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2 SISTEMA PREDIAL DE ÁGUA NÃO POTÁVEL

2.3 AS CARACTERÍSTICAS E PROBLEMÁTICAS DA ÁGUA NÃO

Nolde e Dott (1991)3 apud Matos et al. (2014) defendem que as águas cinzas a

serem utilizadas como fonte de água não potável devem cumprir quatro critérios principais, a saber: segurança higiênica, estética agradável ao usuário, tolerância ambiental, bem como permitir tratamentos viáveis técnica e economicamente.

2.3.1 Composição das águas cinzas

Segundo Boni (2009), conhecer as características do tipo de água disponível é importante para a avaliação tanto das possibilidades de reúso quanto do tratamento que mais se adequa ao padrão de qualidade exigido para a destinação final. Assim, Ericksson et al. (2002) afirmam que a água não potável em termos de quantidade e de composição depende de fatores tais como: horários de maior consumo; localização da residência; faixa etária, estilo de vida, classe social e hábitos dos moradores; uso de medicamentos, cosméticos, produtos químicos e de limpeza; além da qualidade da água de abastecimento para a produção da água não potável. Em estado bruto, as águas cinzas apresentam elevada turbidez e concentração de sólidos, como resíduos de sabão, sabonetes, cabelos e fibras de tecidos, concedendo um aspecto desagradável à água. Em sua constituição, conforme Dixon

et al. (1999), também estão compostos orgânicos rapidamente biodegradáveis que

favorecem a formação de mau odor após algumas horas de armazenamento.

Diferentes estudos reconhecem que a água cinza escura, originada na cozinha, apresenta um complicador constituído pela presença de elevados teores de óleos, gorduras e matérias orgânicas em sua composição, pois essas são substâncias que demandam maior complexidade no tratamento da água servida a ser reutilizada em outras atividades na edificação (CHRISTOVA-BOAL et al., 1996; NOLDE, 1999; DIMITRIADIS, 2005; MARQUES e OLIVEIRA, 2014).

Apesar de não receber contribuição dos efluentes de bacias sanitárias, de onde provém maior parte dos microrganismos patogênicos, Gonçalves et al. (2006)

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Nolde E, Dott W. Verhalten von hygienischbakterien und Grauwasser-Einfluss der UV-Desinfektion and Wiederverkeimung. Gwf WasserAbwasser, v. 132, n. 3, p. 108–114, 1991.

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destacam que as águas cinzas apresentam quantidades consideráveis de coliformes termotolerantes, bactérias, parasitas e vírus, responsáveis por causar doenças como disenterias, verminoses e infecções gastrointestinais. Isto ocorre devido à contaminação da água com substâncias fecais por meio da limpeza das mãos após o uso do sanitário, lavagem de roupas, de alimentos infectados ou durante o banho. O nível de contaminação das águas cinzas é inferior ao do esgoto sanitário, porém não é um valor desprezível, podendo causar riscos à saúde humana se for tratado com indiferença tanto pelos gestores dos sistemas prediais de água não potável quanto pelos consumidores (GONÇALVES et al., 2006). Assim, percebe-se a necessidade de um processo apropriado de tratamento e desinfecção da água não potável nas edificações, de acordo com as atividades a serem realizadas, especialmente se houver o contato direto do insumo com os usuários.

2.3.2 Os problemas que envolvem o uso de água não potável em edificações Sem tratamento adequado, há diversos problemas relacionados com o reúso de água em edificações, dentre os quais se destaca o perigo de propagação de doenças devido à exposição a microrganismos patogênicos, uma vez que o contato com a água recuperada pode ocorrer por respingos ao se acionar a descarga e por contato físico direto (ERIKSSON et al., 2002). Assim, o ponto de partida de qualquer projeto de sistemas prediais de água não potável é a segurança à saúde dos usuários, qualquer que seja a atividade fim.

Boni (2009) reforça que o reúso da água é tecnicamente viável, porém devido aos riscos de contaminação, cuidados adicionais devem ser tomados durante a implantação do sistema, no modo de armazenamento e de utilização do insumo. A autora ressalta a possibilidade de a água recuperada ser empregada para fins inadequados, não por imprudência dos usuários, mas por falta de detalhamento do projeto ou pela má execução das tubulações por meio da ligação negligente do sistema de água não potável com o sistema de água potável.

Esta ligação é chamada de conexão cruzada, a qual, segundo a NBR 5.626 (ABNT, 1998), refere-se a “qualquer ligação física através de peça, dispositivo ou outro

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arranjo que conecte duas tubulações das quais uma conduz água potável e a outra água de qualidade desconhecida ou não potável”.

Desta forma, pode-se afirmar que a água potável em um sistema de água não potável está muito mais vulnerável a um risco de contaminação do que em um sistema convencional de água potável, especialmente devido ao elevado risco de incidência de conexões cruzadas entre os dois sistemas prediais, como observado em estudos realizados por Schee (2004) e Castilho (2015).

Quanto à utilização de água de reúso no interior das residências, um mínimo defeito que ocorra no sistema pode colocar em risco a saúde de todos os usuários. Peixoto (2008) explica que para garantir a segurança, a estação de tratamento de água não potável deve dispor de sistema automatizado que interrompa imediatamente o abastecimento de água não potável, caso ocorra qualquer falha na estação. Além disso, o fornecimento da água recuperada deve ser substituído pela água potável, sem impedir o uso rotineiro dos equipamentos que são abastecidos pelo sistema predial de água não potável.

A inspeção do sistema antes do início de sua operação; a realização de testes de pigmentação da água não potável para verificar a presença de conexões cruzadas; a instrução adequada do gestor, dos moradores e das equipes de profissionais do condomínio, através de treinamentos, são atividades fundamentais a serem desenvolvidas junto com o processo de implantação do sistema. Porém, essas atividades têm sido desprezadas pelos envolvidos na execução e posterior operação dos sistemas prediais de água não potável (CASTILHO, 2015).

A responsabilidade pela gestão do sistema de água não potável e atendimento aos padrões mínimos de qualidade da água para cada uso é transferida da concessionária ao gestor do condomínio, que deve: atender às normas vigentes, à legislação de consentimento para uso, se responsabilizar pela implantação de um sistema de gestão e monitoramento contínuo da qualidade e quantidade da água não potável produzida, bem como capacitar e conscientizar os usuários, por meio do fornecimento de manuais (SAUTCHÚK, 2004).

Entretanto, em pesquisa conduzida na cidade de São Paulo, Castilho (2015) constatou que a maioria dos gestores não apresenta capacitação técnica nem

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treinamento adequados para assegurar o atendimento aos padrões mínimos da qualidade da água não potável aplicada em diferentes usos. Segundo a autora, “gestores, operadores e usuários não dispõem de manual com informações técnicas que apresentem os riscos inerentes ao sistema e que recomendem as práticas apropriadas de operação e manutenção”.

Complementando, Peixoto (2008) destaca outras problemáticas relacionadas ao uso de água não potável:

 a falta de profissionais capacitados para projetar, executar e operar o sistema;  a falta de profissionais capacitados para gerenciar o sistema;

 a carência de legislação nacional adequada e específica, especialmente no que se refere ao projeto e execução dos sistemas;

 desconhecimento das tecnologias existentes por parte dos usuários;

 a inexistência de órgãos públicos preparados para aprovar, avaliar e fiscalizar a implantação e a operação dos sistemas;

 a inexistência de instituições públicas responsáveis por exigir análises periódicas da qualidade da água tratada, manutenção e monitoramento dos sistemas de água não potável implantados.

No Brasil o uso de água não potável é crescente, porém, conforme verificado por Castilho (2015), a execução, operação e manutenção de sistemas prediais de água não potável têm ocorrido sem embasamentos teóricos, técnicos e tecnológicos adequados. Portanto, de acordo com Sautchúk et al. (2005), é necessário que haja transparência no processo de tomada de decisão para a implantação desse tipo de sistema, seja por parte dos órgãos públicos ou dos próprios gestores, expondo para a população tanto os benefícios quanto os riscos de contaminações existentes. Percebe-se que a questão da qualidade final da água é de extrema importância e se associa à aplicação pretendida para o insumo. Neste cenário, apresentam-se dois pontos antagônicos, mas relevantes no que se refere aos sistemas de água não potável em edificações: qualidade versus riscos e custos versus riscos (JORDÃO, 2006). Ou seja, existe a necessidade da proteção à saúde pública e ao meio

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ambiente, porém os custos desembolsados no tratamento adequado de águas residuárias para posterior utilização da água não potável devem ser aceitáveis. De acordo com Jordão (2006), a International Water Association (IWA) enfatiza que a implantação de sistemas de água não potável apresenta riscos de saúde pública e ambientais, compatíveis com a qualidade final do insumo e com os custos praticados. Todavia, o autor ressalta que a temática do reúso de água passa também por decisões econômicas e políticas, no sentido de que os países desenvolvidos praticam padrões de qualidade extremamente exigentes, com altos custos e baixíssimos riscos, enquanto os países em desenvolvimento implementam tecnologias simples, com baixo custo e riscos controlados.

A Figura 2.2 destaca uma comparação, realizada por Von Sperling (2005), entre aspectos considerados importantes na escolha de sistemas de tratamento de efluentes do ponto de vista de países desenvolvidos e em desenvolvimento. De acordo com o autor, os resultados não devem ser entendidos como verdade absoluta, pois as condições variam de região para região.

Figura 2.2 – Aspectos importantes na seleção de sistemas de tratamento de esgotos

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Assim, de acordo com a Figura 2.2, percebe-se que em países desenvolvidos, aspectos como eficiência, confiabilidade, disposição de lodo e requisitos de área são considerados críticos para a escolha do tipo de sistema. Ao passo que custos de operação, custos de manutenção, sustentabilidade e simplicidade são as variáveis mais importantes na visão de países em desenvolvimento.

Essa situação foi identificada por meio do grande enfoque dado pelas referências nacionais aos custos envolvidos na instalação dos sistemas, ao consumo de energia e à economia de água. Todavia, notou-se em referências internacionais maior preocupação com as emissões de gases do efeito estufa e com as características geográficas mais adequadas para a implantação de uma estação de tratamento (GUO e ENGLEHARDT, 2015; HENDRICKSON et al., 2015).

2.4 EXPERIÊNCIAS COM O USO DE ÁGUA NÃO POTÁVEL