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Título: O impacto do uso das coleiras impregnadas com inseticida na incidência de leishmaniose visceral canina no município de Montes Claros, MG: um estudo de intervenção comunitária.

Resumo

Introdução: A leishmaniose visceral (LV) é uma doença com ampla distribuição mundial. No Brasil, as ações implementadas para o controle da doença enfrentam uma gama de dificuldades que impedem sua execução efetiva tal como recomendado pelo Programa de Vigilância e Controle da LV (PVCLV). Alternativamente às estratégias vigentes, uma série de intervenções têm se mostrado potencialmente efetivas no âmbito da saúde pública Objetivo: avaliar a efetividade do uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% na redução da incidência da leishmaniose visceral canina (LVC) como estratégia de controle da LV Métodos: Foi realizado um ensaio de intervenção comunitária no Município de Montes Claros, estado de Minas Gerais, área de alta de transmissão da doença. Duas estratégias de controle foram alocadas aleatoriamente: (1) medidas preconizadas pelo PVCLV (controle vetorial com uso residual de inseticidas e monitoramento da infecção canina com posterior eliminação dos cães soropositivos) (área controle) e (2) uso de coleiras em combinação com as medidas preconizadas pelo PVCLV) (área de intervenção). Foram utilizados modelos de regressão logística multinível para testar o efeito das coleiras no risco de infecção canina, tendo os domicílios como unidades de segundo nível (clusters). Resultados: na área onde houve intervenção, a prevalência de infecção caiu gradativamente, saindo de 9,7% no inquérito inicial, alcançando 2,8% no último ciclo. A análise multivariada mostrou que estar na área de intervenção (OR=0,49, IC 95% 0,39-0,62) foi fator de proteção para o risco de infecção canina. Para cada cão a mais no domicílio, o risco de infecção aumentou cerca de 9% (OR=1,09, IC 95% 1,06-1,12). Conclusão: Pôde-se concluir que a utilização das coleiras no âmbito populacional se mostrou efetiva, todavia, há que se considerar questões fundamentais para sua implementação, como renovação canina e substituição dos dispositivos perdidos. Isto posto, é recomendado que se produzam estudos que avaliem a eficiência desta intervenção, a relação custo-efetividade de seu uso como medida de controle, para que então se tenham subsídios suficientes para sua adoção pelo PVCLV.

Introdução

A leishmaniose visceral (LV) é uma doença com ampla distribuição mundial, com registro de casos principalmente nas regiões Mediterrânea, Américas Central e do Sul, Ásia Central, Oriente Médio, Leste da África e Subcontinente Indiano. Contudo, aproximadamente 90% dos cerca de 200 a 400 mil casos anuais ocorrem em apenas seis países: Índia, Bangladesh, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Brasil (ALVAR et al., 2012;WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010).

No Brasil, a LV é uma doença zoonótica transmitida por flebotomíneos do gênero Lutzomyia, em particular Lutzomyia longipalpis, tendo animais silvestres e domésticos como reservatórios, sendo o cão o reservatório de maior importância epidemiológica em ambiente urbano (QUINNELL & COURTENAY, 2009; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010). Outros potenciais reservatórios como a raposa e o gambá parecem não contribuir significativamente para a manutenção da transmissão para humanos, já que não são encontrados em abundância no meio urbano e não tem alto grau de domiciliação (DIETZE ET AL, 1997).

As medidas de controle atualmente adotadas para limitar a expansão da doença no território nacional não tem se mostrado bem sucedidas (ROMERO & BOELAERT, 2010). Um dos obstáculos para a efetividade das ações de vigilância e controle da doença é a descentralização dessas atividades para o nível municipal, que esbarra muitas vezes em infra-estrutura insuficiente frente às necessidades para o enfrentamento de um agravo com ciclo de transmissão muito complexo (NASCIMENTO et al., 2008). As ações de controle da LV a cargo dos municípios, em particular o controle de vetores e a eutanásia de cães infectados, enfrentam uma gama de dificuldades que impedem sua execução efetiva tal como recomendada pelo Programa de Vigilância e Controle da LV (PVCLV) do Ministério da Saúde (ZUBEN & DONALISIO, 2016).

O processo de urbanização da LV é ancorado em ambientes propícios à manutenção da transmissão, onde populações de reservatórios e vetores interagem com indivíduos susceptíveis vivendo em condições de vulnerabilidade social, tornando seu controle um desafio (DINIZ ET AL, 2008). Neste contexto, novas abordagens com a finalidade de aprimorar as ações de vigilância e controle da doença são necessárias (BARBOSA ET AL, 2015; OLIVEIRA ET AL, 2008; DRUMOND & LIMA, 2011; HOLCMAN, 2013).

Alternativamente às estratégias de controle vetorial e eutanásia canina, uma série de intervenções têm se mostrado potencialmente efetivas no âmbito da saúde pública, por

exemplo, o uso de inseticidas tópicos para cães. Essas formulações apresentaram bons resultados em função de sua atividade residual contra Lutzomyia longipalpis e baixo custo (COURTENAY, 2009). Outra estratégia promissora é o uso de coleiras impregnadas com deltametrina, cuja implementação poderia ser vantajosa em locais de alta transmissão e onde os cães domésticos são o principal reservatório. Ademais, sua aceitabilidade pela população tende a ser consideravelmente maior em áreas nas quais se tem como estratégia de controle prioritária a controversa eutanásia de cães soropositivos (DAVIES et al., 2002; DAVID et al, 2001; MAROLI et al., 2001).

Com o objetivo de avaliar a efetividade do uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% na redução da incidência da leishmaniose visceral canina (LVC) como estratégia de controle da LV, foi realizado um ensaio de intervenção comunitária no Município de Montes Claros, estado de Minas Gerais, área de alta de transmissão da doença.

Métodos

Área de estudo

O município de Montes Claros, com população de 361.915 habitantes e área de 3.568,941 km2, está ao norte do Estado de Minas Gerais, a 422 km da capital, Belo Horizonte (IBGE, 2010). A região apresenta clima quente e seco, onde predomina o cerrado caducifólio, cerrado sub-caducifólio, com ligeiras ocorrências de cerrado superemifólio, além da caatinga. A economia é baseada principalmente na pecuária de corte e leite, seguido pela agricultura, com destaque para o feijão, milho, mandioca, algodão e arroz irrigado (PREFEITURA DE MONTES CLAROS, 2013). O valor médio do rendimento mensal domiciliar per capita é de R$ 568,00 (IBGE, 2010).

A população de Montes Claros cresceu cerca de 370% entre 1950 e 2005, sendo o pico de crescimento entre 1950 e 1960, período marcado pelo início das atividades industriais no município (PREFEITURA DE MONTES CLAROS, 2015). Atualmente, aproximadamente 95% da população de Montes Claros é urbana (IBGE, 2010). O município se configura como uma área endêmica para LV, com parcela considerável da população vivendo em habitações inadequadas com insuficiente infra-estrutura sanitária deficiente e em situação socioeconômica precária (OLIVEIRA-CAMPOS et al., 2011; MONTEIRO et al., 2005).

A cidade compartilha com outros municípios do país o processo de expansão e urbanização da doença, além das dificuldades na implementação das estratégias de controle

(PRADO et al., 2011; FRANÇA-SILVA et al., 2003). Foram registrados de 2007 a 2013, entre os residentes do município, 154 casos de LV (BRASIL, 2015). Somente em 2013 foram quase 50 casos de LV, colocando a cidade na 12ª posição entre as cidades brasileiras com maior número de casos humanos (BRASIL, 2015).

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo de intervenção comunitária em que o efeito do uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% na prevalência da LVC foi avaliada mediante a comparação entre duas áreas do município com características socioeconômicas e ambientais similares. Estas áreas foram alocadas aleatoriamente para duas estratégias de controle: (1) medidas preconizadas pelo PVCLV (controle vetorial com uso residual de inseticidas e monitoramento da infecção canina com posterior eliminação dos cães soropositivos) (área controle) e (2) uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% em combinação com as medidas preconizadas pelo PVCLV) (área de intervenção). Ambas as áreas contavam com aproximadamente 30.000 habitantes e 6.000 cães. A área de intervenção englobava 13 bairros com registro de 10 casos de LV no triênio 2009-2011. A área controle era composta por 8 bairros com registro de 12 casos de LV nos anos de 2009 a 2011.

Ao início do estudo foi realizado, em ambas as áreas, um inquérito censitário entre cães domiciliados para detecção da prevalência de LVC, desta forma, não foram incluídos os domicílios sem cães. Foram planejados inquéritos censitários para o monitoramento da infecção canina em três ciclos subseqüentes ao primeiro inquérito, aos 6, 12 e 18 meses, acompanhados de remoção dos cães infectados, conforme preconizado pelo PVCLV. Entretanto, devido a problemas operacionais na distribuição das coleiras, esse cronograma não pôde ser cumprido, o que gerou o atraso no segundo ciclo, que só foi iniciado um ano após o inquérito inicial. Sendo assim, o monitoramento da infecção canina por meio de inquéritos censitários ocorreu aos 12, 18 e 24 meses após o inquérito inicial.

Na área de intervenção, colares impregnados com deltametrina 4% foram disponibilizados para serem colocados em todos os cães que participaram do inquérito inicial e dos inquéritos subseqüentes. Na área de intervenção, a cada ciclo as coleiras eram substituídas, não havendo substituição entre os ciclos. A empresa fabricante das coleiras realizou treinamento específico das equipes do estudo para realizarem o encoleiramento.

Aferição e coleta

No momento do primeiro inquérito, concomitante à coleta de sangue, foi preenchida uma ficha referente ao cão informando suas características gerais como sexo, idade, raça e tempo de residência do cão no domicílio. Nos inquéritos subseqüentes foram preenchidas fichas com informação sobre se o proprietário aceitou participar da pesquisa e se o animal encontrava-se encoleirado no momento da visita, caso o mesmo pertencesse à área de intervenção.

Profissionais treinados e sob supervisão de médico-veterinário foram às casas e, ao identificarem um cão, pediam autorização ao proprietário para sua participação na pesquisa e providenciavam a retirada de sangue por venopunção. Para a realização dos testes sorológicos, foram coletados cerca de 2 mL de sangue, sem anticoagulante, por punção da veia cefálica ou jugular. As amostras foram transportadas do campo para o laboratório sob refrigeração e o soro foi separado por centrifugação e conservado a -20ºC até o momento da realização dos testes sorológicos.

Para o rastreamento de infecção por Leishmania infantum, foi empregado o ensaio imunocromatográfico Dual-Path Platform (DPP®) (Bio-Manguinhos/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil). Para confirmação de positividade para infecção por L. infantum, foi empregado o teste ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay), realizado de acordo com as recomendações do fabricante. Portanto, o cão era considerado infectado mediante um resultado positivo de DPP, seguido de ELISA reativo.

Segundo as recomendações do PCVLV, os animais infectados devem ser recolhidos e enviados para eutanásia, realizada pelo veterinário responsável do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do município, segundo as normas éticas preconizadas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária. Os procedimentos para realização de exames sorológicos caninos e para o recolhimento dos cães soropositivos foram feitos de acordo com a rotina do CCZ do município, o que incluiu o uso de equipamentos de proteção individual, como luvas, e focinheiras para os cães. Nos casos em que o proprietário do animal infectado se recusava a entregá-lo para eutanásia, o cão não era excluído do estudo, podendo ser encoleirado (se pertencesse à área de intervenção) e participar dos inquéritos subseqüentes.

Os proprietários foram instruídos a identificar reações alérgicas na região do pescoço que poderiam ocorrer após a colocação da coleira. Essas reações são caracterizadas, principalmente, por prurido (coceira) e inflamação (irritação) na região. Quando observadas, os proprietários tinham informação para entrar em contato imediato por telefone gratuito com

a central de atendimento ao consumidor da empresa responsável pelo produto para acesso a orientações por médico veterinário. Na eventualidade de suspeita de reação alérgica o médico veterinário poderia indicar a retirada da coleira e, caso fosse necessário, auxiliar em outros procedimentos. A ocorrência de reações alérgicas foi rara, sendo que nenhuma reação grave foi observada.

As visitas aos domicílios no primeiro ciclo foram realizadas entre setembro e dezembro de 2012 na área controle e entre julho e dezembro de 2012, na área sob intervenção. No segundo ciclo, as visitas ocorreram entre setembro e dezembro de 2013, na área controle, e entre agosto e novembro de 2013 na área de intervenção. No terceiro ciclo, entre março e junho de 2014, na área controle, e entre fevereiro e maio de 2014, na área de intervenção. Finalmente, no quarto ciclo, as visitas ocorreram entre novembro de 2014 e janeiro de 2015 na área conttrole, e entre agosto e dezembro de 2014, na área intervenção. Para fins de análise dos dados, considerou-se que o cão participou de um determinado ciclo quando, além da visita, houve também coleta de amostra de sangue para a sorologia.

Análise dos dados

Inicialmente foram estimadas incidências acumuladas de infecção em 30 meses, riscos relativos brutos de infecção (RR) e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC 95%) para cada variável explicativa.

Foram utilizados modelos de regressão logística multinível para testar o efeito das coleiras no risco de infecção canina, tendo os domicílios como unidades de segundo nível (clusters). Para avaliar quanto da variabilidade do desfecho poderia ser atribuída a diferenças entre domicílios utilizou-se o coeficiente de partição da variância obtido por meio de regressão logística multinível contendo apenas a variável desfecho (modelo vazio). Na análise multivariada, optou-se por ajustar o efeito das coleiras na incidência de infecção por todas as variáveis potencialmente confundidoras (sexo, idade do cão, raça, tipo de pêlo, número de cães por domicílio e ciclo de entrada no estudo) independentemente de qualquer critério estatístico.

A análise estatística foi realizada utilizando-se Stata SE, versão 12.0 (STATA Corp., College Station, TX).

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Fundação Oswaldo Cruz (Licença LW-70/12) e considerado isento de necessidade de avaliação ética para estudos em humanos pelo Comitê de Revisão Ética da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) (Referência PAHO-2012-11-0024). O protocolo do estudo previu que ao final do estudo, no último ciclo de visitas, todos os cães, inclusive os da área controle, receberiam a coleira.

Resultados

As áreas sob estudo apresentaram a mesma prevalência de infecção antes do início da intervenção, no inquérito inicial (p=0.632).

A Tabela 1 mostra a evolução das prevalências de infecção canina por L. infantum ao longo dos ciclos e em cada área de intervenção. Pode-se perceber que na área onde houve intervenção, a prevalência de infecção caiu gradativamente, alcançando 2,8% no último ciclo. Já na área controle, verificou-se uma queda do primeiro para o segundo ciclo, do segundo para o terceiro, e um aumento do terceiro para o quarto, com o valor da prevalência superando o encontrado no segundo ciclo.

Tabela 1 – Prevalência de infecção por ciclo e área de intervenção, município de Montes Claros-MG, Brasil, 2012 – 2015.

Ciclo Área intervenção Área controle

N P (%) N P (%)

Ciclo 1 4.251 9,7 3.164 10,1 Ciclo 2 4.676 5,5 3.627 6,7 Ciclo 3 4.603 2,9 3.469 5,4 Ciclo 4 4.467 2,8 3.366 6,9

A tabela 2 mostra que, na área sob intervenção, dos 910 cães com informação de infecção em algum dos ciclos, 81,5% foram recolhidos para eutanásia. Enquanto que na área controle esse percentual foi de 72,8%.

Tabela 2 – Percentual de recolhimento de cães soropositivos para L. infantum segundo área de intervenção, município de Montes Claros-MG, Brasil, 2012 – 2015.

Área Cães positivos Recolhidos (%) Intervenção 910 81,8 Controle 969 72,8

Em relação à perda de coleiras entre visitas subseqüentes, nota-se que este percentual caiu à medida que o cão estava há mais tempo no estudo. Dos 4.399 cães encoleirados ao entrarem na pesquisa, 54,1% já não mais estavam encoleirados à ocasião de sua segunda visita. Daqueles que receberam coleira na segunda visita, cerca de 40% não a portavam mais na terceira visita. Menos de 36% a perderam entre a 3ª e 4ª visitas (Tabela 3).

Tabela 3 – Proporção de coleiras perdidas entre visitas subsequentes, município de Montes Claros-MG, Brasil, 2012 – 2015.

Intervalo N %

1º - 2º visita 4399 54,1 2º - 3º visita 2491 40,4 3º - 4º visita 1313 35,7

No grupo controle, identificou-se maior presença de animais de raça pura (p<0.001) e maior valor médio de cães por domicílio (p<0.001). Na área onde houve encoleiramento, evidenciou-se, um predomínio maior de cães de pêlo curto (p<0.001) e de cães com menos de um ano na residência (p<0.001) (Tabela 4).

Tabela 4 – Características dos cães por área de intervenção, município de Montes Claros-MG, Brasil, 2012 – 2015.

Variável Intervenção Controle p-valor Sexo (%) Fêmea 57,9 58,3 0.726 Macho 42,1 41,7 Raça pura (%) Não 62,4 52,9 <0.001 Sim 37,6 47,1 Pêlo (%) Longo 26,9 31,7 <0.001 Curto 73,1 68,3 Tempo na residência (%) Até 1 ano 38,6 26,9 <0.001 De 1 a 2 anos 20,1 27,3 Mais de 2 anos 41,3 45,9

Média da idade em anos

(DP) 2,9 (2,8) 3,1 (3,0) 0.125

Média de cães/domicílio

(DP) 1,9 (1,4) 2,3 (1,9) <0.001

Para 8.269 cães, dos 17.409 que passaram pelo estudo, foi possível calcular a incidência acumulada de infecção por Leishmania infantum, uma vez que esses animais participaram de pelo menos dois ciclos com resultados dos exames diagnósticos.

A análise univariada mostrou associação entre o risco de infecção e tipo de área de intervenção. Na área onde houve o encoleiramento, o risco de LVC foi 50% menor quando comparado à área controle. Além disso, outros fatores se mostraram associados ao desfecho, foram eles: ser macho e ser cão sem raça definida, ter pêlo curto e a presença de mais de um cão no domicílio (Tabela 5).

Tabela 5 – Incidência de infecção (I) por L. infantum e o Risco Relativo (RR) bruto e seu intervalo de confiança de 95% (IC 95%) para associação entre a leishmaniose visceral canina e determinadas características do cão, município de Montes Claros, Brasil, 2012 – 2015.

Variável N I (%) RR (IC 95%) Área Controle 3527 7,8 1.0 Intervenção 4742 3,9 0.50 (0.42-0.60) Sexo Fêmea 4802 5,1 1.0 Macho 3467 6,3 1.23 (1.03-1.47) Raça pura Não 4823 6,1 1.0 Sim 3446 4,8 0.79 (0.65-0.95) Pêlo Longo 2391 4,2 1.0 Curto 5871 6,1 1.44 (1.16-1.79) Tempo na residência Até 1 ano 2776 5,7 1.0 De 1 a 2 anos 1915 5,7 1.00 (0.79-1.26) Mais de 2 anos 3576 5,3 0.93 (0.76-1.14) Entrada no estudo Ciclo 1 4520 6,0 1.0 Ciclo 2 2479 5,0 0.83 (0.67-1.02) Ciclo 3 1270 5,1 0.85 (0.65-1.11) Número de cães no domicílio 1 cão 1989 3,6 1.0 ≥ 2 cães 6280 6,2 1.73 (1.35-2.22)

No modelo multinível contendo apenas a variável resposta (modelo vazio), o coeficiente de partição da variância indicou que 31% da variação na incidência pôde ser atribuída à variabilidade entre os domicílios. O modelo final mostrou que estar na área de intervenção (OR=0,49, IC 95% 0,39-0,62) e ser um animal de raça definida (OR=0,77, IC 95% 0,62-0,96) foram fatores de proteção para o risco de infecção canina. Por outro lado, cães

machos (OR=1.33, IC 95% 1,08-1,64) e de pêlo curto (OR=1.52 IC 95% 1,18-1,96) apresentaram maior risco de infecção. Para cada cão a mais no domicílio, o risco de infecção aumentou cerca de 9% (OR=1,09, IC 95% 1,06-1,12). Os cães que entraram no ciclo 2 apresentaram risco 28% menor do que aqueles que entraram no inquérito inicial (Tabela 6).

Tabela 6 – Modelo multivariado – Odds Ratio (OR) ajustado e seu respectivo intervalo de confiança (IC 95%) e p-valor para associação entre infecção canina e as variáveis selecionadas, município de Montes Claros, Brasil, 2012 – 2015.

Variável OR IC 95% p-valor Área Controle 1.0 < 0.001 Intervenção 0,49 0,39 - 0,62 Sexo Fêmea 1.0 0.007 Macho 1,33 1,08 - 1,64 Raça definida Não 1.0 0.024 Sim 0,77 0,62 - 0,96 Pêlo Longo 1.0 0.001 Curto 1,52 1,18 - 1,96 Nº de cães/domicílio 1,09 1,06 - 1,12 < 0.001 Entrada no estudo Ciclo 1 1.0 Ciclo 2 0,72 0,56 - 0,92 0.009 Ciclo 3 0,77 0,56 - 1,05 0.104 Discussão

O modelo multivariado mostrou que os cães machos, sem raça definida, de pêlo curto, que conviviam com outro cão e que entraram no primeiro ciclo apresentaram maior risco de infecção. Em revisão sistemática sobre os fatores associados à infecção canina por L.

entre sexo e infecção, a probabilidade de positividade do teste ELISA foi maior entre os cães machos, contudo, essa associação não se mostrou significante (BELO et al., 2013). Em relação ao comprimento do pêlo, outros estudos também identificaram que há associação entre infecção canina e pêlo curto (BELO et al., 2013; OLIVEIRA et al., 2010; JULIÃO et al., 2007). Diferentemente do que fora encontrado por Belo et al. (2013), foi visto que os cães com raça definida apresentaram menor risco de infecção. Uma explicação plausível seria o fato destes cães serem majoritariamente animais de pequeno porte (mais de 70%), o que poderia significar que são animais criados dentro de casa, com menor acesso às áreas externas e à rua, ou seja, animais menos expostos ao vetor.

BELO et al., (2013) também apontam o aumento da probabilidade de infecção em domicílios com mais de um cão. Brito et al. (2016) mostraram que cães em contato com outros animais apresentaram uma probabilidade cerca de quatro vezes maior de serem soropositivos, quando comparados àqueles sem contato. Com relação à entrada do cão no estudo, o maior risco de infecção para os animais com participação desde o primeiro ciclo já era esperado, na medida que seu tempo de seguimento, em geral, foi maior.

Pesquisas têm demonstrado a eficácia das coleiras impregnadas com deltametrina 4% ao impedir que a fêmea do vetor se alimente no cão e ao causar a morte do flebotomíneo. Em estudo experimental, Killick-Kendrick et al. (1997) identificaram que a coleira protegeu os cães de 96% das picadas de flebotomíneos a eles expostos e que mais de 70% das fêmeas do vetor, em um período de duas horas de exposição, se alimentaram do sangue dos cães do grupo controle, valor bastante superior aos 13% identificados no grupo de intervenção. A proporção geral de morte dos flebotomíneos foi menor que 16% entre os cães do grupo controle e maior que 45% entre os encoleirados. O autor identificou um pequeno intervalo de

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