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Articulando as falas e retomando o problema de pesquisa

CAPÍTULO II A CLÍNICA NOS DIFERENTES MODELOS Uma das principais acepções do termo clínica vem do grego clinos, que significa

II. Articulando as falas e retomando o problema de pesquisa

Uma das perguntas que nos fizemos na introdução, e que foi uma das referências em nossas entrevistas, questionava qual seria a contribuição da formação psicanalítica na atuação em CAPS para esses entrevistados, se é que contribui. Poderíamos ter escutado, por exemplo, que o profissional restringe o pensamento analítico ao consultório, sendo a instituição um campo de outra ordem, ao qual a psicanálise não poderia ser empreendida.

Não obstante, pelo menos na visão dessas três entrevistadas, a psicanálise está

tanto no consultório quanto na instituição, mesmo que cada um apresente suas

especificidades e que abordaremos mais adiante. Nenhuma delas abdica de utilizar a psicanálise no âmbito do CAPS, pois não é o consultório que delineia os limites de sua utilização.

Não seria ousado dizer que a figura do psicanalista está frequentemente associada ao trabalho no consultório. Afinal, foi dessa maneira que a psicanálise começou; boa parte das instituições formadoras segue privilegiando esse campo de atuação, e; a própria representação do analista na cultura – como, por exemplo, no cinema – se dá pelo trabalho no consultório. Uma professora, ao falar sobre sua formação analítica, menciona que as primeiras aulas que assistiu foram sobre como montar uma sala – onde posicionar o divã, cadeiras, etc.6

Longe de desmerecer o trabalho em consultório, trata-se aqui de salientar uma outra posição – evocada por nossas entrevistadas e sustentada por muitos analistas –, de que não é o setting que define até onde se está trabalhando como psicanalista, sendo que, fora das quatro paredes, estaria-se fazendo alguma outra coisa. Como vimos, para Clarissa a psicanálise é uma teoria que permite uma escuta e certo tipo de intervenção, que pode realizar-se tanto no consultório, como no entendimento da cultura, no acompanhamento terapêutico e na instituição; para Yanina, o dispositivo analítico está centrado na transferência, sendo através dela que se pode mover uma mudança, seja em que contexto isso se estabelecer; segundo Isabel, ser psicanalista é uma questão de

postura, e portanto não de setting.

Ser psicanalista é uma questão de postura, aliás, é uma idéia desenvolvida

também por Ribeiro (2007). Segundo a autora, “a prática psicanalítica não está ligada a um local, a um cenário específico sem o qual não poderia ser efetuada” (p. 63). No seu entendimento, “quando o psicanalista adentra as instituições de saúde mental, é com os

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olhos e ouvidos atentos para os sentidos, para as transferências, contratransferências, repetições e possibilidades de movimento que ele o faz” (p. 66). Essa idéia aproxima-se da compreensão de nossas entrevistadas, onde uma certa escuta foi um dos principais aspectos salientados sobre o trabalho psicanalítico no CAPS, sendo isso que determinaria sua presença no serviço, e não um determinado enquadre.

Para isso, parece ser importante compreender que a transferência pode tranquilamente se estabelecer na instituição, como podemos perceber nas palavras de Tenório (2001) sobre sua prática em CAPS: “a experiência clínica mostra que a transferência é um fenômeno produzido pelo paciente mais ou menos a nossa revelia” (p. 68), não sendo a montagem do consultório imprescindível para que ela se dê. Aliás, como vimos no capítulo anterior, o próprio Freud pensa a transferência como algo produzido em qualquer relação humana (Freud, 1912⁄1993); mas também não podemos quitar os méritos da psicoterapia institucional na formulação dessa concepção de transferência mais firmemente. Ainda assim, salienta Tenório (2001), se quisermos trabalhar com a transferência na instituição “é preciso que estejamos ali e representemos uma oferta de trabalho” (p. 68), e por isso os equipamentos da reforma buscam dispositivos para recolhê-la.

O lugar de não-saber ocupado pelo analista, como postura no trabalho institucional, também seria uma marca importante de que não é o setting que define o psicanalisar. A postura de escuta do analista, aliás, seria tributária à suspensão de todo seu saber sobre o sujeito, que só assim poderia escutá-lo, e isso precisa ocorrer tanto no consultório quanto na instituição. Para Isabel, aliás, essa é uma das grandes diferenças entre a atuação tradicionalmente médica – identificada com o diagnóstico e prescrição da medicação – e a psicanalítica; ou como recortamos na fala de Yanina: não se sabe muito sobre a psicose, mas não-saber é justamente a posição inicial do analista frente a qualquer paciente.

Ao mesmo tempo, ter uma escuta psicanalítica no consultório e na instituição não significa que se possa proceder sempre da mesma maneira em ambos, justamente porque o contexto admite certas especificidades. Por exemplo, como afirmou Clarissa, as coisas em cena que são presenciadas na instituição convocam para certas intervenções diferentes do mundo representacional que é evocado pelo enquadre analítico tradicional. Ou, também, o fato de estar-se trabalhando em equipe no CAPS pode impor diferenças de trabalho, assunto que trabalharemos mais adiante.

As entrevistadas trouxeram também suas maneiras singulares de distinguir os dois trabalhos: para Yanina, o consultório oferece uma precisão clínica que contribui com o trabalho institucional; para Isabel, é sobretudo o trabalho institucional que contribui com o consultório, especialmente através das riquezas e dificuldades com que se depara no CAPS. Para Clarissa, o CAPS é um lugar que envolve o reconhecimento de parte do analista de que vários discursos estão presentes, dada a complexidade do que se propõe a tratar, enquanto que o trabalho no consultório pauta-se mais exclusivamente pela psicanálise.

Esse tema nos evoca para a discussão sobre o trabalho multidisciplinar no CAPS, já que, se por um lado todas as entrevistadas apontam a psicanálise como uma ferramenta fundamental no trabalho institucional e do qual não deveríamos prescindir, por outro descartam-a como um discurso hegemônico ou dominante sobre os outros saberes.

Como acabamos de ver, Clarissa aponta que o analista na instituição precisa reconhecer que a psicanálise é um dos discursos que está em jogo, e não o único. É necessário articular o trabalho analítico com o da assistência social, terapia ocupacional, psiquiatria e etc., para atender satisfatoriamente à complexidade do trabalho com a psicose.

Para isso, como vimos na entrevista de Isabel, é necessário que o analista tenha uma certa humildade, que lhe permita escutar e articular seu trabalho com os outros discursos. Em sua opinião, a entrada do psicanalista nas instituições ficou marcada por uma certa soberba com relação aos outros saberes, algo que precisaria ser plenamente superado para que ocorra um bom trabalho em equipe. Da mesma maneira, assim como é necessário trabalhar junto a um psiquiatra que possa prescrever a medicação adequada, é preciso que ele “nos escute quando a gente propor um trabalho em conjunto”.

A partir das falas colhidas, pode-se constatar que a formação dos profissionais exerce grande influência na possibilidade ou não de realizar um trabalho conjunto. E isso diz respeito à formação analítica, mas também a qualquer das outras profissões em jogo. Para Yanina, a má formação que prevalece nos profissionais que chegam aos serviços é uma das limitações para o trabalho no CAPS – inclusive exigindo que a equipe oferte uma capacitação aos funcionários recém chegados. Há quase um hiato entre aquilo que o CAPS se propõe a fazer e aquilo que muito dos trabalhadores estão habilitados.

Para Isabel, exceto alguns núcleos acadêmicos de excelência, a formação tende a ir na contramão daquilo que o CAPS propõe como dispositivo. O profissional tende a manejar seu trabalho estritamente dentro do seu próprio referencial, não consegue “pensar estratégias que impliquem, em princípio, na complexidade do campo”, como um “diagnóstico em situação” ou construído interdisciplinarmente.

Clarissa não chega a afirmar explicitamente que há uma defasagem na formação dos profissionais, mas afirma que o trabalho de equipe e institucional ainda constitui um grande desafio no cotidiano dos CAPS, o que nos sugere que é necessário caminhar sim no aprimoramento dos profissionais.

Portanto, parece ser fundamental que as instituições de formação, sejam elas de analistas ou de qualquer outra profissão envolvida, além de garantir o específico da profissão possam contemplar a complexidade do trabalho que é pensado em instituições advindas da reforma psiquiátrica.

Cabe agora retomar algumas idéias já mencionadas neste trabalho, pois não devemos nos esquecer que a proposta complexa e multiprofissional do CAPS possui um sentido bastante fundamentado, não sendo uma mera decisão arbitrária e, por isso, descartável.

Em tempos manicomiais, a psiquiatria foi o saber único designado para tratar a psicose e, como vimos, sua resposta à loucura costumava ficar restrita às internações sucessivas e ao controle medicamentoso. As outras profissões, quando foram adentrando essas instituições, ficaram absolutamente submetidas à decisão e à prescrição do psiquiatra, figura central na condução de todo tratamento.

A carreira do doente mental, cuja construção era francamente agenciada por essas instituições, parecia corresponder ao percurso natural da doença – como se a condição psicótica acarretasse necessariamente na exclusão social, na cronificação, na impossibilidade de construir caminhos existenciais, etc.

Desde as primeiras experiências inovadoras em psiquiatria, a psicose pôde mostrar novas faces, totalmente exóticas àquela presente nas instituições tradicionais. Observa-se que a forma pela qual se escolhe abordar a questão da loucura determina as próprias possibilidades e limites do paciente e que, o modelo psiquiátrico dominante vinha fazendo muito pouco em termos de tratamento, e muito menos na transformação do lugar social da loucura.

Encarando a psicose e suas respectivas instituições como uma temática complexa, e que envolveriam formas de abordagem igualmente complexas, a reforma

psiquiátrica vêm possibilitando um novo lugar social para a loucura. Atua-se em inúmeras frentes, como na modificação de leis, na busca de outros paradigmas, na criação de novos dispositivos, etc. O âmbito clínico-institucional também é problematizado e pensado de novas maneiras, alargando enormemente o olhar sintomatológico (mas sem necessariamente excluí-lo), visando uma problemática maior: a existência.

Focando na questão mais específica da clínica, vimos que as instituições produzidas no âmbito da reforma psiquiátrica trabalham todas nesse paradigma da complexidade: enxergando não só a doença, mas a família, a comunidade, as possibilidades de cada sujeito – para citar alguns elementos –, e repensando permanentemente a própria instituição. No lugar do trato simplificado com a loucura e que pouco oferecia à vida do paciente, protagonizado pelo modelo sintomatológico, opta-se por uma clínica ampliada – pensada na complexa articulação de diferentes olhares.

Portanto, abdicar do olhar complexo e multiprofissional em instituições como o CAPS seria voltar a um olhar unívoco e portanto restrito, para uma questão extremamente complexa e desafiadora que é a de um novo trato com a loucura – em que não existem respostas prontas e onde tudo deve ser pensado e repensado à luz de um compromisso ético-político.

Nesse âmbito, o trabalho em equipe, sem hierarquias gritantes, onde diferentes olhares podem compor um pensamento e uma ação corresponde a um dos eixos fundamentais para realizar o trabalho proposto pelos CAPS. Não à toa, todos os exemplos de equipamentos citados pelas entrevistadas trabalham com essa estratégia, o que nos permite pensá-la como um eixo fundamental do CAPS, mas que simultaneamente constitui-se como um de seus maiores desafios – especialmente frente às dificuldades no âmbito da formação dos profissionais, como pudemos ouvir das entrevistadas.

No início dessa pesquisa, havíamos levantado a seguinte questão à ser investigada: se o trabalho no CAPS exigiria transformações da psicanálise em algum

sentido. Na medida em que as entrevistadas discorreram sobre as diferenças dos settings, em relação ao consultório e a instituição, além das invariâncias do trabalho

psicanalítico, observamos essa questão sendo contemplada; e não podemos deixar de frisar que a principal transformação que se exige dos psicanalistas diz respeito ao trabalho interdisciplinar do CAPS, em que seu saber se articulará com outros.

Através das entrevistas, somadas à literatura que alguns psicanalistas produziram sobre o trabalho no CAPS, não nos resta dúvida de que a psicanálise pode contribuir enormemente no cotidiano do serviço, não precisando ficar “para o lado de fora” dele. No entanto, para que passemos ao exame dessas contribuições com maior rigor, precisamos sublinhar que a psicanálise não está e nem poderia estar acima dos outros discursos em jogo no CAPS; o analista não pode posicionar-se tal como o psiquiatra o fez no modelo tradicional, ou seja, soberano em qualquer decisão que se deva tomar sobre os rumos do serviço e dos tratamentos empreendidos. Em suma, o psicanalista no CAPS deve preservar a ética do saber inacabado, o que o implica na construção necessariamente coletiva do CAPS.

Passemos agora a algumas contribuições advindas da psicanálise, nunca perdendo de vista a ressalva que apontamos sobre o trabalho coletivo e multireferenciado.

Muito se falou sobre os trabalhos grupais que se realizam no CAPS. Seja por excesso de demanda, ou por um estilo de trabalho que se construiu a partir da reforma psiquiátrica, é nítida a opção no CAPS por grupalizar ao invés do trabalho classicamente à dois.

Além da própria equipe do CAPS formar-se como um grupo, tema que discutiremos mais adiante, as oficinas – de ênfase psicoterapêutica ou não – realizam-se também em grupo. Sabemos todos que atender em grupo não significa “atender individualmente junto”; o trabalho distingue-se significativamente do individual e assume características bastante peculiares.

Algumas teorias foram desenvolvidas para assegurar esse trabalho na sua especificidade, desde a gestalt, o psicodrama e, é claro, a psicanálise de grupos. Analistas como Wilfred Bion, René Kaës e Didier Anzieu repensaram alguns conceitos psicanalíticos na experiência grupal, como a transferência, as fantasias, ansiedades, o próprio lugar do analista na terapia, etc. Vale lembrar também de Enrique Pichón- Rivière, psicanalista argentino que a partir de seu trabalho na saúde mental construiu a teoria dos grupos operativos, articulando a psicanálise com contribuições marxistas (Fernandez, 2006).

Em linhas gerais, na psicanálise de grupos privilegia-se o entendimento e a interpretação do grupo como um todo e não de cada indivíduo isoladamente; ao invés da história e do mergulho vertical sobre cada interioridade, como na análise clássica, ocupa-se da dimensão horizontal do inconsciente, que ocorre no aqui e agora do grupo.

A transferência, na dinâmica do grupo, ao invés de condensar-se no analista como no modelo bipessoal, pode cindir-se e investir toda sua positividade em um membro e sua faceta negativa em outro.

Em Pichón, a função do coordenador pode ser a de problematizar os totalitarismos do grupo, sendo este mais operativo quanto mais puder abrigar a heterogeneidade. Articular a dinâmica do grupo com a realização de uma tarefa seria contemplar o analítico e a aprendizagem, fundamental na produção de saúde mental.

A análise institucional também contribui no trabalho dos grupos ao situá-los em dada instituição, pois o grupo não estaria imune aos atravessamentos institucionais, como um “grupo-ilha”. Como mencionou Clarissa, o coordenador de grupo tem “uma escuta que se volta para todo um grupo dentro de uma instituição”.

Todas as entrevistadas mencionaram os trabalhos grupais realizados no CAPS e, se compreendemos que definitivamente atender individualmente ou em grupo não é o mesmo, é necessário que os coordenadores de grupo estejam aparelhados desse referencial. Isabel pode ter sido “porta-voz” – se me permitem empregar um termo de Pichón – ao mencionar que, no seu entendimento, os profissionais de hoje possuem pouca formação em teorias de grupo, um dispositivo importante para ser recuperado.

Outro ponto em que a psicanálise tem a contribuir diz respeito a uma intervenção que não se restringe ao paciente, podendo a própria instituição ser objeto de análise. Como vimos, nos hospitais psiquiátricos tradicionais toda ação terapêutica volta-se exclusivamente para o paciente; a instituição não é entendida como um agente que produz saúde ou adoecimento, a depender da maneira em que se organizar o serviço, idéia que só foi instaurada a partir da psicoterapia institucional.

Lembremos, por exemplo, do Hospital de Saint-Alban, onde os pacientes obtiveram melhoras clínicas significativas após a reconfiguração da instituição, quando – quase ao acaso – ela se tornou espaço de trocas materiais e subjetivas entre pacientes, camponeses e refugiados políticos (Moura, 2003). Frente a esse tipo de constatação, dirá a psicoterapia institucional, deve-se tratar a instituição antes de empreender qualquer tentativa de cura individual (Guattari, 2004).

Na reforma psiquiátrica brasileira, a idéia de que a instituição deve permanentemente pensar a sua prática, de maneira geral, foi incorporada. Todos os CAPS citados por nossas entrevistadas, por exemplo, utilizam estratégias para refletir-

se como equipe e como instituição: contratam supervisão clínico-institucional,

fundamentado na percepção de que os cuidadores também são sujeitos do inconsciente e que, portanto, tropeçam – como bem sintetizou Clarissa –, sendo necessário lidar com esses tropeços. Algumas vezes, uma simples mudança de parte da equipe pode produzir grandes efeitos no tratamento – por exemplo, como mencionou Isabel, as reuniões de família do CAPS que supervisionava eram marcadas pela equipe em horário comercial, e a ausência do pai era interpretada como resistência, e não como um compromisso com o sustento da família; repensar esse simples fato permite dar novos caminhos ao tratamento.

Com isso, estamos abordando outro questionamento que formulamos no início da pesquisa: o uso da psicanálise restringe-se ao trato com o paciente, ou serve ao

entendimento da equipe e da instituição? Certamente, um psicanalista nas instituições

tradicionais estaria autorizado a interpretar o paciente, mas jamais poderia tecer uma compreensão psicanalítica de algo que ocorre na dinâmica da equipe, por exemplo. Já no âmbito do CAPS, pode se pensar que essa mesma dinâmica está influindo diretamente na condução clínica de determinado caso, e se for possível transformá-la, os efeitos sobre o paciente serão importantes.

Dessa maneira, a psicanálise apresenta-se como um importante instrumental para pensar não só no paciente do CAPS – aquele que encarna a desrazão – mas também o inconsciente atravessando outras instâncias que não são problematizadas habitualmente, como a própria equipe cuidadora ou a ambiência da instituição.

Todas as nossas entrevistadas mencionaram a importância dessa auto-análise por parte da equipe. Para Clarissa, é esse exercício analítico que permitirá à equipe a “não cair em certos vícios institucionais”, não entrar no circuito da repetição, como poderia se denominar em psicanálise. Para Yanina, a análise da equipe permite trabalhar os limites com que ela se depara nessa clínica; segundo Isabel, a análise da instituição ajuda a discriminar quando se está fazendo clínica de fato, ou quando a política está atravessando a prática clínica, sem que a equipe possa se dar conta disso.

Portanto, pode-se afirmar que no trabalho do CAPS a psicanálise não se restringe – e nem deveria restringir-se – aos seus dois protagonistas clássicos, o terapeuta e o paciente. Não só é possível, é inclusive fundamental pensá-la em segmentos mais amplos, como uma ferramenta para a equipe pensar suas potências, limites, sintomas, fantasmas, cruzamentos transferenciais, etc. Claro que, nesse alargamento do papel da psicanálise, deve-se levar em conta a questão da política, da gestão do CAPS, pois ela não se dissocia da clínica e do trabalho cotidiano (Moura,

2003); assim, não entendemos a análise institucional como uma mera transposição da psicanálise à instituição desconsiderando todas as peculiaridades que o contexto institucional impõe, sobretudo no âmbito político.

Por fim, trata-se de recolocar a última questão que nos fizemos e identificar se avançamos no seu entendimento. Desejávamos entender, afinal, o que significa ser

psicanalista no CAPS, uma pergunta ampla e complexa mas da qual podemos extrair

aquilo que há de mais importante do trabalho analítico nessas instituições.

Remetendo-nos novamente às entrevistas, devemos destacar que o ofício do analista é entendido na maior parte das vezes como uma clínica da singularidade, ou como escuta da singularidade. Vale sublinhar que singularidade, no nosso entendimento, nada tem a ver com individualidade, pois este conceito remete muito mais à idéia de uno, ao indivisível e independente – e isso se aproxima de uma concepção racionalista de homem.

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