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Nosso objetivo, nesta pesquisa, compreender as relações entre a atividade docente de uma professora de Matemática de um curso a distância, que faz parte do sistema UAB, e os artefatos mediadores utilizados e apropriados por ela, tentando identificar possíveis mudanças, tanto na sua prática quanto nos artefatos, durante esse processo. Nosso interesse pela atividade docente de Clara foi se acentuando à medida que constatávamos que suas características se distanciavam daquelas que eram esperadas de um professor que atua na EaD.

Clara teve toda sua formação acadêmica pautada na educação presencial. Seu contacto com tecnologias digitais, enquanto discente, foi mínimo. Na graduação, ela “gostava de lápis e papel mesmo. [Seu] negócio era fazer conta, era pegar demonstração” (Excerto da entrevista com a professora no dia 28 ago. 2014). Nas aulas de programação, única disciplina que envolvia informática em seu curso, ela se encarregava de redigir os relatórios, enquanto os seus colegas executavam a atividade proposta. Na especialização, cursou uma disciplina relacionada ao uso de tecnologia no ensino de Matemática, porém ela “odiava essa disciplina” (Excerto da entrevista com a professora no dia 28 ago. 2014). No mestrado, não houve oferta de disciplina vinculada à tecnologia e nem os professores a utilizavam em suas aulas e ficavam mesmo no “quadro, cuspe e giz” (Excerto da entrevista com a professora no dia 28 ago. 2014).

Podemos considerar que Clara era uma usuária de nível básico de informática. Ela era capaz de utilizar o computador no seu dia a dia, por exemplo, para produzir textos e usar alguns softwares específicos da área de Matemática.

De maneira repentina, tornou-se professora da educação a distância no ensino superior. Até a época em que foi efetivada na IES em que atua, Clara não teve contacto com a educação a distância e nem pretendia atuar nessa modalidade. A sua trajetória na EaD não pode ser considerada uma exceção nas instituições públicas de ensino superior.

Em sua unidade acadêmica, que atua exclusivamente com EaD, não existe uma equipe multidisciplinar com as características esperadas para dar suporte aos professores dessa modalidade: designer instrucional, ilustrador, designer de web, profissionais de produção de vídeos, etc. Apesar de os professores da unidade contarem com uma equipe de apoio técnico, são os próprios professores os principais responsáveis pela concepção

e preparação de suas disciplinas, pela seleção e produção de recursos didáticos, pela configuração e disponibilização de suas salas virtuais no ambiente Moodle.

Apesar disso, Clara é considerada, em sua unidade acadêmica, como uma professora que consegue atuar com relativa autonomia e independência, articulando materiais de terceiros com seus próprios materiais e com recursos do ambiente Moodle, para ministrar suas disciplinas de Matemática. Por causa dessa particularidade, nós nos vimos instigados a buscar as respostas para nossas questões norteadoras: “De que maneira uma professora de conteúdo matemático, de um curso de Matemática a distância, se utiliza e se apropria de artefatos mediadores da EaD?” e “Como esse processo de apropriação pode mudar sua prática docente e os próprios artefatos?”

Na nossa pesquisa, nós nos apoiamos na perspectiva teórica e metodológica da

Teoria da Atividade para nos ajudar na construção dos dados e em sua análise. Ao

considerar como unidade de análise a atividade humana – uma formação coletiva, intencional, dirigida a um objeto e que tem uma complexa estrutura mediacional –, a

Teoria da Atividade mantém o sujeito, foco de análise, em sua relação com o entorno

social, influenciando e sendo influenciado por ele.

Os resultados obtidos na pesquisa nos indicaram que, possivelmente, Clara se baseou em suas experiências da educação presencial para iniciar sua atuação na EaD. O constructo de órgãos funcionais (KAPTELININ, 1996b) nos ajudou a entender esse processo de apropriação e adequação dos artefatos mediadores.

Assim, como vimos, gradativamente, ela foi se adaptando às novas tecnologias e se apropriando de novos artefatos, como videoconferências, webconferências, videoaulas, ferramenta Mensagem do Moodle e fóruns de discussão. Para Kaptlenim (1996b) os seres humanos usam o computador não porque querem interagir com ele, mas pelas possibilidades que se tem a partir deles. Acreditamos que a afirmação desse pesquisador, se aplica à forma de agir de Clara em relação aos recursos computacionais que utiliza.

Além disso, os resultados obtidos na pesquisa também indicaram que o incentivo de mudança, para Clara, pode ter vindo das tensões que surgiram em sua atividade

docente quando essa atividade se relacionou com outras atividades, como, por exemplo,

a dos alunos. Essas tensões fizeram com que a professora questionasse sua prática e a motivaram a buscar novos artefatos e a reestruturar suas ações. Segundo Engeström (2000),

se os atores [engajados em uma atividade] são capazes de identificar e analisar as contradições do seu sistema atividade, eles podem concentrar a sua energia para a tarefa crucial de resolver essas contradições por meio da reorganização e expansão da atividade, em vez de serem vítimas de mudanças que rolam sobre eles como forças de uma catástrofe natural85 (p. 152-153).

Antes de iniciar o semestre de 2015/1 da disciplina, consideramos que Clara viveu um momento de análise e de tomada de decisão sobre sua atividade. Quando fez o convite a Janine e a mim para trabalharmos com ela, buscou, na possibilidade desse trabalho coletivo, uma forma de mudar a atividade anteriormente estabelecida e estruturada.

Dessa forma, a professora inicia um movimento que lembra o ciclo de aprendizagem expansiva proposto por Engeström (1999a). Diante das mudanças ocorridas, consideramos que a atividade Álgebra vetorial – oferta 2015/1 pode ser uma expansão da atividade Álgebra vetorial – oferta 2013/2.

7.1 Como ficará a nova oferta da disciplina Álgebra vetorial?

Tentar prever o futuro apesar de ser estimulante é algo ainda além de nossa capacidade. Porém, diante de alguns fatos, podemos delinear algumas perspectivas.

Em nosso ponto de vista, a atividade de Clara poderá encontrar problemas relacionados à parte administrativa e de pessoal, por causa da forma como a UAB atua. Apesar de reconhecermos a grande importância que a Universidade Aberta do Brasil tem para a EaD brasileira, essa ainda não passou por um processo de institucionalização nas universidades federais. Como as ofertas dos cursos se mantêm vinculados a financiamentos por meio de editais, existe um sentimento de insegurança em todos aqueles que atuam nesse sistema. Diversos autores já discutiram esse assunto (e. g. BELLONI, 2010; MILL, 2016).

Uma das críticas recorrentes que a UAB recebe diz respeito aos tutores e ao vínculo precário existente entre eles e a IES. Como apontado por Mill (2016, p. 445), “as atividades dos tutores [...] são, geralmente, ignoradas pelas instituições do ponto de vista trabalhista. São trabalhadores com funções essenciais ao processo de ensino- aprendizagem, mas sem qualquer vínculo empregatício com a instituição”. No que diz

85 Tradução de “If actors are able to identify and analyse contradictions of their activity system, they may

focus their energy on to the crucial task of resolving those contradictions by means of reorganising and expanding the activity, instead of being victimised by changes that roll over them as if forces of a natural catastrophe”.

respeito ao nosso trabalho, ao término da oferta 2015/1 da disciplina, tanto Janine quanto Jonas se desligaram da tutoria. Assim, em uma futura oferta, não será possível contar com o trabalho deles.

Mill (2016), fazendo uma análise do cenário da EaD para o período pós-2015, afirma:

Com a crise político-econômica pela qual passa o Brasil atualmente, o cenário de bons ventos favoráveis à modalidade sofreu algumas reconfigurações. Desde o começo de 2013, a situação da UAB parece dar sinais de esgotamento, com indicativos de que os modelos de formação e, principalmente, de gestão, instituídos até então precisariam ser revistos. Em 2015, esse esgotamento dos modelos é levado a cabo, quando as IES são duramente penalizadas pelo governo federal, com corte quase integral das verbas destinadas aos cursos (em andamento ou com matrículas previstas) oferecidos pela EaD (p. 441).

Como consequência disso para o curso de licenciatura de Matemática em que Clara atua, houve um período de dois anos em que não foram oferecidas novas turmas. A turma que cursou a oferta de 2015/1 da disciplina Álgebra vetorial fez sua matrícula em 2014/2. A abertura de uma nova oferta do curso se deu em 2016/2.

Porém, todos nós – que temos a Educação a Distância como objeto de estudo e como área de atuação – torcemos por sua institucionalização e a defendemos no sentido de que continue contribuindo para o sistema educacional brasileiro.