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Sobre o conceito de autoridade tradicional

1.1. o conceito de poder político

Uma primeira preocupação na delimitação do conceito de autoridade tradicional prende-se com a definição dos conceitos que constituem o que se poderia chamar de fundamentos do domínio do político, nomeadamente dos conceitos de poder e de poder político. Max Weber, um dos teóricos mais influente nos estudos sobre o poder, definia em 1922 este conceito como sendo “la probabilidad de imponer la propria voluntad, dentro de una relación social, aun contra toda resistencia y cualquiera que sea el fundamento de esa probabilidad” (Weber, 1944 {1922}: 43). Por sua vez, António Fernandes defende que o poder existe numa relação “desde que esteja em causa a realização de algum objectivo, a procura de qualquer interesse ou a mera afirmação pessoal” ( Fernandes, 1988: 45).

Tomando em consideração estas duas noções sobre o poder, importa realçar desde logo que o poder encontra-se presente em todas as relações sociais e constitui um facto inerente a toda a vida social. Desde que dois indivíduos se encontrem em relação existem relações de poder e elas constituem uma parte fundamental dessa mesma relação, pois existe sempre a tendência de influenciar a relação no sentido do interesse de cada uma das partes.

Sendo parte integrante de uma dada relação social, entre indivíduos ou grupos, o poder contém em si alguns pressupostos que o substantivam. Em primeiro lugar, o poder assume um carácter instrumental, na medida em que se orienta para a realização de objectivos e vontades. Em segundo lugar, ele pressupõe a existência de assimetrias sociais de base, as quais acentua e sobre as quais se alimenta e desenvolve. Esta diferenciação concorre pois para o estabelecimento de desigualdades sociais que estão na base do

estabelecimento de uma hierarquia social, mais ou menos definida. Pressupõe também um campo de relações sociais estruturadas, onde se desenvolvem e consubstanciam as relações de força, relações de poder, que lhe são inerentes, pois como afirma António Fernandes “desde que, consequentemente, se formem assimetrias em universos estruturados, aí se afirmam relações de poder. Este é, então, uma das características de todas as organizações e instituições sociais” (idem: 56). Esta fórmula tem a vantagem de ignorar, se ainda era necessário, o mito da igualdade primordial e das sociedades sem poder.

Georges Balandier acrescenta uma outra característica do poder, que é a de gerar um equilíbrio interno à própria sociedade, no sentido em que “o poder tem por função defender a sociedade contra as suas próprias fraquezas, conservá-la, poderíamos dizer, em ‘estado’” (Balandier, 1980 {1967}:45). O que está em causa nesta afirmação é que o poder estrutura e limita a competição entre indivíduos e grupos, impedindo que essa competição, por natureza instável, conduza ao caos social pois, como o próprio autor afirma,“ definir- se-á o poder como resultante, para toda a sociedade, da necessidade de lutar contra a entropia que a ameaça de desordem” (idem: 46).

Esta proposição oferece a vantagem de chamar a atenção para a ambiguidade que o poder representa, no sentido de que é simultaneamente coerção e coesão. Coerção porque se trata da imposição de vontades, ideias, normas, valores, etc., de um indivíduo ou grupo sobre os outros. Mas uma imposição limitada, porque deve ser contida dentro de limites socialmente aceites, não colocando em risco a própria sobrevivência da sociedade. Coesão porque a aceitação implica formas de cooperação e de unidade, no seio da sociedade. O autor chama ainda a atenção para o facto de que o poder é um factor de coesão interna à sociedade, pois ele representa-a , quer ao nível interno quer externo.

É nesta ambiguidade que se jogam os limites sociais do poder, no sentido em que, sendo necessário à vida social constitui, no entanto, uma ameaça permanente à sociedade, pelo risco de excesso de coerção. Ameaça essa que deve ser socialmente controlada e contida. Este facto exige, então, uma relação dialéctica entre aqueles que detêm o poder e os outros que a ele se submetem. Isto é, esta relação implica a existência de um

consentimento por parte de quem obedece, e uma legitimidade por parte de quem manda. Pois, como sublinha Jean-William Lapierre, o exercício do poder não se satisfaz plenamente apenas na imposição de decisões, é preciso que estas sejam obedecidas para que a relação de poder se complete. Segundo este autor, “le pouvoir s’accomplit dans une relation sociale caractéristique: commandement-obéissance” (Lapierre, 1968: 44), obediência essa que se realiza ou através do consentimento ou da violência. No primeiro caso, estamos perante uma situação de exercício de poder legítima, no segundo caso a imposição forçada transforma a relação mando-obediência, numa relação de dominação- submissão (idem: 57).

Este binómio mando-obediência constitui o cerne da teoria de poder do próprio Max Weber. Para este autor, o que é relevante não é tanto o poder em si, isto é a capacidade de influir sobre a conduta alheia, mas sim o que ele considera ser um caso especial do poder: a dominação, tomada como a “(…) probabilidad de encontrar obediencia a un mandato de determinado contenido entre personas dadas” (Weber, 1944 {1922}: 43), ou ainda, numa outra formulação:

“ un estado de cosas por el cual una voluntad manifiesta (‘mandato’) del ‘dominador’ o de los ‘dominados’ influye sobre los actos de otros (del ‘dominado’ o de los ‘dominados’), de tal suerte que en un grado socialmente relevante estes actos tienen lugar como si los ‘dominados’ hubieran adoptado por si mismos y como máxima de su obrar el contenido del mandato (‘obediencia’)” (idem: 699).

A ideia de que a dominação é uma forma de poder legitimada pelo consenso encontra-se igualmente em Antony Giddens, para quem “domination, as a structural feature of social systems, always operates in conjunction with signification and legitimation in the concrete contexts of social life” (Giddens, 1995 {1981}: 51).

Segundo Jean-William Lapierre, podem distinguir-se diversas práticas de dominação: pela autoridade; pelo prestígio; pela influência; ou pela ascendência. Max Weber emprega o conceito de autoridade para designar esta dominação legítima. Para ele, todas as formas de autoridade, ou dominação, procuram encontrar e fomentar a crença na sua legitimidade. A legitimidade constitui assim a essência da verdadeira autoridade.

Definido o conceito de poder, importa compreender o que relaciona e distingue o poder, no sentido global, com o poder político. Jean-William Lapierre oferece uma aproximação, pela negação, ao afirmar de que “tout pouvoir n’est pas politique” (Lapierre, 1968: 72). Por seu turno, António Fernandes defende que a política é normalmente entendida como um campo em que diferentes agentes sociais, indivíduos ou grupos, confrontam e afrontam os seus projectos e formas de organização social, para a sociedade global (Fernandes, 1988: 44). Pode adiantar-se que para este autor o poder constitui o factor estruturante da política, pois como ele próprio adianta “o poder torna-se político quando envolve o domínio das relações mando-obediência, no âmbito da totalidade da sociedade” (idem: 60,61), preposição que se aproxima bastante das ideias de Max Weber.

Nestas preposições encontramos a noção chave de que o político constitui um campo de relações sociais específicas, embutidas no campo mais vasto das relações de poder, pois como sublinha Jean-William Lapierre “le politique n’est pas tout le social, que le rapport politique est une espécie déterminée de rapport social, que le pouvoir politique émerge à un certain niveau de la structure sociale” (Lapierre, 1968: 37). Esse nível da estrutura social, a que o autor se refere, é o nível em que os indivíduos, ou os grupos, lutam ou negoceiam pela imposição de modos específicos de organização da sociedade global, pois como ele afirma, “le pouvoir politique est la fonction sociale qui consiste à prendre des décisions pour l’ensemble de la société globale (…) et à assurer l’exécution par l’autorité souveraine et la suprématie de la puissance publique” (idem: 81). Pode assim afirmar-se que o poder político organiza e enquadra um espaço de relações sociais, delimitado por um determinado universo espacial.

Tomando ainda como referência António Fernandes, e a ideia de que o político é o domínio das relações mando-obediência, parece igualmente pertinente adiantar que o político é dominação, no sentido weberiano do conceito. Ou seja, que o político implica uma suavização das relações coercivas do poder, pela imposição do consentimento social. Dito de outro modo, o político (ou a dominação) minimiza as contradições e os conflitos de interesses que, pela exacerbação, colocam a sociedade global em risco de sobrevivência. Neste sentido é o poder político, e não o poder em si, como defendia Georges Balandier,

quem protege a sociedade da entropia e do caos. É também ele que reforça a coesão interna, pela necessidade de estabelecer formas de relacionamento com outros grupos sociais.

A legitimidade constitui pois um princípio estruturante do poder político. Importa aqui, antes do mais, distinguir, como o faz António Fernandes, entre legitimidade e legitimação. A primeira constituindo o facto em si, resultante das concepções e das práticas sociais, a segunda referindo-se ao processo de formação da primeira (Fernandes, 1988: 210).

A noção de legitimidade do poder político através do consentimento pode associar- se também com o conceito de accountability. Para John Lonsdale, accountability é um conceito moral que diz respeito à responsabilidade da governação, devida pelos dominantes aos dominados. A dominação e a governação da sociedade global, aparecem como resultantes de um contracto social, estabelecido entre dominantes e dominados, contracto que se consubstancia nas noções de autoridade e obediência e cujos limites se jogam na aceitação das regras do jogo político pelos dominantes e pelos dominados. Um contracto em que existe um equilíbrio de imposições quer dos que detêm o poder quer dos que a ele se submetem, pois como afirma o autor “accountability organises powerful individuals by obliging them to be collectively responsible for the social acceptability of their power” (Lonsdale, 1986: 136).

Deste modo, a noção de political accountability diz respeito a uma relação, substantivada na soberania e na governação da sociedade global, entre quem governa e quem é governado. Relação necessariamente dialéctica, na qual se expressa o modo como o poder é partilhado e, simultaneamente, se define o conjunto de mecanismos formais e informais com os quais a sociedade política se relaciona com a sociedade global. Relação essa que é simultaneamente de reciprocidade e de desigualdade (Chabal, 1994: 54).

Trata-se, no entanto, também de uma relação de grande ambiguidade, como de resto sublinha Georges Balandier, ao afirmar que a ambiguidade é um atributo fundamental do poder político (Balandier, 1980: 50). Ambiguidade, porque esta relação funda-se na

desigualdade e nas assimetrias sociais, atribuindo aos que detêm o poder político privilégios sociais; porque esse poder é simultaneamente contestado e consentido, e por vezes mesmo venerado; e porque a necessidade de legitimação implica um equilíbrio constante entre tendências autocráticas, por parte de quem domina, e uma contestação permanente, por parte da sociedade global, que visa limitar e conter essas mesmas tendências autocráticas. Deste modo diz Georges Balandier “a astúcia suprema do poder é contestar-se ritualmente para melhor se consolidar efectivamente” (idem: 51).

1.2. - os conceitos de autoridade e de tradição

Como se sublinhou no ponto anterior Max Weber utilizou o conceito de autoridade como sinónimo de dominação legítima e definiu três ideais-tipo de autoridade, ou dominação legítima, cujos fundamentos podem ser de natureza: 1) legal ou racional; 2) tradicional; 3) carismática. No primeiro caso, a obediência acontece em relação a ordenações impessoais e objectivas, legalmente estatuídas, e a pessoas por elas designadas. No caso da autoridade tradicional, a obediência centra-se na pessoa do senhor, assim considerado pela tradição, e vinculado a ela no círculo do que é consuetudinário. Na autoridade carismática obedece-se ao caudilho, por razões de prestígio e confiança pessoal, dentro do círculo em que tem validade a fé no seu carisma (Weber, 1944 {1922}: 172).

Olhando um pouco mais demoradamente para o que o autor escreveu sobre a autoridade tradicional, vemos que a base deste ideal-tipo de dominação encontra-se no que ele definiu de santidade das ordenações e poderes de mando, emanados desde tempos antigos, sendo a obediência devida a essa mesma qualidade (idem: 180). Neste caso, o soberano aufere de um poder personalizado e de relações de fidelidade que se estabelecem com os seus súbditos. O poder não advém do cargo que ocupa, nem a obediência se deve a disposições estatuídas, como no caso da autoridade legal-racional, pelo contrário, a obediência é devida à pessoa (soberano) que, por via da tradição, se encontra portadora desse poder.

Nesse sentido, o seu poder encontra duas formas de legitimação: a) pela força da tradição; b) pelo livre arbítrio do soberano, a quem a tradição outorga legitimidade de decisão, assim como define os limites das suas ordenações (idem: 181). Significando que o soberano tem legitimidade para distribuir, ordenar ou punir, segundo a sua própria vontade pessoal. Um aspecto necessariamente importante desta forma de autoridade é a de que as rupturas de legitimidade, ou de accountability, utilizando a expressão de John Lonsdale, que possam ocorrer, expressam-se em rupturas na relação comando-obediência entre o soberano e os seus súbditos, que no entanto podem não colocar em causa os fundamentos do sistema de poder.

De acordo com Max Weber, os tipos originais desta forma de autoridade são: a gerontocracia e o patriarcalismo. No primeiro caso, a autoridade é exercida em função da idade dos detentores do poder, em geral os mais velhos (quer real, quer simbolicamente). O patriarcalismo é uma forma de autoridade exercida por uma pessoa cujo poder deriva das regras de sucessão em curso na sociedade global (idem: 184). Qualquer um destes dois tipos de autoridade, ainda segundo Max Weber, pressupõe que na estrutura de poder não exista ainda um aparelho administrativo instituído, de apoio ao soberano. Por isso, este é sobretudo um primus inter pares, cujo poder depende verdadeiramente da aceitação da sociedade global.

O desenvolvimento de um aparelho administrativo, jurídico e militar, ligado ao soberano está, para Max Weber, relacionado com o surgimento histórico do patrimonialismo. Um dos principais fundamentos desta forma de autoridade é a ausência de distinção entre a esfera do que é privado e do que é público, ou como sublinha o autor, entre património público e privado (idem: 784). Significa isto que o soberano exerce a administração da vida pública (económica, política, social, religiosa, etc.,) como se fosse um domínio privado, pessoal. Por sua vez, o soberano delega parcelas deste poder aos membros do seu quadro administrativo que, por sua vez, o exercem nos mesmos moldes patrimoniais. Neste caso, o poder que esses membros adquirem advêm directamente das relações pessoais, familiares ou outras, que estabelecem com o soberano, e está

inteiramente dependente da sua vontade.

Nesta formulação teórica Max Weber não adianta nada de concreto sobre o que entende por tradição. Esta surge apenas como algo que se reporta a coisas vindas do passado, de “tempos imemoriais”. Nesse sentido, a noção weberiana de tradição têm a característica de se reportar a factos que tanto podem ser históricos ou míticos, na verdade a-históricos, porque a sua temporalidade não é enunciada nem discutida. Por isso pode afirmar-se que a noção de tradição surge em Max Weber bastante marcada por outras noções, como as de sacralidade e imutabilidade. O conceito torna-se assim impreciso e demasiado estático.

As questões da temporalidade são, no entanto, fundamentais para se compreender as dinâmicas sociais em jogo, quando se fala de tradição. Por exemplo para Antony Giddens, “a tradição não se refere a nenhum corpo particular de crenças e práticas, mas à maneira como essas crenças e práticas estão organizadas, especialmente em relação ao tempo” (Giddens, 1996 {1990}: 73). A tradição expressa então um modo específico de estruturar o tempo. A noção de “tempo reversível” de Lévi-Strauss oferece uma boa ajuda nesse sentido, uma vez que define uma temporalidade que é simultaneamente histórica e não-histórica. Histórica, porque a uma determinada sequência de acontecimentos passados pode ser atribuída uma temporalidade factual original, mas igualmente não-histórica porque essa sequência de acontecimentos continua dotada de uma eficácia permanente, que permite interpretar a realidade da estrutura social actual, assim como permite entrever as evoluções futuras dessa estrutura (Lévi-Strauss, 1985 {1958}: 240-241) .

Antony Giddens interpreta esta noção de “tempo reversível” como sendo a temporalidade da repetição, isto é, o passado como meio de organizar o futuro. Neste sentido, para o autor:

“tradição é rotina, mas é uma rotina que tem um significado intrínseco e não meramente um hábito vazio só pelo hábito. Os significados das actividade rotineiras residem no respeito geral, ou reverência até, intrínsecos à tradição e na ligação da tradição com o ritual” (Giddens, 1996 {1990}: 74).

A tradição baseia-se num conjunto de crenças e práticas sociais rotineiras, cujo sentido permite compreender o presente e o futuro, pela invocação do passado.

Em 1991, Shmuel Eisenstadt já tinha definido tradição como sendo:

“(…) a simbolização rotinizada dos modelos da ordem social e da constelação de códigos e linhas de orientação que desenham os limites da ordem social vinculativa, da pertença a ela, e que definem as escolhas ‘adequadas’ de objectivos e padrões de comportamento. A tradição pode também ser considerada como o conjunto dos modos de avaliação, bem como de sancionamento e legitimação, da ‘totalidade’ da ordem cultural e social, ou de qualquer das suas partes” (Eisenstadt, 1991: 270).

Nesta definição, é nítido que o autor entende que a tradição não atribui apenas significação ao presente, mas que constitui um modo de legitimação da ordem social vigente, através da continuidade que o presente estabelece com o passado.

Apesar das virtualidades destas duas definições sobre o conceito de tradição, é preciso estar atento a uma questão fulcral, para a qual Eric Hobsbawm nos chama a atenção desde 1983, ou seja para a consideração de que certos factos sociais dados como tradicionais são na realidade de origem bastante recente ou, por vezes, são mesmo inventados. O autor utiliza o termo de “tradição inventada” num sentido:

“(…) broad, but not imprecise sense. It includes both ‘traditions’ actually invented, constructed and formally instituted and those emerging in a less easily traceable manner within a brief and dateable period (…) and establishing themselves with a great rapidity” (Hobsbawm, 1992 {1983}: 1).

Neste âmbito, “tradição inventada” significa:

“(…) a set of practices, normally governed by overtly or tacitly accepted rules and of a ritual or symbolic nature, which seek to inculcate certain values and norms of behaviour by repetition, which automatically implies continuity with the past. In fact, where possible, they normally attempt to establish continuity with a suitable historic past.” (idem: ibidem).

Definição que se presta tanto para as tradições inventadas mais recentes, como para as tradições mais antigas.

Contudo, diz-nos o autor que estas “tradições inventadas”, apesar de se reportarem a um determinado passado histórico, na verdade mantêm com ele laços que na generalidade são artificiais, uma vez que, na essência, constituem antes respostas a novas situações, tomando como referência situações passadas. No fundo, com este processo o que está em jogo é a constante necessidade que todas as sociedades têm de resolver contradições novas, resultantes da mudança e da inovação, integrando-as na estrutura social vigente, legitimada pela tradição, isto é, pela invocação repetitiva do passado, estrutura social essa que se pretende estável e duradoira.

Eric Hobsbawm adianta igualmente que é preciso distinguir a tradição do costume. A tradição, mesmo incluindo as tradições inventadas, tem como característica a invariância. No sentido em que o passado, histórico ou “inventado”, impõe práticas sociais formalizadas de um modo fixo e repetitivo. Por outro lado, o costume, apesar de apelar igualmente para práticas “que provêm desde tempos imemoriais”,

“It does not preclude innovation and change up to a point, though evidently the requirement that it must appear compatible or even identical with precedent imposes substancial limitations on it. What it does is to give any desired change (or resistance to innovation) the sanction of precedent, social continuity and natural law as expressed in history” (idem: 2).

Como sublinha ainda o autor, o costume não é invariável e o direito consuetudinário expressa a combinação entre uma certa flexibilidade implícita e o comprometimento formal com o passado. Poderia então dizer-se que o costume está mais ligados às práticas sociais, enquanto que a tradição se refere às ideologias e aos rituais que consubstanciam essas