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As autoridades tradicionais moçambicanas entre 1975 e

2.1. – a construção do Estado-Frelimo no universo rural

A independência de Moçambique, em 1975, e a ascensão da Frelimo ao controle do Estado constituiu um momento decisivo de ruptura política na relação entre as autoridades tradicionais moçambicanas e o Estado, e também de ruptura na relação daquelas para com as suas populações. Para se compreender cabalmente o impacto da ascensão da Frelimo ao poder e das transformações do modelo de relacionamento entre as autoridades tradicionais e o novo Estado independente é preciso tomar em consideração o perfil político-ideológico da Frelimo e o tipo de sociedade que pretendeu implantar, sobretudo no universo rural.

O projecto de sociedade que a Frelimo pretendeu implantar preconizava, em traços gerais, uma profunda ruptura com as estruturas sociais coloniais, sobretudo pela negação do regime de produção colonial e de acumulação capitalista. Uma das primeiras tarefas da Frelimo foi a implantação de uma estrutura nacional que, por um lado obstasse ao colapso do Estado colonial com a saída dos portugueses e, por outro, permitisse estruturar uma ampla base social de apoio. Este processo de estruturação nacional seria regido pelos princípios do “centralismo democrático” e do “poder popular”.

Assim, ainda durante o período do governo de transição, em 1994, foram criados os Grupos Dinamizadores (GDs), com a missão de mobilizarem as populações e de servirem de correias de transmissão vertical das orientações emanadas do comité central da Frelimo (Egero, 1987: 66). Além das funções de enquadramento ideológico, os GDs assumiram também um papel determinante na organização social local, nos bairros e nas aldeias, e no controle da produção. Na verdade pode afirmar-se que o controle sócio-político, ao nível nacional, passava mais pelo poder dos GDs que dos órgãos administrativos do Estado. O

facto da composição social dos GDs ser bastante heterogénea, em que os seus membros tanto podiam ser elementos oriundos da luta armada, como indivíduos com fraca ligação à Frelimo, ou mesmo comprometidos com a administração colonial, fazia com que esta estrutura fosse sujeita a manipulações, de ordem pessoal ou outras, sendo que nem sempre as orientações locais dos GDs eram consonantes com as orientações políticas nacionais do Estado-Frelimo.

A Frelimo criou ainda outras organizações, denominadas “Organizações Democráticas de Massas”, que desempenhavam também funções de enquadramento ideológico para sectores específicos da população, e que pretendiam consubstanciar o ideal do “poder popular”. O Partido pretendia exercer assim, por via dos GDs e das Organizações de Massa, um controle quase absoluto sobre todos os aspectos da vida económica, política e social do país, num processo de fusão entre o Partido e o Estado (Cahen, 1985: 49).

Neste novo ideário pode afirmar-se que o projecto do Estado-Frelimo consubstanciava igualmente a desarticulação das sociedades tradicionais cujo desaparecimento, acreditava-se, iria dar lugar ao surgimento de uma Nova Sociedade e de um “Homem Novo”. Este novo ideário encontra-se bem marcado nas palavras do Presidente Samora Machel, para quem “A construção da Nova Sociedade em que estamos empenhados é indissociável da criação do Homem Novo” (Machel, 1979: 25). Processo este que passava quer pela abolição da sociedade colonial quer da sociedade tradicional.

Sobre as sociedades tradicionais diz Samora Machel:

“Na nossa sociedade tradicional duas forças agiram para asfixiar a capacidade de raciocínio e a iniciativa do Homem. A sociedade africana, quando da invasão colonial, ainda não tinha procedido à separação entre a ciência física e a metafísica. (...) A sociedade, que se encontrava no limiar do feudalismo, era pois uma sociedade fechada, apegada às suas tradições, receosa do contacto com o exterior e das transformações” (idem: 24-25).

A Frelimo propunha-se então transformar as estruturas sociais quer da sociedade tradicional quer da sociedade colonial pois que “para nós o racismo e os seus irmãos gémeos o tribalismo e o regionalismo, constituem autênticos crimes contra-

revolucionários” (idem: 10).

Este “desprezo” da Frelimo pelas sociedades tradicionais moçambicanas derivava de uma dupla necessidade política. Por um lado, a construção do novo modelo de sociedade, segundo os ditames do marxismo científico, obrigava à abolição dos sistemas de relações sociais coloniais e pré-coloniais, para darem lugar a um modelo relacional baseado no ideário da “aliança operário-camponesa”. Por outro lado, a Frelimo sentia obviamente a necessidade de construir uma identidade nacional nova, refutando toda a diversidade social, política e cultural que compunha o tecido social moçambicano, pois como refere Christian Geffray:

“ Il convenait de fonder en droit l’unité de cette comunauté nouvelle, naissante e fragile, de treize millions de sujets, en s’efforçant d’aliéner la conception qu’ils se faisent de leur principal appartenance sociale à l’invocation d’un signifiant unique, maître mot d’une identité nouvelle:’la citoyeneté mozambicaine’” (Geffray, 1988b: 77).

A relação entre o Estado moçambicano e as “sociedades tradicionais”, ou sociedades rurais, pode ser melhor compreendida através da análise da evolução das diferentes estratégias de desenvolvimento rural adoptadas após a independência.

No período entre a independência e a realização do IIIº Congresso, em 1977, a estratégia adoptada centrava-se na noção de colectivização dos meios de produção e consumo, materializada através da criação de aldeias comunais. As aldeias comunais constituíam o princípio organizacional de enquadramento dos camponeses no modo de produção colectivo. Segundo a concepção do Estado-Frelimo o acantonamento dos camponeses em aldeias comunais permitia: a) introduzir nas sociedades camponesas princípios de organização social modernos, pois acreditava-se que a concepção urbanística das aldeias iria influir numa crescente urbanização das populações rurais; b) criar uma rede de serviços sociais (educação e saúde, nomeadamente) que afectasse a maioria da população; c) satisfazer as necessidades em bens de consumo, pela criação das cooperativas de consumo e pela autonomia produtiva das aldeias através da produção colectiva nas “machambas do povo”. Finalmente, as aldeias comunais permitiam claramente uma maior

mobilização e enquadramento político das populações rurais.

A partir do IIIº Congresso esta estratégia de desenvolvimento rural sofreu uma forte alteração. Este Congresso constitui um momento de mudança profundo nas estratégias de desenvolvimento nacional e pode afirmar-se que consubstancia a viragem da Frelimo ao marxismo-leninismo. O Partido reforça o ideal de construção de um Estado socialista, de influência estalinista, através da introdução da economia planificada e da centralização da decisão política; do privilegiar do sector estatal produtivo como motor do desenvolvimento, sobretudo do sector industrial pesado. Neste modelo, o sector rural estatal, sobretudo pelo desenvolvimento do sector agro-industrial e da produção de exportação, seria o veículo de acumulação de capitais para o desenvolvimento industrial.

As aldeias comunais continuam a desempenhar um papel de relevo no novo modelo de desenvolvimento rural. Já não pelo fomento da produção colectiva, mas porque constituíam reservas de mão-de-obra camponesa para trabalhar nas “machambas do Estado”. O modelo pretendia assim dar expressão ao processo de transição dos camponeses para proletários rurais. Contudo, é essencial verificar os efeitos que estas duas estratégias de desenvolvimento provocaram nos modelos tradicionais de reprodução social.

As estratégias de desenvolvimento rural provocaram um efeito desestruturante no modelo de produção tradicional, que assentava na produção familiar, e esse factor constituiu uma condicionante decisiva na mobilização e adesão dos camponeses ao projecto nacional. A concentração das populações camponesas em aldeias comunais, como demonstra Yáñez Casal, veio transformar radicalmente a relação entre a gestão do habitat e o sistema de produção, característico das sociedades tradicionais (Casal, 1988: 166). Nestas, o sistema de produção assentava na existência de pequenas unidades familiares, em que os níveis de produtividade dependiam da capacidade e das necessidades de consumo da família. O habitat disperso correspondia a uma lógica de gestão dos recursos naturais, nomeadamente a terra.

habitat e na produção colectiva, não só se mostrou incapaz de substituir os níveis de produtividade da produção familiar, como acabou mesmo por provocar a sua derrocada. Para tal muito contribuíram dois factores: a gestão da mão-de-obra familiar e a localização das machambas familiares. Em relação ao primeiro aspecto sublinhe-se que a obrigatoriedade de cada unidade familiar em contribuir com um elemento/dia para a produção colectiva implicava uma perda significativa de mão-de-obra disponível nos períodos mais críticos do ciclo agrícola, períodos esses que exigem o pleno emprego familiar e mesmo o recurso à ajuda externa.

Em segundo lugar, nas aldeias comunais existiam fortes problemas de escassez de terra obrigando a que a maioria das machambas familiares se localizassem a distâncias muito consideráveis, implicando um enorme gasto de tempo no percurso, com custos evidentes na produtividade. A diminuição da produção familiar constituiu um factor determinante na desorganização do modelo de reprodução das sociedades rurais que continuavam dependentes da produção familiar, devido à incapacidade do modelo de produção colectiva em fornecer os rendimentos necessários e esperados. Deste modo as sociedades rurais mostraram-se bastante resistentes na defesa do seu modelo de produção familiar.

O projecto de socialização rural significou igualmente a desestruturação dos modelos de relações políticas e sociais existentes no universo rural. Ainda segundo Yáñez Casal uma das questões que se revelou mais desestruturante foram os conflitos que se geraram pela posse de terras ao redor das aldeias comunais. A alocação de machambas familiares processava-se segundo a ordem pela qual cada família ocupava o seu lugar na aldeia. Deste modo resultava que as famílias que viviam na zona de implantação de uma aldeia saíam em geral beneficiadas, podendo manter as suas antigas machambas. As últimas famílias a ocupar a aldeia acabavam por ficar com as que se encontravam mais distantes e em geral de pior qualidade (Casal, 1988: 176-177).

Apesar da pertinência destas críticas às estratégias de desenvolvimento rural do Estado-Frelimo e sobretudo ao projecto de aldeamento comunal, é preciso contudo

relativizar bastante a situação porque até 1980/1981 este factor não era decisivo, ao nível nacional. Até esta data em muitas regiões do país o processo de aldeamento comunal foi bastante incipiente ou mesmo inexistente e o Estado não exercia ainda grande pressão sobre as famílias no sentido de se deslocarem para as aldeias, o que permitia a estas adoptarem algumas estratégias de resistência. Estas estratégias eram bastante diferenciadas pois as famílias tanto podiam ocupar parcialmente o seu lugar na aldeia durante alguns dias e passar o resto do tempo nas suas terras ancestrais, ou enviarem para aldeia apenas uma parte da família, ou mesmo fugirem pura e simplesmente para zonas do interior.

Nesse sentido pode afirmar-se que até 1980/81 na generalidade do país o problema maior, enfrentado pelas famílias camponesas, foi a ruptura das redes de abastecimento de produtos de primeira necessidade, oriundos do universo urbano e das redes de escoamento e venda dos produtos agrícolas. Estas redes estavam quase exclusivamente nas mãos dos pequenos comerciantes portugueses e desagregaram-se quase inteiramente com a descolonização, não sendo o Estado capaz de as substituir, apesar de ser essa a ideia de fundo que presidiu à criação das cantinas rurais, ou “lojas do povo”.

A partir dos anos de 1980/81, com o aumento de intensidade da guerra com a Renamo, o Estado tornou-me progressivamente mais incisivo no processo de aldeamento compulsório, com o exército e os GDs a intervirem mais assiduamente, por vezes de modo extremamente violento. A partir desta fase foram criadas numerosos Centros de Refixação de População, aos quais a população e os agentes locais do Estado e da Frelimo continuaram a denominar de aldeias comunais, mas que já não obedeciam a nenhum princípio de socialização rural ou de colectivização da produção.

2.2. – resistências camponesas, autoridades tradicionais e guerra civil.

O projecto de socialização rural encontrou uma forte oposição por parte da generalidade das populações rurais e como consequência o Estado e a Frelimo foram perdendo gradualmente aceitação e legitimidade, para essas mesmas populações. Esta perda

resulta de uma nítida inflexão dos padrões de adesão e mobilização das populações rurais que, após os primeiros anos a seguir à independência, viram as suas expectativas iniciais serem progressivamente defraudadas. Para tal muito contribuíram as políticas estatais de desenvolvimento rural e as concepções ideológicas da Frelimo que, como foi sublinhado, via nas sociedades rurais tradicionais um modelo de sociedade contra-revolucionário que devia ser aniquilado.

Nesse âmbito, a reacção das populações rurais acabou por assumir contornos de resistência económica, política, cultural e religiosa. Isto é, para a maioria das populações rurais a resistência à implantação dos modelos estatais consubstanciava essencialmente a defesa de um modelo de reprodução social local, concebido como tradicional. Até ao início da década de 1980 estas resistências raramente atingiram uma expressão de contestação pública e as populações optavam essencialmente por estratégias de não-participação. Com o alastrar da guerra civil com a Renamo este cenário modificou-se, e em certas regiões do país as populações manifestavam-se contra o Estado-Frelimo.

Este aspecto foi em geral obscurecido nas análises académicas produzidas até meados da década de 1980. A maioria dos autores, sobretudo estrangeiros, optavam por sublinhar o impacto da guerra como mecanismo de desestruturação do tecido produtivo moçambicano. Autores como Joseph Hanlon e Jonh Saul (Hanlon, 1984; Saul, 1990), preferiram centrar o núcleo das suas análises na política de agressão levada a cabo pela África do Sul, enquanto fonte de ignição da Renamo e da consequente destruição das estruturas económicas levada a termo por este movimento. O falhanço das estratégias estatais e o subdesenvolvimento do país, na opinião destes autores, derivava assim directamente das acções terroristas da Renamo e da política de instabilidade regional promovida pela África do Sul.

Não obstante, é no quadro do próprio partido Frelimo e do Estado que se escutam as primeiras vozes críticas ao processo de socialização rural e às estratégias de desenvolvimento rural. A reunião do Conselho de Ministros, de Abril de 1981, e a 1ª Conferência Nacional da Frelimo, em Março de 1982, constituem dois momentos nos quais

as mais altas instâncias do Estado e do partido Frelimo reconhecem que o projecto de aldeias comunais não atingiu os objectivos pretendidos e que existia pouca mobilização por parte dos camponeses (Casal, 1991: 70).

Mas o momento propiciatório para o debate surge durante os encontros nacionais preparatórios do 4º Congresso da Frelimo, que teve lugar em 1984. Nos documentos preparatórios as críticas ao processo de socialização rural centram-se, sobretudo, em dois campos: o excesso de peso atribuído aos grandes empreendimentos agro-industriais estatais, que provocava o estrangulamento do sector cooperativo; e à pouca importância que se atribuía à produção familiar, desprezada pelas estratégias de desenvolvimento rural mas que continuava a formar a base da produção e subsistência das populações rurais.

Contudo, como sublinha Yáñes Casal, a formulação destas críticas não visa a inflexão das práticas nem das concepções ideológicas pois:

“não se trata de questionar, nem a concepção política da economia, nem a estratégia do desenvolvimento. O objectivo é precisamente o contrário: Salvar o modelo e a ideologia, consolidando-os e purificando-os. O 4º Congresso tem funções de exorcismo. O discurso gera-se no interior do aparelho, formaliza-se e renova-se, sem, no entanto, se modificar” (Casal, 1991: 73).

Um dos autores que colocou maior ênfase no estudo dos impactos e reacções das sociedades rurais ao projecto de socialização rural e das aldeias comunais foi o antropólogo francês Christian Geffray (Geffray, 1988a, 1990), com os seus estudos sobre o distrito de Érati, na Província de Nampula.

Christian Geffray não nega a influência das agressões externas da Rodésia do Sul e da África do Sul na evolução negativa dos projectos de desenvolvimento rural moçambicanos, sobretudo pelo apoio que estes dois países deram à Renamo e à sua luta armada. O que o autor defende é que esta explicação só recobre parcialmente a realidade pois existiam um conjunto de factores endógenos, que se relacionavam com o impacto negativo do projecto de socialização rural do Estado-Frelimo e com as reacções das sociedades rurais, que influenciaram a participação dessas populações nos projectos estatais

e na sua adesão à Renamo.

Segundo este autor, um dos principais pontos de tensão entre a população do distrito de Érati e o Estado centrou-se na abolição do sistema de poder tradicional, pois como afirma:

“tous les faits et témoignages relatés dans ce livre révéleront assez l’importance de leur position politique, les effets désastreux de leur marginalisation et de leur humiliation. Toutes les interprétations locales formulées à propos des origins et du sens de la guerre actuelle les évoquent. (...) la mise à l’index de ces notables et de leurs prérogatives politiques, sociales, religieuses, et à l’audition du discours véhément qui les ridiculisait, les menaçait et les insultait, les populations ont entendu distinctement que le Frelimo entreprenait de dénier leur existence sociale comme telle” (Geffray, 1990: 31-32).

A reacção das populações contra o projecto ideológico do Estado-Frelimo preconizava, na sua opinião, a defesa de um modelo local de reprodução social.

Por outro lado, o projecto de socialização rural, nomeadamente o estabelecimento das aldeias comunais, alimentava conflitos internos que não se restringiam apenas a disputas pelo acesso às melhores terras mas também pelo controle das cooperativas de consumo. Estas disputas integravam-se num conflito mais lato entre grupos familiares por um acesso privilegiado junto da administração estatal, no sentido de influenciarem a localização da aldeia comunal nas suas terras ancestrais, mas igualmente para promoverem a mobilidade política e social de alguns membros da famílias, pois como adianta Christian Geffray:

“les familles qui parvirent à faire édifier le village sur leurs terres virent certains de leurs membres promus à une position politique et administrative clé, tandis que le reste de la population était marginalisé politiquement et exclus de l’accès aux biens du marché” (idem: 33).

Ainda segundo este autor, o conflito entre o Estado e as sociedades camponesas seria aproveitado pela Renamo, que orientou a sua estratégia para a mobilização de largos sectores da população rural descontentes com as políticas do Estado-Frelimo. No distrito de Érati:

“des sociétés entières on fait bloc derrière leurs chefs locaux, et plusieurs de milliers de personnes se sont ainsi mises massivement hors de portée de l’État du Frelimo, à l’intérieur des espaces géographiques et sociaux dégagés militairement par la Renamo” (idem: 39).

Para efeitos de mobilização e de criação de uma base social de apoio, a Renamo contou com o suporte local de três grupos sociais: as autoridades tradicionais locais, marginalizadas pelo Estado-Frelimo; as famílias mais prejudicadas com o processo de aldeamentos; e os jovens, que pretendiam fugir ao modo de vida rural mas que não se conseguiram integrar no universo urbano.

Contudo, como sublinha o autor, a adesão destes grupos sociais e da população em geral à Renamo não expressa apenas uma estratégia de evasão às políticas estatais de desenvolvimento rural, pois esta adesão não assumiu contornos universais para estes grupos sociais. Esta adesão manifestou-se através de uma linha de clivagem sócio-económica enraizada na história recente destas populações. Nesse sentido, segundo Christian Geffray a fractura política entre as populações e os elementos dos três grupos sociais mencionados que aderiram à Renamo e os que optaram pela protecção do Estado tinha como base uma clivagem histórica entre grupos que foram privilegiados durante a época colonial e grupos desfavorecidos, clivagem que foi mantida pelo Estado pós-colonial:

“(...) les populations légitimistes du Frelimo furent aussi les privilégiées de la situation coloniale, tandis que les marginaux et rebelles de la situation coloniale sont demeurés les marginaux de l’État indépendant, avant de devenir les dissidents du Frelimo et de s’en remettre à l’autorité militaire de la Renamo” (idem: 41). Este modelo analítico de Christian Geffray contém algumas propostas de interesse inegável no que concerne à análise da relação entre o Estado e as sociedades rurais moçambicanas, pois possibilita um melhor conhecimento das dinâmicas sociais locais após