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Condições contemporâneas de desenho de política social nos Estados Providência da

Capítulo 2. – Análises dos contextos espácio-temporais do estudo de caso

2.3. Condições contemporâneas de desenho de política social nos Estados Providência da

português

Como evidencia o estudo de Esping-Andersen (1995), os modelos de Estado Providência, ou de welfare state, são associados às estruturas económicas, políticas e sociais dos países e são influenciados pelos seus andamentos económicos e demográficos. Para proceder ao entendimento de casos específicos, identificando as condições locais particulares, resulta, portanto, importante sublinhar alguns traços que caraterizam a sociedade e o Estado português.

Conforme Alexandra Lopes (2000), Portugal é considerada uma sociedade com diversos traços ainda pré-modernos, num estádio de maturação incipiente, onde há providência estatal fraca e onde as redes da sociedade informal são tradicionalmente fortes, compensando a fraqueza das intervenções estaduais. De fato, se por um lado existem traços de um Estado Providência débil, por outro lado, uma especificidade do modelo português é a compensação das ausências do Estado por parte de uma sociedade informal forte, constitutiva do próprio padrão de desenvolvimento providencial do país: “[...] a uma intervenção social mais fraca do Estado correspondeu a persistência e vitalidade de solidariedades primárias e informais de apoio, muito ligadas à família e à vizinhança” (Lopes, 2000, p.83).

Devido a questões políticas, principalmente da existência de um regime ditatorial até 1974, o desenvolvimento do Estado Providência português pode ser considerado tardio, tendo começado a sua evolução somente na década de 1970, quando já se vislumbrava a crise dos modelos de welfare. Após 25 de Abril de 1974, Portugal passou por uma importante transformação política, mas também económica e social. Em 1977, Portugal candidatou-se para a entrada na Comunidade Económica Europeia – CEE, que ocorreu em 1986. Para tanto, teve que efetuar adequações e alcançar objetivos determinados pela entrada na CEE e, desde 1986 até 1991, Portugal encontrou-se numa fase transitória durante a qual recebeu fundos estruturais para se aproximar aos outros países membros no nível de infraestruturas e para modernizar o setor produtivo, implementando assim o desenvolvimento económico. Em troca teve que adequar a sua legislação com as normas comunitárias e cumprir os objetivos de curto e médio prazo estabelecidos pela União Europeia – UE.

O próprio percurso histórico, mas, também, o teor essencialmente rural da economia do país e a rede urbana restrita em núcleos pequenos, determinaram os principais traços do Estado Providência português (Lopes, 2000): 1) o caráter fragmentado e de raiz corporativista das prestações sociais asseguradas pelo Estado, que não atua conforme o princípio de cidadania, mas de corporativismo, aproximando-se ao modelo meritocrático de Titmuss e corporativo de Esping-Andersen, proporcionando um hiper-assistencialismo seletivo com caráter dual das prestações; 2) a hibridez sui

generis entre público e privado que induz diferenças distributivas acentuadas,

principalmente no âmbito da saúde; 3) a permanência de lógicas particularistas e clientelistas num aparelho burocrático pouco amadurecido que proporciona uma “apropriação clientelar dos benefícios sociais por parte daqueles que estão melhor esclarecidos ou melhor relacionados, numa teia de relações cliente-patrono e na reprodução de uma concepção patrimonial do próprio Estado” (Lopes, 2000, p.81).

A nível da forma organizativa do poder político, Portugal é identificado como Estado unitário, onde existe o Estado central e os poderes locais: as autarquias locais representadas pelos Municípios e pelas Freguesias (Geraldi, 2013). Depois do regulamento n°1059/2003 do Parlamento Europeu, Portugal instituiu as Unidades

Territoriais Estatísticas de Portugal (Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas - NUTS) que se dividem em três níveis e que designam sub-regiões estatísticas comparáveis a nível europeu. A afirmação das NUTS criou uma gestão regional dos fundos da UE, proporcionando maior coerência estratégica, e tornaram-se referência para a gestão das políticas e articulação entre governo central, governos locais e cooperação intermunicipal (Governo de Portugal, 2014).

No que diz respeito à faixa mais carenciada do país, Sara Melo (2014, pp.25-26) evidencia como se pode identificar uma condição de debilidade (pobreza, desigualdades, desemprego e exclusão social) que assujeitou Portugal ao longo de todo o século XX e que tornou-se mais visível e, recentemente, foi agravada pela crise financeira. No caso português, caraterizado por uma industrialização tardia, uma assimetria profunda na distribuição dos rendimentos, um nível concorrencial deficitário do tecido produtivo acompanhado por um nível salarial baixo (Lopes et al., 2017), as políticas de proteção e segurança social sempre foram deficitárias em termo de assistência, criando uma grande diferença entre as aspirações das populações e as capacidades estadual de garantia de um nível de bem-estar (Melo, 2014).

Conforme Melo (2014), a situação começou a ser enfrentada por programas nacionais contra a pobreza ao longo do processo de democratização do país e da sua entrada na CEE em 1986: “a emancipação proporcionada pelo processo de democratização veio também criar uma maior sensibilização para os problemas de pendor social que se acutilavam […] É neste contexto que surgem os primeiros projetos de luta contra a pobreza (PELCP)” (p.26). Após uma fase de investigação e diagnóstico do fenómeno, durante a qual começa a ser utilizado o termo exclusão social em Portugal, é com o projeto Pobreza III, Programa Europeu de Luta contra a Pobreza (1989-1994), financiado por fundos europeus, que começam a ser efetuadas ações contra a pobreza e a exclusão social de forma consistente, onde o envolvimento e a participação das populações em seus próprios projetos emancipatórios abre o caminho para a criação do Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza (PNLCP) e, em 2001, para a aprovação do Programa Nacional de Ação para a Inclusão (PNAI) (Melo, 2014).

Alguns dados com base nacional propõem uma visão das problemáticas que Portugal enfrenta atualmente. Se após 1974 o andamento populacional de Portugal foi de crescimento, podemos observar uma diminuição da população desde 2010 até os últimos dados disponíveis até o momento da escrita, referentes ao ano de 2016127, e este dado se torna mais significativo quando diferenciado entre faixas etárias, onde nota-se uma diminuição, em números absolutos, da população jovem (menos de 15 anos) e da população em idade ativa (entre 15 e 64 anos) e um aumento dos idosos (igual ou mais de 65 anos), tendência confirmada também pelo Índice de Envelhecimento (IE)128.

O Índice de Natalidade diminuiu fortemente desde a década de 1970: o Índice Sintético de Fecundidade – ISF – passou de 3,00 em de 1970 para o 1,36 em 2016, tocando seu pique negativo em 2013, com um ISF igual a 1,21129, e a mesma tendência é confirmada pelos números absolutos de nascimentos. Andamentos acompanhados por um saldo migratório negativo desde 2010, alcançando valores entorno de -30 entre 2011 e 2014 e acerca de -10 em 2015 e 2016130. Esta situação desenha um quadro crítico que coloca novos e sérios desafios ao sistema de previdência nacional.

Outras questões que valem a pena destacar para perceber os desafios que Portugal se encontra a enfrentar são ligadas à taxa de abandono precoce de educação e formação que, mesmo registando uma inflexão percentual, continua consistente (após os últimos dados cencitários de 2011 em que estava acima do 20% os últimos dados encontrados, referentes ao ano de 2017, apontam para um valor de 12,6%131) e à taxa de desemprego, que registou oscilações importantes no arco temporal entre 2000 (3,9%) e

127 População residente: total e por grupo etário (INE/ PORDATA, 2017).

128 Conforme a descrição presente no site PORDATA, o IE é o número de pessoas com 65 e mais anos

por cada 100 pessoas menores de 15 anos. Um valor inferior a 100 significa que há menos idosos do que jovens. Conforme dados presentes no site PORDATA, com última atualização de 29/01/2018, o IE em Portugal tornou-se superior a 100 em 2001 e desde então teve um andamento crescente até contar 148,7 em 2016 (INE/ PORDATA, 2018).

129 Índice sintético de fecundidade e taxa bruta de reprodução (Indicadores de fecundidade (INE/

PORDATA, 2017a).

130 Saldos populacionais anuais: total, natural e migratório (INE/ PORDATA, 2018a).

131 Nota-se uma forte diferença entre os sexos, contando com 9,7% das mulheres e 15,3% dos homens,

2017 (8,9%) com sua fase crítica entre 2010 e 2016 quando esteve acima de 10% com um máximo de 16,2% em 2013.

No específico da situação educacional do país, Lopes et al. (2017) apontam para o fim da universalidade do Sistema Educativo de 1986132, que em 1997 e 2005 foi sujeito a redefinições que aumentaram as propinas necessárias para seu acesso, medidas redimensionadas em 2009 com o estabelecimento do regime de escolaridade obrigatória para crianças e jovens a partir dos cinco anos de idade que, no conjunto, teve também o efeito de fragilizar a oferta educativa nacional:

apesar da pressão das organizações internacionais para que Portugal expandisse a rede de serviço de apoio à primeira infância, tal aconteceu, essencialmente, pela desqualificação da oferta sem verdadeiramente beneficiar as classes populares, uma vez que se aumentavam as vagas sem criar novos equipamentos e sem contratar educadores. (pp.97-98).

Se, como vimos, já desde a década de 1970 os welfare states estão enfrentando grandes dificuldades de legitimação, organizativas e económicas, as situações pioraram na última década. Considerando as dinâmicas de medidas de privatização associadas aos fenómenos de desagregação, enfraquecimento dos laços de solidariedade e fragmentação da sociedade, que foram determinantes no sustentamento do Estado Providência português. Essas características apontam um quadro de grave vulnerabilidade da população portuguesa, o aumento da pobreza e da exclusão social, que afeta principalmente as classes populares:

Em Portugal, um em cada quatro cidadãos vive em risco de pobreza ou de exclusão social e a atual crise económica e social é suscetível de aumentar esse risco. O problema é não só identificado nas zonas urbanas, mas também nas zonas rurais, onde o acesso aos serviços básicos é frequentemente difícil. (European Commission, 2012, p.18).

Conforme evidenciado no estudo de Lopes et al. (2017), Portugal vivenciou também o que os autores chamam de efeito troika (pp.44-45), que retirou artificialmente e (somente) estatisticamente alguns residentes da linha da pobreza, criou situações de desvalorização salariais que levaram até 10% dos trabalhadores (assalariados) a viver

numa situação de pobreza e reduziu o acesso de beneficiários ao Rendimento Social de Inserção – RSI (redução do número absoluto).

As classes populares foram as que sofreram mais com as políticas fiscais e de rendimento da austeridade que criaram empobrecimento e acentuação da desigualdade entre a população trabalhadora: “de 2009 para 2014, mais de 116 mil pessoas entraram em situação de pobreza, chegando o total aos dois milhões” (Lopes et al, 2017, p.45). Para os autores, portanto, uma das teses é que as classes populares, representam hoje cerca de dois terços da população portuguesa, com baixos níveis de mobilidade social e com a predominância de trajetórias de reprodução social. Encontram-se, portanto, à escala nacional e com especificidades locais, as problemáticas e os desafios das sociedades globalizadas:

Portugal não é exceção às dinâmicas sociais globais do capitalismo tardio, acentuando-se a dualização e o enfraquecimento das evidências de medianização das sociedades. As classes populares de hoje e de aqui mostram uma assinalável pluralidade quer pela sua condição subalterna e dominada, com privação e desapossamento […] quer pela exposição vincada a processos e desestruturação e reestruturação intensos (precarização, escolarização, abertura e contextos sociais diversificados). Plurais, internamente conflituosas, pouco conscientes de si como classe mobilizada, elas são, todavia, a expressão partilhada de experiências acumuladas de dominação e exploração, mas também de resistência e luta. (Lopes et al., 2017, p.310).

Outra questão relevante para o contexto português, mas hoje problemática sempre mais central na maioria das sociedades ocidentais, é a do ambiente urbano, que envolve a segregação territorial nos espaços urbanos desqualificados133, a precariedade habitacional e a mobilidade urbana134 com a gerência autárquica de cima para baixo, tendencialmente alheio às necessidades das populações mais frágeis:

133 “Fernandes e Mata sugerem o termo «periferia desqualificada» para designar os espaços urbanos que,

«no debate social, são lidos e ditos como contendo algum elemento que os desqualifica». O facto de se residir nestes territórios desqualifica socialmente os seus residentes.” (Lopes et al., 2017, p.126) “Um território desqualificado não constitui um espaço desprovido de redes de relações de vizinhança e sociabilidadede entreajuda, pelo contrário. O processo de desqualificação tem também como efeito a geração de um processo de identificação entre os residentes destes territórios, assim como de reforço relacional.” (Lopes et al., 2017, p.127).

134 “As mobilidades à escala metropolitana afiguram-se como um grande desafio no combate às

desigualdades sociais. Aqueles que são relegados espacialmente, condenados a viver em territórios desqualificados, têm também mais dificuldade em movimentar-se pela cidade porque as despesas, quer

A gestão camarária dos territórios desqualificados revela muitas vezes desconhecimento quer dos próprios territórios, quer das necessidades e ensejos de quem os habita. A gestão dos processos de realojamento, por vezes dotada de um certo grau de aleatoriedade e/ou alheia aos interesses dos visados, gera desilusão e revolta. (Lopes et al., 2017, p.127).

Nos dois grandes centros metropolitanos do país, Lisboa e Porto, a situação habitacional parece hoje agravada por um processo de turistificação135, pela especulação imobiliária e pela subida exponencial dos arrendamentos. Neste sentido, evidenciam-se os estudos de João Queirós (2015) sobre a realidade do Porto que apontam para a existência de políticas de requalificação urbana que favorecem a gerntrificação, a especulação e o progressivo enfraquecimento do tecido social original presente nos territórios interessados. Paralelamente à questão urbana, nota-se também o abandono das zonas rurais do país e a diminuição dos trabalhadores do setor primário, constituindo um processo de de-ruralização e envelhecimento destas regiões.

2.4. Descrição fundamentada da dimensão organizativa e estrutural do caso