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Ainda que os processos de avaliação venham se for- talecendo com os procedimentos de regulação norma- tizadora e coerção a fim de controlar o que e como se ensina e se aprende, a vitalidade do cotidiano escolar cria inúmeras linhas de fuga e espaços de deslocamen- tos que trazem múltiplas possibilidades de composição curricular, especialmente se considerarmos a consti- tuição intercultural das classes populares (ESTEBAN, 2012, p.137).

Quando nos lançamos ao encontro com essas escolas, já nos sentíamos capturadas por muitas questões que nos evocavam a experiência de ouvi-las. Assim nos aproximamos de seus direcionamentos e buscamos compreender de que forma engendram as mobilizações necessárias no trato com questões emergentes do cotidiano, tais como: avaliação, tempo integral, organização da grade e conteúdos curriculares, aprendizagem e ensino, formação de professo- res, gestão, infância e juventude.

Foi acolhendo o ritmo, a liberdade e a disponibilidade dessas escolas em nos falar que construímos nossa investigação e análise sobre cada uma dessas questões. Pudemos ainda realizar as conversas com o corpo-escola e nos aven- turarmos a conhecer- compreender a variedade de paisagens que norteia o trato

com essas questões e nos surpreendermos diante de colocações subjetivas des- ses corpos que não se deixam aprisionar pelas condições formais ao conceber suas práticas.

Neste ensaio convém destacar algumas intercessões de nossa conversa sobre o componente da Avaliação.

É essencial reafirmar aqui o compromisso que temos com as escolas visi- tadas de trazermos à reflexão as considerações que se fazem potentes na com- preensão das formas de essas instituições produzirem movimentos que permi- tam ações possíveis e interpretações subjetivas no trato com os pressupostos formais da avaliação.

Assim nos limitamos a provocar produções de narrativas que permitissem compor telas que nos capacitassem a perceber os sistemas que compõem a re- lação escola versus avaliação.

Priorizamos subtrair, desses encontros e conversas, expressões que nos incentivassem a uma reflexão acerca dos desvios, dos escapes ao pensamento dogmático e da produção de novas formas e alianças que essas escolas fazem o tempo inteiro, ousando buscar emergir outros possíveis na relação cotidiana desse corpo com o componente curricular avaliativo.

Atentamo-nos neste ponto à voz da escola e não nos surpreendemos em perceber que o trato com a temática da avaliação suscita instabilidades que im- põem desafios cotidianos, requerendo movimentos de pausa e retorno capazes de gerar inflexões sobre o processo, bem como o exercício das sensibilidades para também perceber o outro, o sujeito a ser educado, provocando o “ato ava- liativo” ao povoamento de seu compromisso ético:

Trabalhamos com atividades diagnósticas. Aquelas que são feitas no início do ano. Diagnosticamos todos, pra nos orientar a par-

tir do sujeito que nós temos.

Em termos de avaliação, a nossa escola tá sempre avaliando, rea-

valiando.

Nós pensamos a avaliação como uma prática a ser revista.

Então, se a criança não aprendeu, por que ela não aprendeu? Va- mos pensar um outro caminho? Será que o caminho que estamos seguindo está bom? Então por que ela não aprendeu? Então é re-

pensar a prática e buscar dar novos caminhos. Então a avaliação é muito importante. E tem que ser cotidiana mesmo.

Mergulhamos no que a escola diz e entendemos que a concepção de ava- liação se apresenta atravessada por muitos vetores: a família, a vida do aluno, a análise dos processos de ensino-aprendizagem vivenciados no cotidiano.

A escola organiza seus processos avaliativos ao mesmo tempo em que produz a liberdade de promover distanciamentos das concepções tradicionais e do senso comum em que normas e técnicas são validadas no processo pela aplicação de provas e testes posteriores à conduta de transmitir conteúdos pre- determinados, organizados por séries, e muito mais.

A avaliação é uma das atividades que ocorre dentro de um processo pedagógico. Este processo inclui outras ações que implicam na pró- pria formulação dos objetivos da ação educativa, na definição de seus

conteúdos e métodos, entre outros. A avaliação, portanto, sendo parte de um processo maior, deve ser usada tanto no sentido de um acompa- nhamento do desenvolvimento do estudante, como no sentido de uma apreciação final sobre o que este estudante pôde obter em um determi- nado período, sempre com vistas a planejar ações educativas futuras

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretaria de Educação Básica, 2007). É de forma singular que cada escola se apropria da dimensão dos docu- mentos oficiais, ao mesmo tempo em que segue imprimindo um estilo capaz de atender às demandas pertinentes ao que seus cotidianos evocam:

Mas a avaliação, ela é necessária! Onde tem trabalho, tem ava- liação. A prática precisa de uma avaliação. Não é ligar o piloto automático e deixar ir... Tem que está sempre retomando e rever se o caminho está bom, se os objetivos foram alcançados. Se não foram, o que faltou, o que vamos fazer? O que temos que melho- rar? Que mediações fazer? A avaliação tem muitos atravessa-

mentos, é atravessada por muitas questões...

Esse entendimento da avaliação, para além da avaliação que o corpo-es- cola expressa, reafirma, em meio à tecitura de nossas conversas, um compro-

misso existente com uma prática pedagógica não endurecida, inventiva e um desejo de abertura às novas práticas.

Vimos, ao mesmo tempo, em suas narrativas, a necessidade que esse corpo tem de pausar. Pausar para produzir movimentos outros que o potencializem, que signifiquem seus encontros com as formas avaliativas sem que o processo se tor- ne viciado, mas constitutivo de acontecimentos, instigando-o ao novo.

Ainda percebemos, nas conversas com essas escolas, queixas à ausência do trabalho colaborativo da família no processo ensino-aprendizagem, tornan- do-nos clara a aposta que a escola ainda faz na participação das famílias como garantia de uma performance mais positiva nos processos avaliativos formais: Pensamos muito: o aluno não aprendeu foi por uma questão da prática pedagó- gica, ou por um problema do aluno, da vida do aluno? E da família também, que não se aproxima da vida do aluno na escola?

Em muitos aspectos, vamos percebendo, nas falas das escolas, uma con- cepção de avaliação que se deseja composta a partir dos encontros. Encontro com o sujeito, encontro com família, encontro com saberesfazeres das práticas pedagógicas, encontro com as diretrizes curriculares, encontro com as diversas dimensões que compõem o cotidiano escolar... Encontros!

Este entendimento que o corpo-escola tem de encontro, que não se res- tringe à ideia de encontro entre corpos físicos, remete-nos à filosofia espinosa- na,22 para a qual se define encontro como uma composição de relações de onde

se traçam linhas de afecções tristes ou alegres. Podemos, assim, caracterizar como um “bom encontro” as linhas de afeto compostas nas relações entre os corpos que os fazem vibrar, que aumentam sua potência de ser e agir e, ao contrário disso , um “mau encontro”, quando percebemos essas relações sendo decompostas, o que faz diminuir sua potência.

Ao nos colocarmos em conversa com as escolas, disponibilizamo-nos também a efetivar encontros que nos permitiram reconhecer em suas falas não apenas seus desejos, pensamentos e olhares sobre o conteúdo da avaliação mas também suas táticas, suas estratégias (CERTEAU, 2011) no trato com a força que há dos documentos prescritivos sobre a temática e que se encontram em circulação o tempo todo no cotidiano, promovendo o contágio sobre as de-

22 Baruch de Espinosa nasceu em 24 de novembro de 1632 em Amsterdã, numa família de negociantes judeus. Sua filosofia se destaca por uma de suas principais teses teóricas conhecida por “paralelismo”, de onde se nega qualquer ligação de casualidade real entre o espírito e o corpo, e a negação de qualquer eminência de um sobre o outro. Entendendo-se, assim, que essas categorias não se sobrepõem.

cisões pedagógicas e influenciando as diversas dimensões do ato avaliativo. Pensamos com essas escolas as minúcias que permeiam a processualidade de avaliar bem como as indagações que insurgem desse processo. Avaliar como? Pra quê? Por quê?