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CAPÍTULO II A CLÍNICA NOS DIFERENTES MODELOS Uma das principais acepções do termo clínica vem do grego clinos, que significa

I. Com a palavra: as entrevistadas

Isabel Marazina é argentina, país onde realizou sua formação analítica e teve suas primeiras incursões em instituições de saúde mental. Como sabemos, a Argentina

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As entrevistas completas estão em anexo. A partir de agora, as citações entre aspas e sem referência a uma obra específica referem-se à fala dos entrevistados, e o leitor interessado poderá explorá-las em seu estado bruto no final da tese.

teve importantes experiências inovadoras em psiquiatria, mas que foram consumidas poucos anos depois pela feroz ditadura militar. Já em São Paulo, com sua bagagem, Isabel foi convidada a supervisionar algumas das primeiras equipes que buscavam implementar um modelo inovador em saúde mental, como alguns Ambulatórios na cidade de São Paulo – que depois se converteram em CAPS -, os NAPS de Santos e os CECCOs. Atualmente, segue realizando o trabalho de supervisão clínico-institucional com algumas equipes de CAPS.

Para tal trabalho, Isabel utiliza a psicanálise como um importante referencial – a entrevistada ressalta conceitos e textos como as obras sociais de Freud, os quatro discursos e a psicanálise em extensão de Lacan -, além da análise institucional. Esta teoria, segundo ela, “ajuda a poder pensar, dentro, inclusive, da própria psicanálise, em momentos em que o saber instituído faz obstáculo à possibilidade de produção de um conhecimento singular, novo”. Nesse sentido, o trabalho de supervisão envolve a dimensão clínica, mas contemplando os inevitáveis atravessamentos políticos que podem prejudicar o trabalho clínico.

A esse respeito, Isabel afirma:

“se você não pode sustentar uma leitura do que é exigido pela instituição, como munícipe, como funcionário, como profissional dentro desse estabelecimento e separa o que são determinante políticas de determinante clínicas, você pode acabar fazendo política no lugar de clínica. Se você não entende que você tem que por uma barreira à demanda, para poder trabalhar e sustentar que o seu trabalho não se rege pelo critério de produtividade burocrático e, sim, pelo critério de produtividade clínica, por exemplo, você vai acabar respondendo à demanda institucional, de maneira cega e sem se dar conta que, dessa maneira, sua clínica fica absolutamente falseada”

Não obstante, Isabel aponta uma dificuldade que acaba fazendo-a privilegiar a supervisão de caso, ou seja, sobre os casos clínicos que a equipe traz, no lugar de uma “supervisão mais abstinente”. Isso porque há “uma dificuldade que é comum a quase todos os lugares, [que] é essa defasagem entre o progressivo do dispositivo e o regressivo da formação”. Em seu ponto de vista, na sua maioria os profissionais não têm uma formação que corresponda ao trabalho que os CAPS se propõem a fazer, salvo em algumas escolas de excelência. Enquanto o CAPS tem uma proposta complexa e inovadora, que é de acompanhar o sujeito, de atender à “singularidade desse sujeito, clínica e socialmente”, os profissionais chegam aos serviços com uma formação atrasada, que corresponde a um modelo tradicional de saúde mental. Dessa maneira, a supervisão acaba precisando cumprir um papel formativo, para diminuir essa

defasagem, e ater-se ao caso clínico é uma estratégia para aproximar o trabalho do profissional e a proposta do equipamento.

Uma das características das pessoas formadas no modelo tradicional seria a de que elas “estão acostumadas a se manejar em seu quadradinho, ou seja, não podem pensar em um diagnóstico interdisciplinar, um diagnóstico em situação. E, portanto, também não podem pensar estratégias que impliquem, em princípio, na complexidade do campo”. A formação, assim sendo, não prepara para o trabalho interdisciplinar, tende a restringir-se totalmente à especificidade da profissão, “em seu quadradinho”. No entendimento de Isabel, “a primeira coisa que temos que pensar é que o campo da saúde mental é um campo sempre multidisciplinar”.

Para a entrevistada, a psicanálise possui um lugar nesse campo multidisciplinar, junto ao espaço de outros saberes. Isso em função da postura clínica em que o psicanalista deve se colocar, que é antes de tudo uma postura de escuta. Para escutar, é necessário despojar-se do saber e, a partir do que se compreende, construir saídas para o sofrimento junto ao paciente; não há propostas prontas, ou de antemão. Nas palavras de Isabel:

“a postura clínica implica uma série de questões. Em princípio, implica você suspender o seu saber, para poder escutar. E, fundamentalmente, certa clínica da escuta, implica para você se deslocar do lugar daquele que sabe e tentar construir, com o paciente, alguma possibilidade de entendimento e de estratégia para lidar com o seu sofrimento. Eu acho que isso é uma postura clínica. O método clínico não propõe, primeiro escuta e, depois, constrói. E reconstrói”.

Além disso, segue a entrevistada, a psicanálise está referida a “uma ética que nos leva a um saber inacabado”, reconhecendo que nunca se sabe tudo, e que portanto os outros saberes tem seu lugar na construção desse conhecimento. Por isso, alerta: deve-se tomar cuidado, pois “não queremos que [a psicanálise] seja uma visão de mundo, não queremos transformá-la em uma ideologia, senão perde potência”. Pois, como ideologia, a psicanálise estaria posicionada muito mais como resposta do que como um saber aberto e inacabado.

Por sua postura clínica de escuta e sua ética, a psicanálise estaria, portanto, convocada a trabalhar na multidisciplinaridade. E segundo Isabel, essa é a maior tarefa: “parece que o desafio da clínica psicanalítica nas instituições é se deixar atravessar também por outros saberes”, o que seria diferente da prática no consultório.

Ser atravessada por outros saberes, porém, sem perder a especificidade da clínica psicanalítica, que é essa clínica da singularidade. Nas suas palavras, temos que “ter claro e certo que há uma clínica da singularidade – isso é a marca da psicanálise – que pode ser implementada em conjunto, formando um campo interdisciplinar, que permita pensar dispositivos que abranjam, em si, uma demanda maior”. No seu entender, essa tensão entre a escuta do singular e a construção do coletivo precisa ser sustentada pelo psicanalista no CAPS.

Nesse âmbito da construção do coletivo com o qual o CAPS se propõe a trabalhar – tanto na interdisciplinaridade da equipe, como nas atividades dos pacientes e na articulação com a comunidade –, a entrevistada aponta que a psicanálise de grupos é um importante recurso a ser utilizado, do qual os trabalhadores andam afastados ultimamente. “Mas não por uma questão de grupalizar para atender mais gente, senão porque o grupo é um lugar privilegiado para você entender [e trabalhar] a demanda social”. Em tempos de uma sociedade individualista e de mercado, o trabalho grupal pode ir na contramão dessa ordem, justamente produzindo laço social. Isabel exemplifica: “se você se propõe a fazer uma articulação com uma escola, a sua capacidade de trabalho se exponencializa quando você trabalha com um grupo de professores, não com um a um”. Portanto, faltaria essa formação mais próxima de um entendimento e manejo grupal para os profissionais em CAPS, segundo a entrevistada, o que novamente remete ao “regressivo da formação” que apontamos.

Outro tema que abordamos na entrevista diz respeito não só à psicanálise na instituição, mas ela própria como instituição. Com relação ao próprio trabalho grupal na psicanálise, por exemplo, Isabel aponta que os analistas sofreram, em grande escala, “a deformação do ideário um por um”, em que o trabalho individual de análise se sobressaiu totalmente em relação ao grupal. Pensar a psicanálise nas instituições hoje envolveria uma prática mais voltada para o coletivo, como vimos acima.

Para a entrevistada, os próprios nomes de Freud e Lacan podem ser entendidos como “homens de seus tempos”, no sentido de que estavam atravessados inevitavelmente pelo tempo histórico em que viviam, o que refletia em suas teorizações: o primeiro, por exemplo, teria uma posição em relação à mulher influenciada por seu contexto e isso precisaria ser repensado atualmente; Lacan, por sua vez, admirou-se pelo estruturalismo de modo a não conseguir sair dessa determinação. Por fim, Isabel afirma que “é importante pensar que esta psicanálise nossa está atravessada também pelo ar dos tempos”, o que a faz pensar que “nós estamos atravessados inevitavelmente pela

instituição psicanalítica”. Mas apesar disso, conclui afinal que “se a gente consegue sustentar essa tensão entre o que nosso instituído psicanalítico nos demanda e o que vem nos desafiar, creio que a nossa clínica pode ser muito mais rica”.

Novos tempos, novas subjetividades – a entrevistada menciona que, na sua prática clínica na atualidade, acaba fazendo muitas intervenções de uma maneira que “era impensável fazer na época de um sujeito freudianamente constituído”.

Para finalizar, vale mencionar algo de Isabel sobre a prática institucional em relação à prática do consultório. No seu entendimento, sua “clínica de consultório tem ganhado enormemente com o [seu] trabalho nas instituições. Não é o contrário”. E isso se justifica pelo aprendizado na dita “construção do coletivo” que se pode protagonizar nas instituições, desde que o analista tenha humildade e não chegue a elas querendo “ser a voz da verdade”, investido de “uma espécie de soberba intelectual e teórica” – algo que seria freqüente nos psicanalistas quando adentram as instituições.

Clarissa Metzger ingressou nos serviços substitutivos de saúde mental através da prática de acompanhamento terapêutico. Como sabemos, o “AT” é um dispositivo que advém justamente com a reforma psiquiátrica, como uma clínica cujo setting é o próprio espaço da cidade. Frequentemente, articulam-se contratos entre acompanhante, acompanhado e uma instituição de referência, como os CAPS, que se favorecem amplamente desse dispositivo como parte do tratamento.

Junto a isso, Clarissa realizava sua formação como psicanalista e atendia em consultório. Há alguns anos, trabalha como contratada em um CAPS, que possui a característica peculiar de ser vinculado a uma instituição acadêmica. Essa especificidade dá a ela o papel de supervisionar equipes de estagiários, além do trabalho habitual de assistência aos pacientes.

A entrevistada aponta que essa função de assistência pode se dar através de um olhar individualizado para o paciente, como em conversas nos espaços de convivência, por exemplo. Mas, a peculiaridade do CAPS está, sobretudo, em realizar um trabalho “calcado no grupal”: grupos terapêuticos de diversas propostas, oficinas, etc. À exceção das situações que exigem um trato individual, busca-se trabalhar o grupo como um todo, de maneira dinâmica e processual – já que, como aponta Clarissa, no CAPS há “um entrecruzamento das atividades em que, às vezes, uma atividade que você fez um dia vai rebater lá, no outro dia”.

A esse respeito das atividades na instituição, Clarissa menciona, por exemplo, um grupo que fundou e coordenou cuja proposta é ler e produzir poesias, em que muitos

dos efeitos acabam aparecendo em outros espaços no decorrer do tempo. A mescla de pacientes do intensivo e semi-intensivo, aliás, seria um dos componentes mobilizadores dessa atividade, segundo a entrevistada.

Dessa forma, a instituição busca acolher os movimentos dos usuários de maneira não-fragmentada, como um processo, para que no cotidiano do CAPS possam sentir-se “os reflexos das atividades, das intervenções, dos acontecimentos”. Por outro lado, a própria oferta de atividades é bastante heterogênea, o que é construído à luz da transferência:

“a proposta é que [o CAPS] tenha [...] grupos muito heterogêneos, justamente pensando que os pacientes se vinculam a coisas totalmente diferentes, que a transferência é fragmentária mesmo e que um paciente vai ter uma transferência especial com um certo grupo e não tanto com outro”

Unidade do trabalho institucional contemplando a fragmentariedade da transferência psicótica, portanto.

O tema colocado da transferência conduziu a entrevista imediatamente ao assunto do lugar da psicanálise no trabalho institucional. Clarissa apontou que não trabalha com a “distinção entre psicanálise e psicanálise aplicada”, como outros analistas fariam. Sua posição é de que:

“psicanálise é uma teoria e, enfim, você faz uso dela para uma série de coisas, para entender acontecimentos da cultura, para o acompanhamento terapêutico, para o atendimento clínico em consultório e, também, para o atendimento e o trabalho institucional”

Dessa forma, não é o setting que determina se se está ou não sendo psicanalista – Clarissa afirma que sua escuta “está aqui e está lá”, ou seja, no consultório e na instituição. No entanto, o setting pode determinar a intervenção que irá ser feita, porque, por exemplo, na instituição “você não tem um contrato de análise com aqueles pacientes”, e por outro lado, nela “as coisas estão muito mais em cena” do que no consultório, em que as intervenções são mais verbais. Portanto, a escuta é a mesma, enquanto que as intervenções têm suas nuances de acordo com o enquadre.

Ao mesmo tempo, a própria referência à psicanálise pode ajudar a optar por certas conduções clínicas e intervenções, e não por outras. O espaço permitido ao delírio, exemplifica Clarissa, é muito distinto quando você o entende como sinal de doença ou como tentativa de cura. Então, “ter essa escuta para as questões mais

delirantes, mais da singularidade”, irá marcar de certa maneira o trabalho psicanalítico nos CAPS.

Outro aspecto no qual a psicanálise contribuiria diz respeito à direção do

tratamento. Clarissa evoca um caso clínico, famoso na literatura da reforma

psiquiátrica, onde a equipe do CAPS mobiliza-se intensamente para arrumar a casa de um paciente que está absolutamente degradada. Após algumas tentativas, conseguem convencer o paciente e arrumar a casa, mas pouco depois ela se encontra novamente na mesma condição. O paciente dizia esperar uma indenização milionária do governo para consertá-la e, enquanto isso não acontecesse, a casa precisava permanecer daquele jeito. Ou seja, aquilo representava um movimento singular daquele sujeito, que era insuportável para a equipe sustentar e imaginar que era possível viver daquela maneira. “Talvez você tenha que aceitar que ele vai continuar vivendo de um jeito que você acha muito difícil”, afirma a entrevistada, e conclui a esse respeito:

“pela via da psicanálise, da sua própria análise e da teoria psicanalítica, acho que você tem sustentação para suportar mais esse tipo de coisa e ter um pouco mais de discernimento no que lhe motiva a fazer certas intervenções”.

Portanto, a psicanálise (seja por qual via, análise pessoal, teoria ou escuta) contribuiria para estabelecer uma direção de tratamento para o paciente na instituição, segundo Clarissa.

Vamos escutá-la agora com relação ao trabalho da própria equipe: como supervisora, Clarissa opta sobretudo pela discussão de caso, através das questões que os estagiários vivem no trabalho e levam à ela – dificuldades, impasses, angústias. Já os grupos são discutidos imediatamente após sua realização, buscando pensar e tornar processual o que acontece, seguindo a idéia que mencionamos antes.

A equipe dos funcionários permanentes já realizou supervisão clínico- institucional anteriormente, mas no seu entendimento, é uma equipe que possui esse recurso de pensar-se em relação ao trabalho, procurando “discutir as situações de equipe, as situações institucionais”, o que ajuda a “não cair em certos vícios institucionais”. Essa postura da equipe está, para Clarissa, perpassada pela própria idéia de inconsciente, afetando não só usuários mas também os próprios cuidadores. Segundo ela, “tem coisas que vão escapar, [por]que o inconsciente tropeça, manca e a gente vai ter que lidar com esse tropeços – e não só dos pacientes, também os nossos. E nem sempre isso é fácil”. Essa característica da equipe, conclui, “colabora para uma postura

menos superegóica, em algum sentido, um pouco mais analítica, na hora em que a gente se depara com as confusões institucionais”.

Clarissa também aborda a questão da multidisciplinaridade, como sendo intrínseca ao trabalho do CAPS. Segundo ela, “o serviço de saúde mental, o CAPS, na verdade, pela própria natureza de funcionamento, aquilo que ele se propõe a fazer, ele precisa ser um lugar de encontro de várias teorias”. Além da psicanálise e a psicoterapia institucional como referenciais, as questões médicas precisam ser contempladas, bem como as da terapia ocupacional, etc. No seu entendimento, o psicanalista precisa estar ciente disso, para fazer do CAPS “um serviço mais permeável a outras influências, para além da psicanálise”.

Finalmente, falamos sobre a relação entre consultório e instituição: para Clarissa, é importante se ter a clareza de que é psicanalista, mas que se está em “um lugar onde a psicanálise é um dos discursos que está em jogo, não é o único”; já no consultório, “o que está em jogo é a psicanálise, mais estritamente”.

Yanina Stasevskas, nossa última entrevistada, nos conta que seu interesse profissional era trabalhar com movimentos sociais, desde a época da faculdade. Desde aquele tempo, a psicanálise apresentou-se para ela como uma importante ferramenta neste trabalho, e seu caminho foi justamente de buscar articulá-la com a esfera política.

Aproximou-se da saúde mental justamente porque, após graduar-se, era o campo onde os trabalhadores estavam sustentando uma posição mais politizada e engajada numa transformação social. Foi engajando-se nos serviços públicos, ao mesmo tempo em que discutia as questões que se impunham no cotidiano junto a um grupo de psicanalistas de formações distintas. Também manteve o trabalho de analista no consultório desde que se formou, pois no seu entendimento isso lhe dava a “oportunidade de ter uma precisão clínica maior”.

Quando o Hospital-Dia em que trabalhava converteu-se em CAPS, a entrevistada foi convocada pela própria equipe para ocupar o cargo de direção, o qual vem exercendo até a atualidade.

Yanina, de início, menciona os debates fervorosos em relação à psicanálise na saúde mental, no momento em que a experiência de Santos se consolidava e os serviços em São Paulo se territorializavam (gestão Erundina). Segundo ela, o pessoal de Santos era “taxativamente contra a psicanálise”, o que constituiu “uma discussão muito rica”, e não uma anulação de uma posição pela outra.

As leituras diferentes vão se compondo na psicanálise, segundo a entrevistada, formando “uma espécie de colcha de retalhos”. Diferentemente das ciências de um modo geral, a psicanálise permite uma leitura subjetiva da teoria, pois ela é apenas um parâmetro entre o analista e o paciente: “a teoria, na psicanálise, é uma coisa muito instrumental”. Dessa maneira, as discussões sobre esse tema, mesmo que venham de posições marcadamente distintas, são produtivas e enriquecedoras para a entrevistada, e a maneira pela qual o discurso psicanalítico se constitui permitiria essas diferentes posições.

Já no trabalho em Hospital-Dia, Yanina estava inserida em uma equipe que procurava trabalhar multidisciplinarmente. Para ela, naquela época “já se tinha um pouco a convicção de que, em assuntos muito complexos, uma intervenção multidisciplinar, de vários profissionais e vários discursos e vários saberes, eram intervenções mais ricas”. Promovia-se “um campo de experiências mais rico para os problemas vividos”. Ela mesma atendia como analista junto com uma psicodramatista e, segundo ela, impunham-se questões do tipo: “como é que a gente podia trabalhar juntos, se os pressupostos, os fundamentos teóricos e filosóficos eram tão diferentes”? No seu entendimento, as diferenças são verdadeiras, mas a aliança é plenamente possível se concorda-se com o projeto do HD como base comum de trabalho.

Outro desafio reconhecido pela entrevistada no trabalho interdisciplinar diz respeito à linguagem utilizada. Seria impossível encontrar uma linguagem comum, mas, na época do HD, utilizava-se muitas vezes o CID-9 (manual classificatório de tradição médica), pois, apesar dos problemas, ele contemplaria a psicodinâmica, algo que teria sido abolido no CID-10.

Quando da criação do CAPS, evidentemente, essa opção de trabalho em equipe não só permaneceu, como se acentuou. Segundo Yanina, a própria definição de clínica, daquilo que seria “o nódulo da clínica dos CAPS”, consiste em que “o dispositivo de intervenção seja a interlocução com vários profissionais e que essa interlocução é diferente e é percebida assim pelo paciente”.

Pois bem, identificamos pelas falas que, dentro das características desse modelo de CAPS, muitas das estratégias utilizadas no tratamento derivam da psicanálise – ou melhor, da articulação entre a psicanálise e os outros saberes. O contrato que se

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