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As complexidades das sociedades atuais: uma multiplicidade de desafios e a necessidade de

Capítulo 2. – Análises dos contextos espácio-temporais do estudo de caso

2.2. As complexidades das sociedades atuais: uma multiplicidade de desafios e a necessidade de

Na visão do sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) podem ser identificados cinco desafios que determinaram a passagem para a segunda modernidade, época em que nós encontraríamos atualmente: a globalização, a individualização, o desemprego/ subemprego (verificado na crise da sociedade assente no trabalho), a revolução dos géneros e o surgimento dos riscos globais derivados da crise ecológica e do colapso dos mercados financeiros. Numa época de acelerada e profunda mudança, em que as tradicionais hierarquias são desafiadas e os papeis dos atores sociais (Estado, instituições públicas e privadas, indivíduos) transformam-se, novas desigualdades acrescentaram-se às tradicionais, assentes na flexibilização dos processos produtivos e nos modelos financeiros.

Para este trabalho parece central focar-se em três aspetos principais entre eles interligados (que se tocam, se cruzam e se influenciam): 1) o aumento da insegurança social e a consequente dificuldade de enfrentar as situações de inseguridade com os sistemas clássicos; 2) o aumento das desigualdades e das situações de exclusão social

que atravessa a obra de Rousseau: a educação adquire um papel de relvo enquanto torna-se educação nacional, ou seja, educação à nação e seus valores, proporcionando ao cidadão a conciência de sentir-se parte do todo e imedesimar-se nas instituições que legitima.

que sugerem ações integradas e prolongadas; 3) o fenómeno de modificação das relações sociais que apontam para um modo de vida assente na sobrecarga do indivíduo e que leva ao isolamento das pessoas, identificado com individualização ou individualismo.

- O aumento da[s novas] insegurança[s]: uma visão macro-social

A hipótese de Robert Castel (2011) é que as sociedades contemporâneas são construídas na insegurança porque os indivíduos não conseguem encontrar garantias de proteção em si mesmo e nem no entourange90. Para o autor, desde a década de 1980, existem algumas transformações que contribuem para uma nova problemática da inseguridade, caracterizada por uma forte complexidade. Por um lado expressa-se com a grande dificuldade de criar sistemas de seguros contra os principais riscos sociais “clássicos” que causaria a erosão dos sistemas de proteção da sociedade salarial, aumentando o número de pessoas que se encontram numa situação de vulnerabilidade91. Pel outro, o aparecimento de uma nova geração de riscos, que não possui relações diretas com as problemáticas anteriores enquanto surge a partir das consequências do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, cria uma nova perspetiva de insegurança: “A proliferação dos riscos parece diretamente relacionada com a promoção da modernidade [...] não é mais o progresso social, mas um princípio geral de inseguridade que governa o futuro da civilização. Isto é, tornar a insegurança o horizonte insuperável da condição do homem moderno” (Castel, 2011, p.52).

Neste sentido, Ulrich Beck (2000) evidenciou que na segunda modernidade aumentam os riscos92 que se tornam globais e incontroláveis. Na sociedade do risco

90 O contexto e as relações próximas.

91 A situação de vulnerabilidade e perda de segurança perante o futuro podem incrementar a insegurança

civil, cristalizando os fatores da descoletivização social. Portanto, o aumento da insegurança social pode alimentar o aumento da insegurança civil, sublinhando a existência de uma relação diretamente proporcional entre os dois tipos de insegurança.

92 Os riscos diferem dos desastres naturais pré-industriais para sua origem em um processo de tomada de

decisões, que está nas mãos de organizações e grupos políticos. Os riscos também diferem dos danos de guerra para suas origens pacíficas nos centros da racionalidade e prosperidade com a aprovação dos garantes da lei e da ordem.

elaborada pelo autor93, os riscos são totais, invisíveis e têm consequências para o futuro. A sociedade do risco global invalida as normas fixas de cálculo, anula a responsabilidade social, inviabiliza a segurança social94 e deslegitima as instituições protetoras de seguridade, que não conseguem suprir às novas necessidades e aos novos desafios derivados de tais riscos (Beck, 2000).

Em “Poder e contrapoder na idade global”, Ulrich Beck (2010) efetua um balanço da sua investigação e reconhece que a ameaça na verdade pode ser considerada uma auto-ameaça, enquanto construída pela dimensão política, constituindo os lados obscuros do progresso. Ou seja, os riscos são ambivalentes, consequência do desenvolvimento científico e tecnológico e das decisões feitas pelo ser humano ao longo da primeira modernidade e não podem ser mais delimitados no tempo e no espaço.

A segunda modernidade pode ser definida também como modernidade plural, ou seja, constituída por diferentes modernidades que coexistem. Já não existe o mundo bipolar e a sociedades ocidentais e as sociedades não-ocidentais compartilham o mesmo espaço, o mesmo tempo e os mesmos desafios, próprios da segunda modernidade. Isto é, permite entender e estudar as trajetórias divergentes das modernidades de diferentes partes do mundo.

Portanto, falar de modernidade plural permite relacionar as diferentes modernidades nos diferentes lugares do mundo, numa relação de interdependência transnacional de sociedades, ocidentais e não. Há quem diga que as sociedades não ocidentais mostram para as sociedades ocidentais o próprio futuro. Nisso existem aspetos positivos (multiculturalismo, multietnicidade, modelos interculturais e tolerância das diferenças culturais) e negativos (extensão do setor informal do trabalho,

93 A teoria da sociedade do risco se baseia na relação imprescindível entre produção de bens e produção

de riscos. Isso põe em causa a justiça social. Se somente uma parte da sociedade aproveita das riquezas, os riscos afetam todas as classes sociais e supera qualquer fronteira. A teoria da sociedade do risco foi criada por Ulrich Beck jà em 1986 no livro Risikogesellschaft (Sociedade do Risco), mas, conforme o autor, naquela época a mundialização do risco não era ainda perceptível e ele mesmo raciocinava em termos nacionais. Por essa razão, Beck quis, neste livro, reformular a teoria dele, identificando as diversas categorias do risco, novas e transnacionais. Focalizando-se nos problemas ecológicos e tecnológicos do risco e nas suas implicações sociológicas e políticas.

94 Não são imputáveis baseando-se nas vigentes regras de causualidade e de responsabilidade, não podem

desregulação legal de grandes setores da economia e de relações laborais, perda de legitimidade do Estado, crescimento do desemprego e subemprego, intervenção maior das corporações multinacionais, elevados índices de violência e crime quotidianos).

Para Beck (2000), na sociedade do risco passa-se do problema da distribuição dos recursos (que fazia parte das sociedades de classes baseadas na escassez) ao problema da distribuição dos riscos (como tratar a distribuição do risco e da inseguridade produzidos pela mesma modernidade). Os riscos precisam, portanto, de uma regulamentação e para seu enfrentamento tornam-se necessários processos reflexivos95 e operativos que envolvam as profissões sociais, as responsabilidades do poder político e dos cidadãos, que, para o autor, possuem maiores possibilidades de tomada de consciência sobre os riscos e as relações de causalidade.

Neste sentido, as reações à tomada de consciência do viver numa sociedade do risco podem levar a diferentes caminhos: 1) à histeria e ao catastrofismo; 2) à indiferença, minimização e desconhecimento; 3) à sociedade, ou modernidade, reflexiva. Com modernidade reflexiva, a resposta que o autor considera mais adequada para a regulamentação dos riscos, entende-se uma sociedade que se (auto)confronta com as consequências da modernização e os desafios da sociedade do risco, que não podem ser abordados e resolvidos adequadamente no sistema da sociedade industrial (Beck, 2000, p.114). Para tal, torna-se necessária uma sociedade autocrítica e a criação de organismos internacionais (glocais) que enfrentem estas novas complexidades.

As linhas que evidenciam o aumento dos riscos, a sociedade do risco e a cultura do risco, para Castel (2011), são muitas vezes utilizadas para justificar a criação de seguros privados, e autores como Ulrich Beck e Anthony Giddens96 são utilizados pelos neoliberais para defender esta criação, pois, não fica claro o papel do Estado Social, deixando, portanto, maior espaço ao mercado e às empresas privadas: “Se os riscos se multiplicam até o infinito e se o individuo é deixado sozinho no enfrentamento deles, torna-se tarefa do individuo privado, privatizado, assegurar-se por conta própria, se o pode fazer. O governo dos riscos deixa, portanto, de ser uma empresa coletiva, mas sim

95 Para Beck pode-se falar de sociedade reflexiva.

uma estratégia individual. No entanto, o futuro das asseguradoras privadas está garantido pela multiplicação dos próprios riscos” (Castel, 2011, p.58).

Para o enfrentamento dos que Castel (2011) prefere chamar de danos inéditos, produzidos pelas modalidades de desenvolvimento económico e social atualmente prevalente, ainda está muito longe a possibilidade de criar órgãos internacionais, transnacionais com um certo poder97, que se possam impor para regular as trocas internacionais, a não ser a Organização Mundial do Trabalho, mas muito fraca em comparação ao FMI, por exemplo.

O que parece comum entre os autores é o considerar que não se pode voltar atrás e restaurar o modelo de contratação e regulação coletivas que já existiram, porque elas refletiam as formas da produção do capitalismo industrial e a sua gestão através do Estado-Nação. Hoje mudou o capitalismo98 e o papel do Estado-Nação também. Torna- se, portanto, necessário questionar-se sobre quais formas de proteção podem ser compatíveis com este novo modelo existente.

- Da exclusão social à inclusão social

Mudam as estruturas ocupacionais, aumentam as desigualdades salariais, a precarização e a flexibilização do trabalho. A nível do quadro económico, com a abertura e integração global dos mercados, surgiu uma nova competição do leste asiático e europeu e da América Latina. Ao mesmo tempo, a Europa vivencia um período de crise prolongada, determinando uma fase de de-industrialização, que parece ter caráter estrutural.

Na Europa ocidental, foi possível manter os níveis de desigualdade e de pobreza baixos, mas criou-se desemprego de longa duração e um exército de dependentes do bem-estar social, principalmente no modelo corporativo, que, junto ao aumento do trabalho informal e às mudanças demográficas (envelhecimento, migrações), constituem

97 Ulrich Beck e Jürgen Habermas partilham a ideia da necessidade de criar órgãos supranacionais. 98 A este respeito o autor aponta para a mundialização das trocas e a exasperação da concorrência.

uma ameaça severa para a crise do sistema de seguridade social, sobrecarregando-o de custos (Esping-Andersen, 1995).

Se, por um lado, conforme apontado ao longo do item anterior, reconhecem-se importantes avanços em termos de direitos civis, políticos e sociais e também processos de descolonização e de procura de uma sociedade mais igualitária, por outro lado, podem ser identificadas formas, também extremas, de exclusão social que nunca foram combatidas. Além disto, com o fim do pacto social keynesiano-fordista (Wacquant, 2010) ressuscita nas sociedades ocidentais o velho fantasma do desemprego, associado a “novas formas de encerramento social excludente e de marginalização” (Wacquant, 1997, p.133).

Reconhece-se uma tendência à separação das elites e a divisão e afastamento das classes que aumentam as suas proporções, conforme evidenciado pelas pesquisas recentes de caráter nacional e internacional, que sublinham processos de aumento e reprodução das desigualdades (ex: Piketty, 2014; Lopes et al., 2017). Neste sentido, o sociólogo francês Loïc Wacquant identifica no conceito de marginalidade avançada o fenómeno de exclusão social e económica que não decorre de carências ou faltas de recursos, mas resulta “das transformações desiguais e desarticuladas dos setores mais avançados das sociedades e economias ocidentais” (1997, p.133).

Focando-se nas formas contemporâneas de exclusão, segregação e marginalização social, para Castel (2011) existem dois tipos de leitura: as que se focam sobre a de-socialização dos indivíduos (exclusão social99) e as de de-coletivização, entendida como dinâmica coletiva. O autor critica o uso do conceito exclusão social100,

99 O marco, largamente compartilhado, que identifica o inicio das conceitualizações ao redor do termo

exclusão social é a publicação do livro “Les Exclus” de René Lenoir, de 1974. Lenoir queria evidenciar a incapacidade da economia expansiva em incluir determinados grupos. “[Lenoir] Calculava que um em cada dez franceses ficava à margem dos resultados económicos e sociais e esta era a principal razão da sua preocupação.” (Estivill; 2003, p.5). Atualmente a exclusão social configura-se como conceito-chave no paradigma teórico do modelo social europeu e a noção de exclusão/ inclusão pode ser considerada uma noção relativa, que depende dos contextos de ação e varia no espaço e no tempo.

100 As críticas principais à exclusão são: “1) a heterogeneidade da sua utilização, que permite designar

situações díspares, obter consensos políticos, aceitações contraditórias, minorando, ao mesmo tempo, o estudo das situações-limite da exclusão, e a análise das causas e dos processos que provocam; 2) a dificuldade em generalizar os pontos e as fases de ruptura e de identificar e conjugar os vários processos que confluem e conseguir dar-lhe um sentido operativo; e 3) o possível desvio em relação às situações

que compõe-se por linhas teóricas que analisam a desagregação dos laços sociais que cria quebras nos vínculos entre os indivíduos e com a pertença social. Castel (2009; 2011), critica principalmente o caráter individualizado da categoria dos excluídos, que compartilham unicamente um estado de falta, carência, juntando no mesmo grupo situações extremamente diferenciadas e que possuem a exclusão como único traço comum, chegando a considerá-los como se vivessem fora do espaço social101.

Já a de-coletivização proposta por Castel (2011) é considerada pelo autor uma situação coletiva, ou seja, sublinha o fato de que existem classes e grupos sociais com percursos comuns e com uma perspetiva futura não positiva. Neste sentido, aponta-se também para a proposta das sete teses102 acerca das classes populares, identificadas na sua acessão plural para sublinhar as clivagens internas, as complexidades de sua génese e as metamorfoses históricas, feitas a partir da análise da realidade portuguesa por João Teixeira Lopes, Francisco Louça e Lígia Ferro (2017), construindo uma análise múltipla que leve em consideração suas diversidades internas e homogeneidades:

As classes populares podem ser entendidas como uma classe social, malgrado a sua diversidade interna, mas também como uma constelação sociocultural, uma configuração (estrutura organizada de interdependências e de relações) e um quadro de interações. (Lopes et al., 2017, p.277).

mais extremas de penúria e precariedade individual e colectiva.” (Estivill, 2003, p.24). Também aponta-se o focar-se mais nos processos individuais de que nos coletivos, inserindo-se em uma lógica neoliberal da pobreza.

101 O conceito, centrado nos processos individuais e subjetivos, foi criticado por ter sido promotor de uma

visão neoliberal que eliminava uma divisão e contraposição de classe.

102 Partindo da análise da realidade portuguesa os autores identificam sete argumentos sobre as classes

populares em Portugal: “1) As classes populares exprimem a polarização social crescente do capitalismo tardio, mas também das novas estruturas simbólico-ideológicas de produção do consentimento e de pacificação social; 2) As classes populares são um produto histórico; 3) Em Portugal, as classes populares representam cerca de dois terços da população e, apesar das dinâmicas de terciarização, urbanização, acréscimo da escolarização e feminização, predominam as trajetórias de reprodução social, uma vez que a mobilidade social verificada não altera a estrutura relativa das posições sociais; 4) As classes populares são produtos relacionais; 5) As classes populares, enquanto classe social, só podem ser compreendidas dentro de um sistema de desigualdades; 6) As classes populares são internamente diferenciadas; 7) As classes populares não são apenas um conjunto de posições no espaço social, elas constituem-se também como lugares de socialização, de aprendizagem e sociabilidade.” (Lopes et al., 2017, pp.298-308).

Como também evidenciado por Silva (2008), a exclusão social é temática tratada desde os fundadores da sociologia, mas com perspetivas muito diferentes103. Ainda hoje pode ser considerado um conceito em disputa, apropriado por inteletuais que se movem de diversos, e até incompatíveis, pressupostos teóricos:

A exclusão social constitui-se como algo complexo e multidimensional, que detém, numa perspectiva durkheimiana, um processo estrutural de fragilização e rompimento dos laços sociais – um elemento vincado por Durkheim (1977) –, mas tal quebra, por um lado, deve-se à falta de uma série de recursos básicos, como o diriam Marx (1974) e Weber (1978), e, por outro lado, advém ou é reforçada por mecanismos de estigmatização e rotulagem que afectam certos grupos, como frisam os interacionistas simbólicos, em particular Goffman (1988). Verifica-se neste processo uma acumulação de vulnerabilidades que bloqueiam, tal como o referem Fernandes (1991), Capucha (1998) e Costa (1998), a inserção dos indivíduos no acesso a um conjunto de sistemas sociais

básicos, conjunto esse que pode ser mais ou menos amplo, conforme a noção de

cidadania que esteja subjacente. (Silva, 2008, p.148).

O que a discussão sobre a exclusão social trouxe foi a possibilidade de identificar a multidimensionalidade e a processualidade cumulativa104 do fenómeno, que não pode ser considerado naturalizado (não modificável), e que leva em consideração,

103 Conforme o apanhado elaborado por Silva (2008), para Durkheim a consciência coletiva, o conjunto

de normas e valores presentes em uma sociedade, pode ser incapaz de integrar os indivíduos e, portanto, perde a sua força persuasiva, determinando uma quebra de laços entre individuo e sociedade, seus códigos e representações coletivas. Esta situação que leva à anomia, exclusão (desajustamento), é determinada pela divisão forçada do trabalho social e pela diminuição ou ausência de densidade moral em função de uma maior densidade material das trocas. O desajustamento cria desorganização e destruturação e leva a ter fenómenos anómicos; Para Weber existem três formas de manifestação do poder: 1 ) económica (as classes); 2) política (os partidos); 3) social (os estatutos). As desigualdades sociais podem desembocar-se em variados conflitos sociais e neste contexto de interações sociais perpassadas por relações verticais de dominação, a exclusão social resulta do processo de concorrência nos mercados ou de fechamento social por razões estatutárias ou políticas; Conforme a visão Marxista a exclusão é um processo resultante da apropriação privada dos meios de produção por parte das classes dominantes. Os excluídos seriam, portanto, os membros das classes exploradas e oprimidas; Os interacionistas-simbólicos (Erving Goffman) são próximos à concepção de Weber e analisam as interações do quotidiano e os significados atribuídos pelos atores sociais. As interações quotidianas entre indivíduos podem ser de tipo simétrico ou assimétrico e quando são de tipo assimétrico essas interações são geradoras de exclusão. “O interaccionismo simbólico equaciona o problema da exclusão social através da teoria da rotulagem e estigmatização por parte das instituições e dos indivíduos de comportamento regular dito normal face aos que denotam comportamentos considerados desviantes ou transgressivos, dando, não raro, assim lugar a situações de marginalização e discriminação sociais.” (Silva, 2008,p.147).

104 A exclusão social não é um processo linear, mas existem fases de inflexão inicial, podem existir fases

de recuperação, estagnação, fases mais crónicas. À luz deste discurso parece relevante não fazer projetos de ações sociais de curto prazo e fragmentados com pessoas em situação de exclusão, pois podem até piorar as situações, dando falsas perspectivas positivas, acrescentando novos fracassos às trajetórias de vida fragilizadas dos quais os indivíduo podem sair ainda mais afetados.

além da esfera económica (níveis de pobreza), a esfera social (pertencimento e integração em grupos primários e secundários) e a esfera simbólica (reconhecimento social, significados partilhados)105. Estas esferas são consideradas interdependentes e não é possível dissociar o social do económico nem o social do simbólico e do individual. É um fenómeno social e o que concerne à sociedade remete para as questões de cidadania e para os sistemas sociais básicos. Como evidencia Estivill (2003), possui uma heterogeneidade interna e compreende dinámicas que se manifestam a níveis diferentes:

Existem aqui rupturas dos laços simbólicos e potenciais conflitos nos respectivos esquemas de representação social. Tudo se complica ainda mais com o aumento do individualismo e da individualização, que levam ao isolamento das pessoas, e com a multiplicidade e heterogeneidade dos valores dominantes. […] Desta forma, ao desmembramento das redes sociais existentes e a fragmentação da sociedade (Mingione, E.,1993), junta-se a heterogeneidade dos valores e imagens centrais, a dificuldade de construir outros núcleos de confluência e identificação e de encontrar respostas coletivas transversais que superem as sucessivas rupturas e distâncias. Esta seria a base da exclusão social, que seria manifestada à escala individual (micro), nas relações entre os homens e as mulheres e destes com os grupos e instituições intermédias (meso) e destes com o conjunto da sociedade (macro). (p.15).

Difícil de ser interpretada a nível somente económico, numa visão que costuma contrapor conceitos de pobreza/ riqueza, igualdade/ desigualdade, o conceito de exclusão social, feitas as devidas observações, pode tornar-se útil para uma análise de fenómenos que afetam os que dificilmente são categorizáveis somente a partir de uma conceção económica, como os identificados no clássico livro “A miséria do mundo” (Bourdieu, 2003). Nas descrições sociológicas e nas histórias de vida relatadas por Pierre Bourdieu e pela sua equipa, identificam-se forças estruturais e conflitos que influenciam a vida dos indivíduos e suas posições nas configurações sociais. Reflete-se