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Título: Avaliação da efetividade do uso das coleiras impregnadas com inseticida na redução da prevalência da leishmaniose visceral no município de Montes Claros, MG.

Resumo

Introdução: A Leishmaniose visceral (LV) canina e leishmaniose visceral humana, no Brasil, são causadas por protozoários da espécie Leishmania infantum, que são transmitidos, principalmente, pelo flebotomíneo da espécie Lutzomyia longipalpis. A LV está intimamente relacionada às más condições de moradia, baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico. Dada a complexidade da doença, especialmente em áreas urbanas, seu controle se configura como algo de dificil enfrentamento. Objetivo: Avaliar a efetividade do uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% como estratégia de controle da doença, adicionalmente às medidas preconizadas pelo PVCLV. Neste artigo descreve-se a efetividade das coleiras na redução das prevalências de leishmaniose visceral canina (LVC), avaliada em quatro inquéritos sequencias. Métodos: áreas foram alocadas aleatoriamente sob duas estratégias de controle: (1) medidas preconizadas pelo Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral (PVCLV) (controle vetorial com uso residual de inseticidas e monitoramento da infecção canina com posterior eliminação dos cães soropositivos) (área controle) e (2) uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% em combinação com as medidas preconizadas pelo PVCLV (área de intervenção). Para a análise do efeito do encoleiramento nas prevalências de infecção canina, foram utilizados modelos de regressão logísticacom efeitos aleatórios considerando as medidas repetidas de prevalência de infecção em cada cão ao longo dos 4 inquéritos sequenciais (ciclos). Resultados: As áreas com encoleiramento tiveram uma redução de 37% e 45% na prevalência de infecção canina nos ciclos 3 e 4, respectivamente, em comparação às áreas controle, ajustando para diferenças nas prevalências da infecção nos bairros no ciclo 1. Conclusão: O estudo identificou que as coleiras impregnadas com inseticida, de fato, foram capazes de reduzir a prevalência de infecção canina na área submetida à intervenção. O mecanismo de transmissão da LV em meio urbano é tão complexo que outros estudos são necessários para compreender melhor as características do ciclo de transmissão da leishmaniose em Montes Claros, uma vez que esse diagnóstico é fundamental para que um planejamento mais específico seja feito e, assim, as ações de controle sejam as mais apropriadas possíveis.

Introdução

A Leishmaniose visceral (LV) canina e leishmaniose visceral humana, no Brasil, são causadas por protozoários da espécie Leishmania infantum, que são transmitidos, principalmente, pelos flebotomíneos das espécies Lutzomyia cruzi e Lutzomyia longipalpis, sendo esta última mais importante sob o ponto de vista epidemiológico (BRASIL, 2006; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010; SARAIVA et al., 2011). Originalmente, L.

Longipalpis, nas regiões Norte e Nordeste, era encontrada nas matas, participando do ciclo

silvestre de transmissão da doença. Gradualmente esse inseto foi se adaptando e, no fim dos anos 80, observou-se sua adaptação ao ambiente urbano, particularmente na periferia das grandes cidades. Esse processo adaptativo pode ser constatado em várias áreas urbanas de cidades endêmicas (BARATA ET AL, 2005).

No ambiente urbano, o cão é o reservatório mais importante do parasito (BRASIL, 2006) e a LV canina é o principal fator de risco para a LV em humanos, havendo uma correlação espacial e temporal entre ambas, uma vez que a alta soroprevalência canina em uma determinada localidade precede os casos no homem (ZOGHLAMI, et al., 2014; COSTA, 2011; SOARES et al., 2010).

A LV está intimamente relacionada às más condições de moradia, baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico (LOPEZ et al., 2016). A pobreza é um fator de risco de difícil enfrentamento, daí a necessidade de melhorias na infraestrutura sanitária e nas condições de habitação da população com o objetivo de amenizar o risco de infecção em áreas onde há transmissão (HARHAY et al., 2011).

Atualmente, para o controle de doenças vetoriais no país, é preconizado que se considerem três aspectos: a urbanização da população, a transformação do caráter eminentemente rural dessas doenças, de maneira concomitante com a transmissão urbana ou peri-urbana, e a descentralização das atividades do seu controle para os municípios (TAUIL, 2006). Dada a complexidade da doença, especialmente em áreas urbanas, é fundamental que o controle da LV seja pautado na integração entre gestores e a população em geral, além de ter como base a educação em saúde, controle vetorial e gestão ambiental (SEVÁ et al., 2016).

As medidas de controle vigentes não tem se mostrado bem sucedidas, possivelmente pelo desafio que é implementá-las em áreas urbanas, pela resistência da população a elas, especialmente no que se refere à eutanásia canina, e por não ocorrerem de maneira contínua, sofrendo frequentes interrupções ocasionadas por obstáculos, no nível municipal, de cunho financeiro e logístico, além da falta de infraestrutura (WERNECK, 2016; MENON et al.,

2016; ZUBEN & DONALISIO, 2016; CAMARGO-NEVES et al., 2004). Sendo assim, é preciso que haja uma reformulação dessas recomendações e que essas mudanças sejam pautadas em evidências científicas (COSTA, 2011). Além disso, é fundamental o monitoramento dos casos humanos, do reservatório e do vetor para que as ações implementadas pelo município sejam realizadas de maneira orientada (MENON et al., 2016) .

Uma alternativa em potencial, que poderá no futuro ser adotada pelo Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral (PVCLV), do Ministério da Saúde, é a coleira impregnada com deltametrina 4% (COSTA, 2011), dispositivo este que já se mostrou eficaz (KILLICK-KENDRICK, 1997).

Isto posto, foi conduzido um ensaio de intervenção comunitária no Município de Montes Claros, estado de Minas Gerais, área de alta de transmissão da doença, cujo objetivo foi avaliar a efetividade do uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% como estratégia de controle da doença, adicionalmente às medidas preconizadas pelo PVCLV. Neste artigo descreve-se a efetividade das coleiras na redução das prevalências de leishmaniose visceral canina (LVC), avaliada em quatro inquéritos sequencias.

Métodos

Área de estudo

O município de Montes Claros, com população de 361.915 habitantes e área de 3.568,941 km2, está ao norte do Estado de Minas Gerais, a 422 km da capital, Belo Horizonte (IBGE, 2010). A região apresenta clima quente e seco, onde predomina o cerrado caducifólio, cerrado sub-caducifólio, com ligeiras ocorrências de cerrado superemifólio, além da caatinga. A economia é baseada principalmente na pecuária de corte e leite, seguido pela agricultura, com destaque para o feijão, milho, mandioca, algodão e arroz irrigado (PREFEITURA DE MONTES CLAROS, 2013). O valor médio do rendimento mensal domiciliar per capita é de R$ 568,00 (IBGE, 2010).

A população de Montes Claros cresceu cerca de 370% entre 1950 e 2005, sendo o pico de crescimento entre 1950 e 1960, período marcado pelo início das atividades industriais no município (PREFEITURA DE MONTES CLAROS, 2015). Atualmente, aproximadamente 95% da população de Montes Claros é urbana (IBGE, 2010). O município se configura como uma área endêmica para LV, com parcela considerável vivendo em habitações inadequadas

com insuficiente infra-estrutura sanitária deficiente e em situação socioeconômica precária (OLIVEIRA-CAMPOS et al., 2011; MONTEIRO et al., 2005).

A cidade compartilha com outros municípios do país o processo de expansão e urbanização da doença, além das dificuldades na implementação das estratégias de controle (PRADO et al., 2011; FRANÇA-SILVA et al., 2003). Foram registrados de 2007 a 2013, entre os residentes do município, 154 casos de LV (BRASIL, 2015). Somente em 2013 foram quase 50 casos de LV, colocando a cidade na 12ª posição entre as cidades brasileiras com maior número de casos humanos (BRASIL, 2015). Monteiro et al. (2005) alerta que a LV canina está distribuída de maneira bem abrangente no município de Montes Claros.

Delineamento do estudo

O efeito do uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% na prevalência da LVC foi avaliada mediante a comparação entre duas áreas do município com características socioeconômicas e ambientais similares. Estas áreas foram alocadas aleatoriamente sob duas estratégias de controle: (1) medidas preconizadas pelo PVCLV (controle vetorial com uso residual de inseticidas e monitoramento da infecção canina com posterior eliminação dos cães soropositivos) (área controle) e (2) uso de coleiras impregnadas com deltametrina 4% em combinação com as medidas preconizadas pelo PVCLV) (área de intervenção). Ambas as áreas contavam com aproximadamente 30.000 habitantes e 6.000 cães. A área de intervenção englobava 13 bairros com registro de 10 casos de LV no triênio 2009-2011. A área controle era composta por 8 bairros com registro de 12 casos de LV nos anos de 2009 a 2011.

Ao início do estudo foi realizado, em ambas as áreas, um inquérito censitário entre cães domiciliados para detecção da prevalência de LVC, desta forma, não foram incluídos os domicílios sem cães. Foram planejados inquéritos censitários para o monitoramento da infecção canina em três ciclos subseqüentes ao primeiro inquérito, aos 6, 12 e 18 meses, acompanhados de remoção dos cães infectados, conforme preconizado pelo PVCLV. Entretanto, devido a problemas operacionais na distribuição das coleiras, esse cronograma não pôde ser cumprido, o que gerou o atraso no segundo ciclo, que só foi iniciado um ano após o inquérito inicial. Sendo assim, o monitoramento da infecção canina ocorreu por meio de inquéritos censitários aos 12, 18 e 24 meses após o inquérito inicial.

Na área de intervenção, colares impregnados com deltametrina 4% foram disponibilizados para serem colocados em todos os cães que participaram do inquérito inicial e dos inquéritos subseqüentes. Na área de intervenção, a cada ciclo as coleiras eram

substituídas, não havendo substituição entre os ciclos. A empresa fabricante das coleiras realizou treinamento específico das equipes do estudo para realizarem o encoleiramento.

Aferição e coleta

No momento do primeiro inquérito, concomitante à coleta de sangue, foi preenchida uma ficha referente ao cão informando suas características gerais como sexo, idade, raça e tempo de residência do cão no domicílio. Nos inquéritos subseqüentes foram preenchidas fichas com informação sobre se o proprietário aceitou participar da pesquisa e se o animal encontrava-se encoleirado no momento da visita, caso o mesmo pertencesse à área de intervenção.

Profissionais treinados e sob supervisão de médico-veterinário foram às casas e, ao identificarem um cão, pediam autorização ao proprietário para sua participação no projeto e providenciavam a retirada de sangue por venopunção. Para a realização dos testes sorológicos, foram coletados cerca de 2 mL de sangue, sem anticoagulante, por punção da veia cefálica ou jugular. As amostras foram transportadas do campo para o laboratório sob refrigeração e o soro foi separado por centrifugação e conservado a -20ºC até o momento da realização dos testes sorológicos.

Para o rastreamento de infecção por L. infantum, foi empregado o ensaio imunocromatográfico Dual-Path Platform (DPP®) (Bio-Manguinhos/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil). Para confirmação de positividade para infecção por L. infantum, foi empregado em amostras de soro o teste ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay), que foi realizado de acordo com as recomendações do fabricante. Portanto, o cão era considerado infectado mediante um resultado positivo de DPP, seguido de ELISA reativo.

Os animais infectados foram recolhidos e enviados para eutanásia, realizada pelo veterinário responsável do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do município, segundo as normas éticas preconizadas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária. Os procedimentos para realização de exames sorológicos caninos e para o recolhimento dos cães soropositivos foram feitos de acordo com a rotina do CCZ do município, o que incluiu o uso de equipamentos de proteção individual, como luvas, e focinheiras para os cães. Nos casos em que o proprietário do animal infectado se recusava a entregá-lo para eutanásia, o cão não era excluído do estudo, podendo ser encoleirado (se pertencesse à área de intervenção) e participar dos inquéritos subseqüentes.

Os proprietários foram instruídos a identificar reações alérgicas na região do pescoço que poderiam ocorrer após a colocação da coleira. Essas reações são caracterizadas, principalmente, por prurido (coceira) e inflamação (irritação) na região. Quando observadas, os proprietários puderam entrar em contato imediato por telefone gratuito com a central de atendimento ao consumidor da empresa responsável pelo produto para acesso a orientações por médico veterinário. Na eventualidade de suspeita de reação alérgica o médico veterinário poderia indicar a retirada da coleira e, caso fosse necessário, auxiliar em outros procedimentos. A ocorrência de reações alérgicas foi rara, sendo que nenhuma reação grave foi observada.

As visitas aos domicílios no primeiro ciclo foram realizadas entre setembro e dezembro de 2012 na área controle e entre julho e dezembro de 2012, na área sob intervenção. No segundo ciclo, ocorreram entre setembro e dezembro de 2013, na área controle, e entre agosto e novembro de 2013 na área de intervenção. No terceiro ciclo, entre março e junho de 2014, na área controle, e entre fevereiro e maio de 2014, na área de intervenção. E no quarto ciclo, entre novembro de 2014 e janeiro de 2015 na área conttrole, e entre agosto e dezembro de 2014, na área intervenção. Contudo, foi apenas considerado que o cão participou de um ciclo quando, além da visita, houve também coleta de amostra de sangue para a sorologia.

Análise dos dados

Foi construído um gráfico com as incidências de LV humana do município de Montes Claros de 2001 a 2015. Os dados referentes ao número anual de casos de LV, cujo município de infecção era Montes Claros, foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) (BRASIL, 2015), por meio do DATASUS. Já os dados sobre a população do município ao longo desses anos foi obtido do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016).

Foram construídos também gráficos nos quais as prevalências de infecção canina, nos quatro ciclos, de ambas as áreas, foram plotadas. Assim como gráficos com as curvas de prevalência de cada bairro ao longo do estudo e por área de intervenção.

Para a análise do efeito do encoleiramento nas prevalências de infecção canina, foram utilizados modelos de regressão logísticacom efeitos aleatórios considerando as medidas repetidas de prevalência de infecção em cada cão ao longo dos 4 inquéritos sequenciais (ciclos). Nestas análises, a agregação das observações nos bairros foi explicitamente considerada para fins de estimativas de variabilidade.

A análise estatística foi realizada utilizando-se Stata SE, versão 12.0 (STATA Corp., College Station, TX).

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Fundação Oswaldo Cruz (Licença LW-70/12) e considerado isento de necessidade de avaliação ética para estudos em humanos pelo Comitê de Revisão Ética da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) (Referência PAHO-2012-11-0024). O protocolo do estudo previu que ao final do estudo, no último ciclo de visitas, todos os cães, inclusive os da área controle, receberiam a coleira.

Resultados

O gráfico 1 mostra uma série histórica de 15 anos da incidência (número de casos por 100 mil habitantes) de LV no município de Montes Claros. O valor mais alto da incidência foi alcançado em 2004, quando atingiu 19,1 casos.

Gráfico 1 – Incidência de Leishmaniose Visceral no município de Montes Claros-MG, 2001 a 2015.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informação de Agravos de Notificação

O gráfico 2 mostra que as prevalências da área controle e intervenção no ciclo 1 estão muito próximas, ilustrando que não foi encontrada diferença estatisticamente significativa

entre esses valores no inquérito inicial (p=0.632). Pode-se notar que o declínio referente à curva da área de intervenção foi mais acentuado que o da área controle, além das prevalências terem se mantido em patamares mais baixos. Apesar de a área controle ter sofrido queda nas prevalências de infecção do primeiro ao terceiro ciclo, essa redução se mostrou mais discreta e foi seguida de um aumento da prevalência no último ciclo.

Gráfico 2 – Prevalência de infecção canina, segundo área e ciclo, município de Montes Claros – MG. Área controle Área intervenção 2 4 6 8 10 12 1 2 3 4 Ciclo prevalência

with 95% confidence interval

O gráfico 3 mostra que as prevalências dos bairros que compõem a área controle se mantém em um patamar mais elevado que as prevalências dos bairros da área de intervenção. Além disso, o conjunto de bairros da área de intervenção apresentou um comportamento mais homogêneo das curvas.

Gráfico 3 – Prevalência de infecção canina nos bairros, segundo área e ciclo, município de Montes Claros-MG. 0 10 20 30 1 2 3 4 1 2 3 4

COM encoleiramento SEM encoleiramento

Pre va le n ci a Ciclo

Graphs by area de intervencao

A tabela 01 mostra que as áreas com encoleiramento tiveram uma redução de 37% e 45% na prevalência de infecção canina nos ciclos 3 e 4, respectivamente, em comparação às áreas controle, ajustando para diferenças nas prevalências da infecção nos bairros no ciclo 1. No ciclo 1 e 2 não houve diferenças estatisticamente significativas entre áreas de encoleiramento e áreas controle.

Tabela 01 – Modelo multivariado – Odds Ratio (OR) ajustado e seu respectivo intervalo de confiança (IC 95%) e p-valor para associação entre infecção canina e as áreas de intervenção, município de Montes Claros, Brasil, 2012 – 2015.

Variáveis OR IC 95% Valor de p Encoleiramento Ciclo 1 1.10 0.98-1.24 0.094 Ciclo 2 1.01 0.87-1.17 0.834 Ciclo 3 0.63 0.49-0.81 <0.001 Ciclo 4 0.55 0.46-0.67 <0.001

Discussão

Muitas transformações têm ocorrido ao longo dos anos no Brasil, influenciando a epidemiologia e, por conseguinte, o controle da LV. Uma das mais significativas é o processo de urbanização, que tem se mostrado acelerado e pouco organizado. Além disso, questões sociais e ambientais (sanitárias e de habitação) também estão fortemente ligadas ao controle da doença (BARRETO et al., 2011; DINIZ ET AL, 2008). Barreto et al. (2011), em estudo cujo objetivo era discutir os principais sucessos e insucessos dos programas de controle das doenças infecciosas no país, enquadraram a LV na categoria dos fracassos, juntamente com a dengue, por não terem conseguido impedir a expansão da doença e o aumento da mortalidade. Os dados apresentados mostram que a área sob intervenção apresentou uma queda maior e mais rápida na prevalência de infecção canina, que pode ser atribuída ao uso das coleiras impregnadas com deltametrina 4%. Camargo-Neves et al. (2004), em estudo realizado em Andradina-SP, identifcou também efetividade no uso em larga escala das coleiras, quando registrou redução na prevalência de infecção de 10,8% para 4,8%, em 1,5 ano de seguimento. Contudo, na área controle também foi identificada redução na prevalência de infecção até o terceiro ciclo e um aumento na última etapa do estudo. Muitos fatores, além do encoleiramento dos cães, poderiam ter influenciado na evolução da prevalência. O primeiro deles, que seria o mais provável, é eutanásia canina, intervenção sob a qual ambas as áreas estavam sendo submetidas. A remoção desses animais infectados, oportunamente, embora não seja capaz de promover a eliminação da doença, é capaz de afetar a incidência de soroconversão nos cães, o que reduziria, por conseguinte, a prevalência de infecção canina na área (GRIMALDI JUNIOR et al., 2012).

Outra situação que pode refletir na prevalência de infecção é a descontinuidade das ações de controle da doença, que ocorrem por uma série de questões, tais como dificuldades operacionais e financeiras, falta de vontade política por parte dos gestores e resistência da população às ações de controle, ocasionando na permanência por tempo prolongado de cães infectados, bem como um controle vetorial inexistente ou insuficiente (ZUBEN & DONALISIO, 2016; LOPES et al., 2010). O próprio município de Montes Claros pode ser citado com exemplo, uma vez que, durante o período de estudo, os domicílios não estavam sendo submetidos à borrifação, segundo informação dos moradores entrevistados.

É fundamental compreender que não se pode analisar a oscilação da prevalência de infecção canina ou humana considerando exclusivamente as intervenções para o controle da doença, afinal são muitos os fatores que incidem sobre esta questão. Prado et al. (2011), em

estudo conduzido entre 2007 e 2009 em Montes Claros, identificaram que, mesmo enfrentando uma série de dificuldades no que diz respeito às ações de controle da LV no município, houve uma queda dos casos humanos em função deste ter sido um período de baixa transmissão.

Um fator que poderia também ter influenciado a evolução da prevalência é a densidade de flebotomíneos ao longo do estudo. Pesquisa conduzida em Belo Horizonte, Minas Gerais, encontrou que um grande número de flebotomíneos foi identificado em áreas com muitos registros de LV canina e humana (MARGONARI, et al., 2006). Barata et al. (2013) notaram que havia uma tendência de crescimento na prevalência de infecção canina nos locais onde a densidade vetorial era maior. Oliva et al. (2006), encontraram uma alta incidência de infecção em uma coorte de cães, explicada pela ausência de controle vetorial e eutanásia canina. Como na área de intervenção os cães estavam encoleirados, a abundância do vetor teria menor importância, uma vez que o dispositivo, cuja eficácia já foi comprovada (KILLICK-KENDRICK et al., 1997; DAVID et al., 2001), os estaria protegendo das picadas. Já na área controle, a maior densidade de Lutzomyia longipalpis interferiria de maneira mais contundente na prevalência de infecção, uma vez que os cães nesta localidade estariam desprotegidos contra picadas de flebotomíneos portando o parasito. LARA-SILVA et al.

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