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As aulas semanais a distância: a unidade articuladora

5.2 Ações na atividade docente de Clara

5.3.1 As aulas semanais a distância: a unidade articuladora

Como apontamos na seção 5.1, na oferta de 2013/2 Clara optou por trabalhar o conteúdo da disciplina semanalmente, distribuindo-o conforme o calendário acadêmico institucional da IES. Além disso, ela manteve um layout padrão semanal para as salas virtuais formando um conjunto articulando de diversos recursos didáticos. Diante disso, surgiu a seguinte questão: “Podemos considerar esse conjunto como uma aula semanal?”. No nosso entendimento, a resposta é “sim”, porque ele mantém fortes semelhanças com as aulas presenciais, como veremos a seguir.

Campos (2012), ao estudar a disciplina de Cálculo I no curso presencial de Engenharia de uma universidade pública, descreve o padrão que ele encontrou para essa aula:

De um modo geral, a dinâmica das aulas de Cálculo segue certo padrão: o professor expõe a matéria no quadro. Os alunos tomam nota. Com base nessas anotações, selecionam, nos livros didáticos, os tópicos que estão sendo trabalhados e que serão cobrados nas provas. Para auxiliar o aprendizado, eles resolvem, individualmente, ou estudando em grupo, os exercícios do livro, referentes aos tópicos selecionados, e da lista elaborada pelo professor. As questões dessas listas são resolvidas pelos monitores que tiram as dúvidas remanescentes (CAMPOS, 2012, p. 33).

Segundo Oliveira (2008, p. 191) “é usual a visão de aula [como uma atividade] que acontece em espaço físico – sala de aula – e em uma unidade de tempo determinada – 50 minutos, por exemplo”. Porém, nosso entendimento diverge daquele apontado por Oliveira, indo ao encontro daquele descrito por Veiga (2008, p. 284) para quem aula é

[...] a atividade onde se concretiza o processo didático. Ela se desenvolve de forma diversa, conforme a relação que tenha com o tipo de conteúdo que se vai explanar. Para tanto, o professor não só define objetivos, mas seleciona e organiza conteúdos, métodos e técnicas mais adequados ao tipo de conteúdo, especifica as formas de avaliação, bem como os meios ou recursos didáticos.

Para complementar a definição de aula dada por Veiga (2008), vamos recorrer a Libâneo (2002, p. 6), que define processo didático como sendo

[...] o conjunto de atividades do professor e dos alunos sob a direção do professor, visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades intelectuais.

Assim, entendemos aula como o processo didático, para o qual o professor, um dos atores envolvidos, fez um planejamento – organização de conteúdos, definição de objetivos, etc. – para atender à ementa de uma disciplina, articulando diversos recursos didáticos – textos, explanações, exercícios, provas, etc. Dado que esse processo visa favorecer a aprendizagem dos alunos, é coerente encontra-lo tanto na educação presencial quanto na educação a distância.

As semelhanças entre as aulas se tornam mais evidentes quando organizamos, lado a lado, os materiais didáticos, os recursos pedagógicos e os elementos comunicacionais – ou seja, os artefatos – utilizados na aula presencial descrita por Campos (2012) e nas aulas de Álgebra vetorial de Clara, como o que fizemos no Quadro

5. 7.

Materiais didáticos, recursos pedagógicos e elementos comunicacionais presentes nas aulas Aulas presenciais a partir de Campos (2012, p.

32-33)

Aulas a distância de Álgebra vetorial, oferta 2013/2

 Textos didáticos (livros didáticos)  Textos didáticos (livro, apostila e fascículos65)

 Aula expositiva no quadro  Aula expositiva por meio de videoaulas

 Lista de exercícios  Lista de exercícios

 Esclarecimento de dúvidas e resolução de exercícios (linguagem oral, face a face, tanto com o professor quanto com os monitores).

 Esclarecimento de dúvidas (linguagem escrita nos Fóruns de dúvidas66 e Ferramenta Mensagens);

 Resolução de exercícios (Videoaulas da categoria videoaulas para a explicação da

65 (1) livro Matrizes, Vetores e Geometria Analítica do Prof. Reginaldo dos Santos; (2) apostila Álgebra Vetorial da própria professora; (3) fascículo Geometria Analítica I dos professores Jorge J. Delgado Gómez, Kátia RosenvaldFrensel e Nedir do Espírito Santo, do CEDERJ; e (4) fascículo Geometria Analítica II dos professores Jorge J. Delgado Gómez, Kátia RosenvaldFrensel e Nedir do Espírito Santo, do CEDERJ.

66(1) Fórum de dúvidas sobre o conteúdo da 1ª avaliação; (2) Fórum de dúvidas sobre o conteúdo da 2ª avaliação; e (3) Fórum de dúvidas sobre o conteúdo do Exame Especial.

resolução de exercícios ou Fóruns de

dúvidas).

 Provas  Provas;

 Trabalhos. Quadro 5. 7: Quadro comparativo dos artefatos.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Nas duas modalidades de aulas, os textos didáticos são utilizados de forma semelhante, com indicação de trechos para estudos e de exercícios. Semelhanças podem ser encontradas, ainda, na forma de propor as listas de exercícios, os trabalhos e as provas.

Porém, as aulas expositivas e os processos de comunicação passaram por adaptações. Nas aulas expositivas, na educação presencial, usam-se o quadro e a presença física do professor (fala, gestos e postura corporal) para apresentar o conteúdo e, na educação a distância, Clara usou videoaulas com sua escrita e fala.

O processo de comunicação, seja para trocas de informações sobre a disciplina, seja para tirar dúvida sobre o conteúdo, também teve de ser adaptado, utilizando-se a linguagem escrita – nos fóruns de discussão ou nas mensagens – e as videoaulas para explicação da resolução dos exercícios.

Não há como negar que existem especificidades nas aulas em cada uma das modalidades educacionais, mas existem, também, vários pontos comuns entre elas. A partir das comparações feitas acima, podemos chegar a conclusões semelhantes às de Oliveira (2008, p. 190):

A diferença entre a aula presencial e a aula a distância resume-se na troca da mídia: em vez de usar a biblioteca escolar ou comprar muitos livros, o estudante acessa a internet; interage em salas de bate-papo ou em fóruns virtuais, ou, na maioria das vezes, por e-mail, lista de discussão e outros meios.

Assim, entendemos que Clara passou a atuar na EaD adaptando suas práticas do presencial, articulando os artefatos que lhe eram familiares naquela modalidade. A partir da perspectiva da Teoria da Atividade podemos utilizar o conceito de órgão funcional que vem sendo utilizado e desenvolvido por Victor Kaptelinin67 com base nos trabalhos de Leontiev (1978) para entender esse processo.

Para Kaptelinin, os seres humanos combinam suas habilidades com as capacidades dos artefatos, a fim executar uma nova função ou a fim de realizar uma função existente de uma forma mais eficiente. Nessa perspectiva, a importância não está

no artefato em si e nem em seu potencial de uso (naquilo em que ele pode se tornar), mas como o artefato combina com o sujeito no desenvolvimento de determinada ação. Nessas situações, os artefatos se tornam órgãos funcionais para aquele sujeito.

Vamos recorrer a um exemplo para ilustrar a relação sujeito-artefato na geração de um órgão funcional. Algumas pessoas com problemas visuais fazem a correção de seus problemas de visão recorrendo a óculos “para perto” e a óculos “para longe”. Um artefato que pode solucionar o inconveniente de se ter dois óculos é a lente multifocal que, em uma mesma peça, tem áreas para visão de longa, média e curta distância. Porém, a aceitação dessas lentes não é unânime. Enquanto algumas pessoas se sentem totalmente adaptadas a elas, outras não conseguem usá-las. Para as primeiras, as lentes multifocais se tornaram órgãos funcionais, mas para as segundas, não.

Segundo Kaptelinin e Kuttii (1999), “de uma perspectiva mediacional há somente um sistema a ser visto: um ser humano já equipado com vários tipos de órgãos funcionais, desenvolvendo [uma atividade] de encontro a um fundo cultural e situado em uma história pessoal de interações com o mundo”68 (p. 157). Portanto, a aula pode ser considerada como essa atividade, ao passo que o professor e os recursos didáticos – como seus órgãos funcionais – formam o sistema, tendo como fundo cultural o modelo de EaD adotado na instituição na qual o professor atua. Além disso, Kaptelinin (1996a, p. 21) afirma que os

órgãos funcionais “são partes integrantes de um indivíduo que toma a decisão final sobre

quando usá-los e se eles têm de ser atualizados, modificados ou mesmo completamente abandonados”69.

De acordo com nosso relato, Clara, assim como diversos outros professores, tem utilizado na EaD artefatos que são tradicionais na educação presencial de maneira direta, como os textos didáticos, lista de exercícios, trabalhos e provas. Então vejamos.

Apesar de reconhecer que os textos para EaD possuem características específicas, na oferta de 2013/2, a professora não conseguiu escrever ou achar um texto único que atendesse ao conteúdo da disciplina e às características da modalidade. Por isso, ela

68 Traduação de “from a mediational perspective there is only one system to be seen: a human already

equipped with many kinds of functional organs, developing against a cultural background and situated in a personal history of interactions with the world”.

69 Tradução de “are integral parts of the individual, who makes ultimate decisions on when to use functional

utilizou diversos textos de outros autores, indicando partes que se complementam e que podem auxiliar os alunos na compreensão do assunto trabalhado.

De maneira recorrente, Clara propõe exercícios para que os alunos mobilizem os assuntos estudados e manifestem, voluntariamente, suas dúvidas. Como forma avaliativa, ela recorre aos trabalhos que, apesar de terem questões semelhantes às da lista de

exercícios, trazem uma motivação a mais, por serem pontuados e computados na

frequência.

Assim como tradicionalmente é feito no presencial, os trabalhos propostos na disciplina foram corrigidos manualmente e suas notas e resoluções entregues aos alunos. A diferença é que na educação a distância isso é feito por meio de arquivos digitais, disponibilizados nas salas virtuais do ambiente Moodle e não fisicamente. Essa diferença não existe com relação às provas, uma vez que elas são impressas e feitas à mão presencialmente no polo.

Em outras situações, como nas videoaulas, a professora foi adaptando, paulatinamente, a mídia para ministrar sua aula expositiva. Como nos explicou em sua entrevista, uma primeira opção foram as conferências – webconferência e/ou videoconferência. Porém, a tensão provocada pela diminuição da frequência dos alunos nos polos para assistir às conferências e a pouca interação entre alunos/professora, a motivaram buscar um novo artefato, que nesse caso foi a videoaula (Excerto 5. 9).

Clara: [...] no início [quando comecei na EaD], eu acho que exatamente pelo de fato de não ter me

adaptado à modalidade [a conferência – videoconferência e webconferência - era] o recurso que eu usava. Era o recurso que eu sabia. Que era o recurso de dar aula, escrever no quadro, então, nas primeiras disciplinas que dei, eu dava muita web e videoconferência e usava pouco das videoaulas. [...] Praticamente toda semana dava pelo menos uma videoconferência ou uma webconferência.

Excerto 5. 9: Excerto da entrevista com a professora no dia 28 ago. 2014.

No tipo de videoaula que optou por fazer – screencast –, ela conseguiu aliar a escrita e a explicação oral da aula expositiva com a baixa complexidade tecnológica e o baixo custo em equipamento. Dessa forma, foi possível, inclusive, que produzisse as videoaulas em sua própria residência.

Clara tem consciência de que sua prática é ainda impregnada pelo presencial. Segundo ela, “ainda hoje, [...] mesmo dando aula a distância, [...] muitos recursos que a gente usa, ainda são recursos do presencial” (Excerto da entrevista com a professora no

dia 28 ago. 2014). Na atividade Álgebra vetorial – oferta 2013/2, pôde-se verificar que essa influência não foi somente no uso dos artefatos, como veremos na próxima seção.