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A mudança da compreensão, de importância fundamen- tal, não significa, porém, ainda, a mudança do concreto (PAULO FREIRE).

Sabemos que a realidade econômica, política, social, cultural, ideológica é construída historicamente como um conjunto de relações complexas que podem afetar a escola e a educação em seus diferentes níveis. Essa realidade – demarcada por contradições objetivas e subjetivas e em seu movimento permanente – carrega consigo as possibilidades do novo na formação, na escola e também na sociedade. Existem movimentos, processos e iniciativas sendo germinados nessa realidade, no chão da escola, apesar da situação e condições físicas e de trabalho precárias em que muitas se encontram.

Em que medida os processos de formação podem potencializar essas inicia- tivas, essas novidades que estão acontecendo, ou podem vir a acontecer no inte- rior da escola, quando, por vezes, não se tornam visíveis/audíveis? Esse vínculo é fundamental na proporção em que as práticas inovadoras abrem caminhos para as mudanças na realidade, pois as ideias, por mais bem formuladas e progressistas que possam ser, somente ganham força transformadora quando se materializam nas ações concretas dos sujeitos da educação. Assim, bem expressa o documento: As Diretrizes Curriculares por si só não produzem mudanças ou al- teram a realidade. Sabemos todos que a mudança da qualidade para o ensino não será nunca feita pela existência das Diretrizes Curricu- lares, elaboradas pelo MEC ou pela SEME, mas pelo conjunto das políticas públicas federais, estaduais e municipais e, fundamental-

mente, pela comunidade escolar em sua ação cotidiana (SEME,

2010, p. 6, grifos nossos).

Voltando o olhar para as entrevistas, constatamos que algumas formações con- tinuam distantes, desconectadas da realidade da vida/problemática escolar. Há certa distância entre as políticas (curriculares) e o que se passa cotidianamente nas escolas: “A realidade da escola é muito complexa. Tem que tá no dia a dia pra entender o que é. Quem fica só lá (Secretaria) não consegue entender” (PROFESSORA da Escola 6). Como articular a complexidade do cotidiano escolar (seus desafios e possibilidades)

com os processos de formação inicial e continuada de professores? Postulamos a ne- cessidade de um fluxo duplo: a formação potencializando as ações educativas nas escolas, e essas iniciativas ampliando e fortalecendo a própria formação.

Ao analisar as entrevistas realizadas nas escolas, percebemos, em várias passagens, a reclamação da falta de tempo e de planejamento para a formação, provocando questionamentos e críticas avaliativas: “O professor não tem capacita- ção. A capacitação é brincadeira, é só de papo. Existe capacitação em um espaço de três vezes ao ano? E não dá espaço pra escola fazer. Existe? Pra mim não existe capacitação” (PEDAGOGA da Escola 3).

Na mesma direção, a professora expressa a idêntica condição e preocupa- ção quando fala:

A Secretaria diz que, de 11h30min ao meio dia, a gente tem que sen- tar e dialogar. Até o professor guardar as suas coisas, dá 11h40min. Em vinte minutos, como a gente vai dar conta de um diálogo de formação. Como? Não tem como (PROFESSORA da Escola 6). Já na Escola 8, o pedagogo explica como a escola articulou e conquistou um espaço que vai se consolidando e se transformando em cultura, para além do que estabelece a Seme:

Nós temos nossas formações toda sexta-feira de 11 as 12 horas, pra gente tá discutindo [...]. Nossa formação acontece de acordo com a organização interna e, nos dias de formação garantidos no calendá- rio, nós também utilizamos para fazer formações [...]. É um espaço conquistado por nós e em outras escolas não funciona desta manei- ra [...] aqui já virou uma cultura (PEDAGOGO da Escola 8).

Por sua vez, a diretora da Escola 5, ao explicar a formação na escola, reconhece: As formações são entre turmas mesmo. Geralmente acontece. Se forem turmas da manhã, acontecem no matutino. Se forem tur- mas à tarde, acontece no vespertino [...]. Até ano passado, tinham as formações por área, né? De Ciências, de Matemática. Este ano ainda não aconteceu nenhuma. Não sei se vai acontecer, porque já estamos em maio e não aconteceu nenhuma.

Por outro lado, a gerente de ensino fundamental da Seme destaca outras preocupações no/do acompanhamento à formação e o seu vínculo com as Diretri- zes Curriculares:

As formações são importantes, mas não garantem. E aí, o acompa- nhamento deveria ser sistemático mesmo, e aí é um desastre es- colar. Não dá para ser de outro jeito. É acompanhar e a formação no próprio local, a reflexão sobre o estudo ali no próprio contexto. Eu não acredito em grandes plateias [...]. Se você tem as Diretrizes Curriculares, acho que toda a formação da Secretaria teria que par- tir das diretrizes, ou para as diretrizes ou para dialogar com elas, porque temos o caminho do diálogo também. Se eu tenho um do- cumento, se vou fazer uma formação e eu não me reporto a ele [...] e aí, quando você vê numa Secretaria todo o sistema de registro de aluno, os dados que tem dele ali. Que apoio aqueles dados podem dar, então, numa formação? [...] acho que toda a formação da Secre- taria ela tinha que ter como eixo as diretrizes. Isso é fundamental. Fazendo referência a essa dinâmica da formação fundada nas Diretrizes Curriculares, uma professora da rede assim reconhece:

O que teve ano passado [2011] foram algumas formações pontuais que, de certa forma, acabam envolvendo as diretrizes [...] então, nessa formação, um pouco a gente pode discutir sobre isso, mas ela foi interrompida, me parece que até agora está interrompida [...] então, nós não tivemos o prosseguimento da discussão da refor- mulação das diretrizes e a formação foi interrompida (PROFESSO- RA da Escola 6).

Constatamos, portanto, uma relação de tensão permanente entre o concebi- do/vivido, bem como na relação dinâmica de tessitura do conhecimento produzido nas redes dos saberes/fazeres. “Assim, pensamos ser imprescindível pensar e dis- cursar sobre o currículo e a formação continuada não a partir da perspectiva da prescrição, mas a partir do que é de fato realizado nas salas de aula” (FERRAÇO, 2005, p. 33) e, poderíamos acrescentar, na escola, na comunidade. Continua o autor: “Os fragmentos das redes de saberesfazeres tecidas e partilhadas pelos su-

jeitos do cotidiano das escolas pesquisadas aqui apresentados nos levam a pensar no currículo e na formação continuada para além dos conteúdos tradicionalmente propostos nos documentos prescritos”.

Depositando ênfase no cotidiano escolar, quando se materializa o currículo concebido (formal) e o currículo vivido (como efetivamente se manifesta), Carvalho (2005, p. 97) destaca a importância da relação entre esferas e processos: “Eviden- temente, o currículo formal e o efetivamente praticado são dimensões ou diferentes faces do mesmo fenômeno: o currículo escolar em sua relação com a realidade sociopolítica, econômica e cultural mais ampla”.

Enfatizamos que as práticas cotidianas evidenciam possibilidades teórico- metodológicas relevantes para pensar e organizar a formação continuada de pro- fessores a partir das realidades concretas, vividas. Assim também argumenta Oli- veira (2005, p. 46): “O fazer cotidiano aparece, portanto, como espaço privilegiado de produção curricular para além do previsto nas propostas oficiais e, sobretudo, como importante espaço de formação”.

Outro aspecto manifesto nas entrevistas refere-se às pesquisas e o questio- namento vem na seguinte direção:

[...] eu fiz uma pesquisa, fui liberada pelo município, recursos pú- blicos aplicados em dois anos e em que momento que eu dou esse retorno para o município? Essa pesquisa serviu para quê? Qual o âmbito dela? Então eu acho assim, temos que dialogar mais, pois o processo formativo já se daria nesse processo da pesquisa, o retor- no para a escola, o sistema e a escola (GERENTE de ensino funda- mental da Seme).

Como e em que medida as pesquisas e a produção de novos conhecimen- tos dialogam com a realidade a ser transformada? Como encontrar tempo para a formação? Urge rever práticas e concepções de formação de professores, no sentido de vincular cada vez mais os processos de formação à realidade, tanto da escola como da comunidade e da sociedade em geral, pois, sempre que os conhecimentos, os saberes estão descolados da vida e das contradições da reali- dade, eles não passam de fetiches que, ao parecerem valer por si sós, não servem para muita coisa.

A formação como um processo dialógico,