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Merçon (2009) pontua que um dos mitos da educação é a incessante busca da resposta para a seguinte pergunta: “Como educar?”. Existiria, de fato, um mé- todo pelo qual os professores conseguiriam ensinar a todos os alunos igualmente?

Se compreendemos o pensar como encontro e não como o que re- sulta da aplicação de métodos, seu ensino – o que não corresponde, necessariamente, ao seu aprendizado – implica a preparação das condições que favorecem esse encontro. Um ensinar ético, vigoroso e potente envolve, portanto, um extensa e laboriosa preparação para aquilo que não pode ser antecipado ou controlado: o pensar (MER- ÇON, 2009, p. 154, grifo nosso).

Como observa a autora, obviamente, não podemos atrelar um método de ensino diretamente ao aprender. As próprias escolas e a Secretaria nos pontuam que o aprenderensinar acontece por outro viés. Aliás, por duas vias que se entrelaçam: os encontros e os afetos. Como um químico, físico ou qual- quer outro cientista, vivemos de experimentações de encontros, ampliando as zonas de ativação de experiências alegres. Assim, como nos afirma, também, Carvalho (2011, p. 111),

Essa ‘arte do encontro’, envolvendo a passagem do regime afetivo passivo a um ativo, tem como base a combinação de nossos en- contros e/ou a composição dos corpos e, sendo assim, somente ao experienciarmos uma compreensão do funcionamento das redes in- terativas nas quais nossas relações se tecem e das quais dependem, atualizaremos nossa potência de agir.

Do mesmo modo, Kohan (2005) faz um questionamento que entra em rela- ção com o que Carvalho (2011) e Merçon (2009) vêm nos mostrando: “É possível ensinar a pensar?”

A primeira proposição dada pelo autor é “O pensar é um encontro” (KOHAN, 2005, p. 232). Nesse sentido, encontros são acontecimentos. Não há como prever como e quando os encontros se darão. Nas reuniões e entrevistas acompanha- das, podemos perceber, nesses encontros entre corpos, diversos encontros en- tre ideias. Ideias estas que nos indicam o quanto questões relacionadas com o aprender e o ensinar se encontram ainda desconectadas, mas, ao mesmo tempo, ressoam caminhos outros de pensar essas proposições. Não é a partir de regras que encontramos o caminho para aprender a pensar. Nesse sentido, Kohan nos afirma, assim como Merçon (2009):

[...] não há método para aprender porque não há como antecipar os caminhos pelos quais alguém abre sua sensibilidade àquilo que o força a problematizar sua existência, caminhos que fluem entre o saber e o não saber, e também porque não há produto ou resultado ‘fornecedor’ de sentido fora do mesmo trajeto de busca. Aprender é uma tarefa infinita. Não há nada prefigurado, predeterminado, pre- visto a aprender, nada a aprender. Aprender é abrir os sentidos ao que carece de ser pensado. O saber e o método não são outra coisa que obturações desse movimento do aprender que é a própria cultu- ra (KOHAN, 2009, p. 223).

Então, as escolas, como coletivo, pelas experiências tecidas em seus dia a dia, bem como com os afetos que ora diminuem sua potência, ora aumentam, inventam artistagens para o cotidiano. Não ficam estanques em frente aos seus desafios, mas eles mesmos as impulsionam a ir à busca dos possíveis.

Escola g: E a gente está percebendo que a história aqui é um pouco

diferente. Esses meninos têm que ser conquistados, é um conven- cimento. [...] a avaliação que eu faço é que tem que ser alguém que tenha um perfil de apostar nos meninos. De ir para além do conteú- do. Eles têm problemas existenciais que precisam ser abordados.

Escola L: E nós sabemos que é possível, pois, se você tem uma

turma que o professor desenvolve aquele trabalho e dá certo, é pos- sível que dê certo com os outros também. Mas é todo um conjunto. Professor tem que estar disposto, a turma tem que compreender o processo, aquela atividade e tudo.

Nesse contexto, o que percebemos, pelas conversas, angústias e problema- tizações entre escolas e Secretaria, é que esses possíveis apontados para poten- cializar o aprenderensinar nas escolas partem de movimentos que acontecem fora das salas de aula. São projetos, oficinas, reforços que parecem não caber durante as aulas. Os pressupostos capturados das reuniões e entrevistas para dar vida ao processo educativo (“aproximação maior entre alunos e professores”, “trabalho em dupla de professores”, “ludicidade”, “diálogos”) aparecem de modo dicotômi- co: “Os projetos são bons e a sala de aula é ruim”; “No reforço, eu aprendo e na

aula não”; “Nas oficinas, trabalha-se o lúdico e na sala de aula é apenas quadro e giz”. Essas falas ocorrem, apesar de as escolas apontarem que esses modos di- ferenciais fazem parte da proposta de trabalho dos professores, não acontecendo como apêndices.

Escola W: Ela faz um trabalho interdisciplinar. Ela trabalha leitura,

interpretação, intervenção na escrita e a Matemática básica também, as quatro operações, porque esse grupo, quase que na maioria, tem dificuldades na Matemática também. Em virtude dessa dificuldade, eles tinham uma rejeição à Matemática. Tipo assim: ‘É um bicho de sete cabeças, eu não sei, não quero nem saber!’. E, depois que começou a oficina, esse pensamento mudou [...]. Eles veem que é uma disciplina que eles têm dificuldades, mas têm possibilidades de avanço [...]. E têm muitos jogos que trabalham a Matemática. Ela trabalha de uma forma muito lúdica. E, a partir do momento que o aluno aprende as quatro operações, ele muda em sala de aula.

Escola O: Eles [os alunos] falam assim: ‘É porque aqui, professora,

você me dá mais atenção’. É o que eles falam. ‘Porque aqui tem me- nos alunos’, ‘Porque aqui não tem bagunça como na sala de aula’, ‘Porque às vezes eu quero ouvir o professor na sala de aula e eu não consigo. Tem muita confusão, tem muita conversa. Quando eu estou aqui, eu consigo ouvir e você consegue me entender; lá na sala às vezes eu não consigo’. Essas são as respostas que eles me deram. E é devido ao acompanhamento que eles têm, pois é mais próximo. Por exemplo, eu dou texto pra eles também. Trabalhamos com correção? Trabalho, mas não corrijo nada no caderno deles, nada! Eles que cor- rigem tudo. Eu junto com eles, interfiro, mas eles odeiam que rabis- que o caderno. Foi a primeira coisa que eles me pediram: ‘Não risque meu caderno’. Eles odeiam que rabisque o caderno deles!.

São práticas menos dogmatizadas que, apesar de nem sempre estarem dis- poníveis para todos os alunos, agenciam outros modos de se pensar as problemá- ticas em torno do aprenderensinar, outras práticas de se fazer currículo, práticas menos engessadas. Percebe-se, por esses fragmentos, que mais importante que os documentos oficiais são essas lutas micropolíticas que professores, alunos, pais,

gestores, pedagogos e todos os envolvidos no processo educativo têm diariamente nas escolas.

Escola J: [...] As aprendizagens que ela tinha demonstrado e o que

ela vem demonstrando, a gente percebe esse avanço e eu acho que é esse parâmetro que temos que ter. Como esse menino estava aqui, como ele está agora, que aprendizagens ele está se apropriando. Isso é que temos que avaliar para saber se vale a pena ou não man- ter esses dois tempos. E, na nossa perspectiva, tem valido a pena. Eu acho que as professoras têm aquele tempo para estarem mais próximas das crianças para tirarem as dúvidas, para darem atenção.