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As agendas de gênero e educação do Estado Brasileiro

PRELAC – Declaração

5. A chegada da agenda de promoção da igualdade de gênero às escolas Chego, finalmente, ao último nível desse estudo exploratório: a escola A inclusão de

6.1. As agendas de gênero e educação do Estado Brasileiro

Ao longo deste percurso de pesquisa, identifiquei a co-existência de duas agendas de gênero e educação paralelas: uma primeira inaugurada em 1996, com a nova LDB e com a série de reformas educativas realizadas pelo Estado Brasileiro ao longo dos anos 1990, que responde aos compromissos internacionais assumidos pelo país; e uma segunda, inaugurada em 2004, com a formulação do I PNPM e com a criação da SECAD no Ministério da Educação.

Figura 1

Cronologias das Agendas de Gênero e Educação no Estado Brasileiro (União) Brasília, 2008

Fonte: elaborado pela mestranda, 2008.

O percurso dessas agendas, sua posição no interior do Estado, bem como seu grau de complexidade e seu entendimento do que são e de onde se localizam as desigualdades de gênero, não são os mesmos. Enquanto a primeira, que começa a se desenhar em 1996, parte do centro para as extremidades, ou seja, das bases legais que definem a educação como política pública, para a formulação de políticas nacionais de educação; a segunda circula pelas

extremidades, pelas políticas de gênero em educação e pela incidência pontual em algumas políticas nacionais de educação, sem haver conseguido, até agora, chegar ao centro.

Entendo como centro do sistema educacional as bases legais definidoras da educação como política pública de Estado e a instituição hierarquicamente mais alta desse sistema: o Ministério da Educação. Por extremidades, todos os demais atores que participam (como as secretarias estaduais e municipais de educação e as universidades) ou influenciam esse sistema (como as coordenadorias estaduais e municipais da mulher e a comunidade em geral). As escolas estão na extremidade final do sistema educacional nacional, no ponto oposto ao MEC (figura 2).

Figura 2

Mapas das Agendas de Gênero na Educação Brasília, 2008

Fonte: elaborado pela mestranda, 2008.

O centro se caracteriza por sua estrutura estanque e rígida, altamente burocratizada e pouco permeável. Já as extremidades, se caracterizam por estruturas mais dinâmicas, menos burocratizadas e mais abertas ao diálogo com atores e atrizes diversos, sendo, por isso, em tese, mais permeáveis.

A agenda de gênero e educação do centro surge em meio ao processo de reformas educativas da década de 1990 e resulta, num primeiro momento, da incorporação das metas e

objetivos definidos para a educação em nível internacional. A formulação de novas bases legais e de novos conteúdos curriculares para a educação nacional que concretizaram as reformas educativas ocorreu sem a assimilação das contribuições da sociedade (sindicatos e universidades, majoritariamente). Foi, portanto, um processo pouco participativo, que privilegiou a tradução nacional de compromissos e agendas internacionais (figura 6.2 B).

Figura 3 Agenda 1: Centro

Brasília, 2008

Nesse contexto, a agenda de gênero que entra no novo desenho da educação brasileira reproduz a ênfase internacional dada ao acesso (a qual associo à dimensão econômica da redistribuição), assimilando também, ainda que mais incidentalmente, as recomendações por uma educação não-discriminatória (traduzidas, nas bases legais da educação, em recomendações para a elaboração de livros didáticos e para a formação de professores/as do magistério).

A ênfase no acesso e no desempenho das meninas, no entanto, não é coerente com a realidade de desigualdades educacionais de gênero encontradas no Brasil, já que, por este critério, o país na verdade estaria enfrentando um quadro invertido de desigualdades de gênero, segundo o qual são os meninos, e não as meninas, que precisam de maior estímulo e menos barreiras à participação educacional.

O conceito de gênero implícito nesta agenda de centro é desprovido de conteúdo político, ou seja, de uma leitura problematizada e problematizadora das desigualdades entre meninos e meninas. Possui, além disso, um caráter difuso, que termina por entender gênero como sinônimo de orientação sexual e por associar o conceito a estratégias de controle do corpo e da sexualidade.

Do outro lado, temos a agenda de gênero que circula pelas extremidades do sistema e que responde não à agenda maior da educação, mas sim à agenda maior de promoção da igualdade de gênero do Estado Brasileiro. Essa agenda se constitui internamente, a partir do processo da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2004, que resulta na formulação do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, o qual define como um de seus eixos estruturantes, a educação.

Ela (figura 6.2 C) dialoga com os documentos internacionais de promoção dos direitos das mulheres (especialmente com a CEDAW), mas sua formulação resulta de um processo participativo (a CNPM) que envolve Estado e sociedade. Ela é produto de uma negociação de interesses e demandas que perpassam as dimensões econômica e cultural-simbólica (não inclui, entretanto, a dimensão política da representação).

Figura 4 Agenda 2: extremidades

Brasília, 2008

Fonte: elaborado pela mestranda, 2008.

A primeira agenda de gênero e educação (do centro), por estar inserida em um espaço que não prioriza a igualdade de gênero e que não reconhece os mecanismos de produção e reprodução das desigualdades de gênero em suas formulações, por haver sido incorporada verticalmente e sem conexão com um diagnóstico complexo prévio, é pouco representativa, pouco eficaz e não chega às extremidades.

Já a segunda (das extremidades) é formulada num espaço periférico dentro da estrutura estatal, mas de maneira participativa. É mais abrangente e complexa no diagnóstico das desigualdades, estabelecendo intersecções com outras desigualdades estruturantes da sociedade brasileira, como é o caso das desigualdades étnico-raciais. Sua estratégia de atuação é horizontal e se prova mais eficaz no alcance das extremidades. É institucionalmente mais permeável e mais resistente à burocracia estatal, o que permite um menor engessamento de sua atuação e de suas ações.

No entanto, esta agenda, por tender a margear o centro, termina restringindo-se a ações pontuais, que pouco contribuem para a transformação das estruturas do sistema educacional. Não por falta de esforços e de vontade de chegar ao centro, mas sim por falta de força política e de recursos para ultrapassar as rígidas barreiras que o guardam.

A agenda de gênero na educação, deve, portanto, surgir como demanda das margens e subir em direção ao centro. Não deve nem começar fazendo o percurso contrário (do centro às margens), nem se restringir aos caminhos das extremidades. Chegar a tal resultado utópico significaria não apenas instaurar uma agenda de gênero da educação brasileira, mas sim reinventar a própria educação e a idéia mesma de cidadania.