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3. A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA NO BRASIL: AVANÇOS E RECUOS

3.5 AS CONFERÊNCIAS BRASILEIRAS DE EDUCAÇÃO, O PNE E A CONAE:

DOS IDEAIS DEMOCRÁTICOS

A década de oitenta, do século XX, no Brasil, constitui um campo fértil para as mobilizações no campo educacional. São várias as greves por melhores escolas e condições de trabalho. Há uma luta dos professores por uma escola pública voltada para a classe trabalhadora e em defesa de uma educação articulada aos princípios democráticos e de justiça social.

No final da década de 70, são criadas duas importantes entidades do campo educacional: a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES). É criada, também, a Associação Nacional de Educação (ANDE), instituições voltadas para aglomerar projetos, pesquisas e estudos realizados por grupos de professores e pesquisadores das universidades, programas de pós- graduação e professores da educação básica. Além das associações de professores, que, posteriormente, com a Constituição de 1988, pois que esta retirou a restrição à sindicalização, transformam-se nos sindicatos.

No processo de mobilização no campo educacional, destacam-se dois vetores distintos: o primeiro traz a preocupação com o significado social e político da educação, onde é discutida a escola pública de qualidade com acesso para todos. O segundo prioriza o aspecto econômico-corporativo, caracterizado pelas reivindicações com expressão mais forte com as greves (SAVIANI, 2008).

Com o objetivo de discutir e analisar as propostas para a construção de uma escola pública de qualidade, a ANPED, o CEDES e a ANDE, na década de 80, promovem as Conferências Brasileiras de Educação22 buscando inserir no campo da educação, um debate

22 Os temas que foram abordados nas seis edições das CBE’s deixavam claro seu interesse: “I CBE – A política

Educacional; II CBE – Educação: perspectiva na democratização da sociedade; III CBE – Da crítica às propostas de ação; IV CBE – A educação e a Constituinte; V CBE – A lei de diretrizes e bases da educação nacional; VI CBE – Política nacional de educação” (SAVIANI, 2011, p. 405).

mais amplo que viabilize as políticas públicas para uma educação coadunada com os ideais da classe menos favorecida da população. Assim,

[...] a preocupação principal passa a girar em torno da busca de propostas alternativas para encaminhar os problemas da educação brasileira em consonância com o processo de democratização, para além do regime autoritário. Essa nova tendência irá acentuar-se progressivamente nas CBE’s seguintes, atingindo o ápice na III CBE, realizada em 1984, em Niterói, quando a referida preocupação foi alçada à categoria de tema central do evento: ‘Da crítica às propostas de ação’. Consequentemente, a I CBE constituiu-se, sem dúvida, no evento emblemático que inaugurou essa nova fase da educação brasileira. (SAVIANI, 2011, p. 405).

Na luta em favor da democratização da educação no País, destaca-se, o Fórum Nacional de Entidades em Defesa do Ensino Público, organizado no interior das Conferências, mediando à participação da sociedade civil na construção das demandas da sociedade, à Constituição Federal. Como também, a IV Conferência Brasileira de Educação em 1986, realizada em Goiânia, na qual mais uma vez, a sociedade se organiza e participa ativamente da Constituinte. Esta Conferência denomina-se de Educação e Constituinte e traz como foco de debates, a escola pública (SILVA; PERONI, 2013).

Nesse sentido, as CBE’s travam uma batalha na defesa da escola pública e, mesmo não alcançando os resultados esperados a nível federal, percebem-se, em alguns Estados e Municípios, avanços significativos no campo das políticas voltadas para as crianças e jovens da classe trabalhadora. Como exemplo, destacam-se, nessa área, Boa Esperança–ES, Lages- SC e Piracicaba-SP, que servem de modelo para uma administração democrática, como, também, os Estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina, que implantam medidas administrativas contribuindo para a implementação de práticas sociais democráticas (SAVIANI, 2011).

No entanto, no final da década de 1980 e início da década de 1990, evidencia-se um enfraquecimento da luta dos educadores que representam o movimento de esquerda em face da organização política que acontece no País, com a eleição de Fernando Collor de Melo para Presidente da República. A realização da 6ª CBE é marcada por essas dificuldades e sofre mudança na data da sua realização.

Destarte, o processo de abertura democrática no País acontece em meio a uma luta entre as classes dominante e trabalhadora, entre a burguesia e o proletariado, entre os projetos

de sociedade que defendem. Essa luta está intimamente relacionada aos ideais políticos, educacionais e sociais que cada um desses grupos compreende como importantes para a sociedade. Destaca-se a relevância da organização da sociedade, dos movimentos sociais, dos educadores, enfim, de toda a massa trabalhadora para que se ampliem e se fortaleçam os espaços democráticos.

Nesse campo de lutas, constitui-se o Plano Nacional de Educação (PNE), sonho inserido na Constituição de 1934 pelos Pioneiros da Educação Nova e retomado na CF/88, art. 214 e na LDB, art. 87, § 1º. O PNE é instituído pela Lei nº 10.172, de 09 de Janeiro de 2001 e aprovado após a disputa dos dois projetos representativos dos movimentos sociais e do executivo. Assim, o plano do executivo aprovado incorpora alguns pontos do projeto dos segmentos sociais organizados e, inicialmente, pretende-se como política de Estado, mas, na prática não se materializa. Dessa forma,

A proposta de PNE da sociedade brasileira previa um conjunto de princípios que não foram incorporados ao plano aprovado, destacando-se a instituição do Sistema Nacional de Educação e do Fórum Nacional de Educação, a redefinição do Conselho Nacional de Educação e a garantia de ampliação do investimento em educação de 10 por cento do PIB. A aprovação do PNE foi resultado, portanto, da hegemonia governamental no Congresso Nacional, que buscou traduzir a lógica de suas políticas em curso (DOURADO, 2011, p. 25-26).

Nesse contexto, é perceptível, mais uma vez, como as forças de oposição aos direitos das classes menos favorecidas sempre estão à frente das decisões que tem como prioridades os direitos sociais, mesmo que estes estejam estabelecidos em Lei. O Estado, ao longo de toda a formação histórica brasileira, coloca-se no caminho inverso dessas conquistas sociais, atravancando as marchas, os avanços alcançados pela sociedade brasileira em meio a um campo de batalhas. Assim, inscreve-se a democracia no País, em meio a uma teia constitutiva de uma rede de interesses que buscam, a todo custo, fortalecer-se enquanto classe dominante. No entanto, não se pode negar que, mesmo não tendo se constituído em uma política de Estado, o PNE (2001-2010) é um instrumento que coloca as lutas em torno da construção das políticas para a educação (DOURADO, 2011).

Em 2010, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, destaca-se a Conferência Nacional de Educação (CONAE), que,

[...] cumpriu importante papel para a construção de políticas de Estado e assumiu a análise do PNE e das políticas educacionais em curso como objeto de discussão e de deliberação, para contribuir com a organização, a gestão e o planejamento na área educacional, pautando o PNE como política de Estado a ser construída (DOURADO, 2011, p. 38-39).

A CONAE, realizada no período de 28 de março a 01 de abril de 2010, em Brasília, oportuniza a sociedade, mais uma vez, a elaboração de metas e estratégias para o novo PNE (2011-2020), o qual passa aproximadamente quatro anos em tramitação no CN através do PL nº 8.035/2010, sendo aprovado recentemente, tornando-se a Lei nº 13.005, de 25 de Junho de 2014 e passando a vigorar no período de 2014-2024.

Esse Projeto de Lei submete-se a várias mudanças no seu texto original, demonstrando como o processo de construção da democracia no Brasil, representa uma correlação de forças e continua à mercê de inúmeras fragilidades “esta situação é emblemática da fragilidade da democracia na história da política brasileira” (SILVA; PERONI, 2013, p. 245).

A CONAE (2010) conta com uma grande participação da sociedade civil, agentes públicos, entidades de classes, estudantes, profissionais da educação, dentre outros, representando o resultado de lutas históricas e embates democráticos na garantia da educação como bem público e direito social. Constituindo-se num “espaço democrático de discussão e deliberação de concepções e proposições educacionais para o Estado brasileiro” (DOURADO 2011, p. 51). A CONAE destaca, no eixo II, a garantia dos princípios do direito à educação, à inclusão e à qualidade social, à gestão democrática e à avaliação emancipatória. Fundamenta a gestão democrática na,

[...] constituição de um espaço público de direito, que deve promover condições de igualdade, garantir estrutura material para a oferta de educação de qualidade, contribuir para a superação do sistema educacional seletivo e excludente e, ao mesmo tempo, possibilitar a interrelação desse sistema com o modo de produção e distribuição de riquezas, com a organização da sociedade, com a organização política, com a definição dos papéis do poder público, com as teorias de conhecimento, as ciências, as artes e as culturas (BRASIL, 2010, p. 42-43).

Nesse sentido, compreende-se no documento da CONAE (2010), a gestão democrática como espaço em que professores, estudantes, funcionários, pais ou responsáveis devem tomar

deliberações para a melhoria da qualidade da educação e das políticas públicas educacionais, visando articular as diretrizes nacionais para todos os níveis e modalidades da educação.

Defende uma proposta de gestão democrática da educação numa perspectiva mais ampla, considerando as instâncias e mecanismos de participação, o debate coletivo para a apropriação e concretização dos conceitos de autonomia, democratização, descentralização, qualidade e participação. Caracterizando-se, assim, num importante mecanismo para o processo de superação do autoritarismo, do individualismo e das desigualdades socioeconômicas que fundamentam a história política e educacional do Brasil.

Observa-se que as instituições e as leis são feitas a partir dos valores e significações da sociedade para direcionar a ação em vista dos objetivos sociais. O princípio da gestão democrática da educação pública, com status constitucional e os dispositivos legais relativos à sua implementação representam os valores e significações dos educadores que preconizam uma educação emancipadora, como exercício de cidadania em uma sociedade democrática. São resultados de um processo instituinte do novo fundamento de gestão democrática da educação a desfazer o paradigma patrimonialista. Mas esses dispositivos legais, por si só, não mudam cultura e valores. Somente as práticas norteadas por um novo paradigma podem mudá-los.

Assim, para que os fundamentos do novo paradigma constitucional, que preconiza uma educação democrática, emancipadora, cidadã, possam desfazer os do antigo paradigma patrimonialista, é necessário que as comunidades escolar e local adotem a estratégia de participar efetivamente nos Conselhos, com autonomia para exercer seu poder cidadão na gestão das instituições públicas de educação, tendo como pressuposto que essas instituições pertencem à cidadania. Nessa ótica, enfatiza-se o principio da comunidade como uma representação inacabada e aberta na modernidade ocidental, apresentando-se como “o princípio menos obstruído por determinações e, portanto, o mais bem colocado para instaurar uma dialéctica positiva com o pilar emancipação” (SANTOS, 2011, p. 75).

Nessa perspectiva, discute-se no quarto capítulo a gestão democrática da escola pública como um princípio, a partir da CF/88 e a LDB nº 9.394/96. Analisa-se o Conselho Escolar como uma possibilidade de democratização da gestão da escola pública, a visão governamental, o modelo gerencialista do Estado brasileiro e as implicações e transformações na gestão democrática da escola pública e no Conselho Escolar, a partir dos anos 1990, com a implantação das políticas neoliberais.

4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA