A Linguística Textual (LT) começou a se desenvolver na Europa na década de 60 do século XX. Antes disso, os estudos linguísticos, seguindo a tradição formalista, se limitavam ao estudo da frase e não se preocupavam com os usos da língua em situações reais de interação comunicativa. Dentro dessa visão tradicional, a língua é considerada como um sistema abstrato, homogêneo e transparente. Como consequência dessa visão tradicional, a prática de ensino de língua materna que ainda predomina nas escolas é caracterizada, segundo Antunes (2003, p.31), pelo ensino de “uma gramática fragmentada, de frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto, sem função; frases

feitas para servir de lição, para virar exercício”.

O que motivou o desenvolvimento inicial da LT foi a impossibilidade de explicação, pelas teorias tradicionais, de vários fenômenos linguísticos que apareciam no texto. Entre esses fenômenos, Fávero e Koch (2012) citam a correferenciação (processos anafóricos e catafóricos), a pronominalização, a ordem das palavras no enunciado, a seleção de artigos (definido ou indefinido), a relação tópico-comentário e as relações entre frases não ligadas por conjunções. Tais fenômenos exigiam uma explicação que ultrapassasse os limites da frase, pois se definiam como relações interfrásticas, e se constituísse numa teoria do texto. Por essa razão, a preocupação inicial da LT era desenvolver uma gramática transfrástica.

O desenvolvimento da Linguística Textual não ocorreu de forma homogênea e numa ordem cronológica, mas é possível, segundo Fávero e Koch (2012), identificar três momentos teóricos distintos na passagem da teoria da frase para a teoria do texto: a análise transfrástica, a gramática textual e a teoria do texto.

No primeiro momento, a pesquisa da LT, conhecida como análise transfrástica, se concentra ainda nos enunciados ou sequências de enunciados, partindo deles rumo ao texto, com o objetivo de identificar os tipos de relações que se estabelecem entre os diversos enunciados que compõem uma sequência significativa, uma unidade maior de sentido. As relações correferenciais passam a ocupar os estudos linguísticos e a correferência é considerada como um dos principais fatores de coesão textual.

No segundo momento, surge a gramática textual com o objetivo de refletir sobre os fenômenos linguísticos que não encontravam explicação na gramática do enunciado, já que as diferenças entre enunciado e texto são de natureza qualitativa, ou seja, o texto não é um simples amontoado de frases. Dessa forma, uma gramática textual deveria se ocupar de três tarefas básicas:

a) determinar os princípios de constituição do texto (textualidade); b) estabelecer critérios para a delimitação de textos (completude); c) diferenciar as várias espécies de textos.

No terceiro momento, os estudos linguísticos partem do texto para a análise do contexto pragmático. As pesquisas se concentram no estudo do conjunto das condições de produção, recepção e interpretação do texto. Com a inclusão da pragmática nos estudos linguísticos, alguns autores passam a postular a mudança da base empírica da teoria do texto, que deixa de ser a competência textual, para se tornar a competência comunicativa, isto é, a capacidade que o usuário da língua tem de empregar adequadamente a linguagem nas diferentes situações de comunicação. Dessa forma, A LT passa a elaborar uma teoria do texto e passa a tratar tanto da produção quanto da compreensão de textos orais e escritos. O texto se torna, portanto, o objeto central de investigação da LT, pois ele é a unidade básica de comunicação.

Dizer que o texto é a unidade comunicativa básica significa assumir a premissa de que o falante não se comunica por morfemas, fonemas, palavras ou frases isoladas, mas por textos, independentemente de sua extensão. A interação comunicativa pode acontecer através de textos extensos como um livro, por exemplo, ou por textos mais curtos, como um bilhete

ou um aviso. Como afirma Marcuschi (2008), “A LT parte da premissa de que a língua não

funciona nem se dá em unidades isoladas, tais como os fonemas, os morfemas, as palavras ou as frases soltas. Mas sim em unidades de sentido chamadas texto, sejam elas textos orais ou

escritos”.

As concepções de texto podem ser tão variadas quanto as vertentes da LT que as definem e dependem das concepções de língua e linguagem que as fundamentam. A concepção de texto que adotamos neste estudo, em sintonia com a visão funcionalista e interacionista da linguagem já admitida aqui por nós, é aquela que o define como um processo de interação, um evento comunicativo. Por isso estamos de acordo com a definição de Cavalcante (2012) quando diz:

Podemos concluir, dessa forma, que o texto é um evento comunicativo em que estão presentes os elementos linguísticos, visuais e sonoros, os fatores cognitivos e vários aspectos. É, também, um evento de interação entre locutor e interlocutor, os quais se encontram em um diálogo constante. (CAVALCANTE, 2012, p.20)

Beaugrande e Dressler (1981 apud Marcuschi, 2008) definiram sete critérios de textualidade, isto é, um conjunto de propriedades que definem um texto bem construído como

uma unidade de sentido e não uma sequência aleatória de enunciados. Os critérios são: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade. Para os objetivos deste nosso estudo, julgamos pertinente nos concentrarmos em apenas dois, a saber: a coesão e a coerência.

A coesão é uma propriedade que confere legibilidade ao texto embora não seja

absolutamente indispensável, pois, como diz Marcuschi (2008, p.89), “a textualidade não é

uma propriedade imanente a algum artefato linguístico.” Ela se define mais por um conjunto de condições de processabilidade cognitiva e discursiva. Em outras palavras, uma sequência de elementos linguísticos se torna um texto quando é capaz de oferecer a alguém acesso interpretativo dentro de uma experiência sociocomunicativa relevante para a compreensão. Desse modo, a falta de coesão na organização das frases de um texto poderá ser suprida por outros elementos do contexto comunicativo que lhe garanta produzir algum sentido para alguém.

Halliday e Hasan (1973 apud FÁVERO; KOCH 2012) definem o texto como sendo a unidade da língua em uso, uma unidade semântica, não formal. Para esses autores, a textualidade (aquilo que faz com que o texto seja um texto) depende da coesão textual. A coesão textual se refere às relações de sentido que se estabelecem entre os enunciados do texto fazendo com que a interpretação de qualquer elemento desse texto dependa da interpretação dos demais. Os principais fatores de coesão textual são:

a) a referência consiste em operar com os itens da língua (elementos referenciais) que não podem ser interpretados por si próprios, mas remetem a outros elementos no discurso para serem interpretados. Há dois tipos de referência: a situacional (exofórica), feita a algum elemento da situação, e a textual (endofórica);

b) substituição – consiste na colocação de um item no lugar de outro no texto. Podemos substituir, com uma palavra, outra palavra ou uma oração inteira;

c) elipse (anáfora zero) – omissão de um item lexical, de uma palavra, um sintagma, ou um enunciado, mas que podem ser recuperados pelo contexto;

d) conjunção – este tipo de coesão permite estabelecer relações significativas entre as orações dentro do período, entre os períodos dentro do parágrafo e entre os parágrafos do texto;

e) coesão lexical – obtida através de dois mecanismos: a reiteração que consiste na repetição de itens lexicais idênticos, ou através do uso de sinônimos, hiperônimos e nomes genéricos.

A Coerência não é uma propriedade imanente ao texto. Ela é uma atividade de interpretação, de construção de sentidos do texto. Por isso um mesmo texto pode ser coerente para um leitor e incoerente para outro, dependendo do nível de maturidade da capacidade leitora de cada um. De acordo com Oliveira (2015), a coerência depende da situação comunicativa em que podemos considerar a articulação de três domínios:

a) domínio linguístico – refere-se à utilização de recursos gramaticais em todos os níveis ( fonético-fonológico, semântico e morfossintático) e à seleção de itens lexicais para a composição dos enunciados;

b) domínio pragmático – refere-se às condições de produção e recepção do texto no ato comunicativo. Pertencem a esse domínio fatores como: contexto situacional, tipo de ato de fala, intenção e aceitação comunicativas, valores e crenças dos interlocutores e todo e qualquer tipo de elemento do contexto comunicativo que interfira na produção de sentido textual;

c) domínio extralinguístico – refere-se ao conhecimento de mundo, às vivências e experiências dos participantes da situação comunicativa.

Admitir a concepção interativa, funcional e discursiva da língua significa assumir

que a língua “só se atualiza a serviço da comunicação intersubjetiva, em situações de atuação

social e através de práticas discursivas, materializadas em textos orais e escritos” (ANTUNES, 2003, p.42, grifo do autor). Para compreendermos adequadamente qualquer texto que lemos, é preciso que identifiquemos a gênero esse texto pertence e qual a sequência (tipologia) textual dominante na sua composição. Nas seções que seguem vamos definir estes dois conceitos: gênero discursivo e tipologia (sequência) textual.