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3. A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA NO BRASIL: AVANÇOS E RECUOS

3.4 OS MOVIMENTOS DE CULTURA E EDUCAÇÃO POPULAR

É importante ressaltar na construção do processo de democratização do Brasil, a contribuição dos movimentos de cultura e educação popular19 na formação da nossa autonomia política. “[...] eles trouxeram importantes contribuições para a democracia no Brasil. Em especial, indicaram caminhos para a construção da noção de cidadania coletiva” (CUNHA, 2009, p. 65).

A partir dos anos 1950/1960, os educadores brasileiros começam a perceber os problemas sociais porque passa o Brasil e se tem a partir de então, uma melhor percepção dos fatos sociais que se apresentam na sociedade. Essa nova postura, deve-se em parte, ao educador Paulo Freire, ao tratar o tema Educação dos adultos e as populações marginais: o problema dos mocambos, no qual vinculou analfabetismo e pauperismo no Seminário Regional de Pernambuco, preparatório ao II Congresso Nacional de Educação de Adultos. Nesse II Congresso, evidencia-se a importância dos movimentos de cultura popular (CUNHA; GÓES, 1985).

Em meio à intransigência da universidade brasileira dos anos 1950-1960, o movimento popular aos poucos, abre espaços para a proliferação do pensamento renovador em educação, e assim, absorve alguns intelectuais com experiência em lutas políticas representando as classes subordinadas. Esse fato toma consistência principalmente nas capitais onde o movimento popular vence pelo voto, como, Recife, com o Movimento de Cultura Popular – MCP, Natal, com a Campanha de Pé No Chão Também Se Aprende A Ler, e em instituições que se colocam atentas às mudanças sociais, como a Igreja Católica através do Movimento de Educação de Base (MEB) e a União Nacional dos Estudantes, com o Centro Popular de

19 “Os MCPs tiveram origem no MCP criado em maio de 1960 junto à Prefeitura de Recife que inspirou outros

MCPs em diferentes locais. Pretendia-se desenvolver uma educação genuinamente brasileira visando à conscientização das massas por meio da alfabetização centrada na própria cultura do povo. A prática que se buscou implementar visava a aproximar a intelectualidade da população, travando um diálogo em que a disposição do intelectual era a de aprender com o povo, despindo-se de todo espírito assistencialista” (SAVIANI, 2011, p. 318).

Cultura (CPC). Dessa forma, evidenciam-se práticas de cultura populares contrárias à educação conservadora postulada pela cátedra universitária (CUNHA; GÓES, 1985). Os movimentos,

Apesar de suas diferenças e particularidades, tinham em comum o objetivo da transformação das estruturas sociais e, valorizando a cultura do povo como sendo a autêntica cultura nacional, identificavam-se com a visão ideológica nacionalista, advogando a libertação do país dos laços de dependência com o exterior (SAVIANI, 2011, p. 317).

O avanço em Pernambuco, embora se constitua numa curta alvorada de ascensão democrática, dá-se pelas vitórias eleitorais da Frente do Recife, encabeçada por Pelópidas Silveira, Miguel Arraes e outras lideranças populares o que,

[...] permitiu um programa de democratização do poder decisório em Pernambuco, a principal “Casa-Grande” do Nordeste oligárquico [...] E, na medida em que se criava um canal efetivo de comunicações e decisões massa/poder político, foi possível a prática de uma política de cultura popular/educação alternativa à fachada universidade e, de um modo geral, à escola elitista, formal, tradicional. Assim, a educação popular vai se concretizar num instrumento em favor da transformação social, pois o seu compromisso remete às forças políticas que se apoiam no movimento popular (CUNHA; GÓES, 1985, p. 19, grifo do autor).

No percurso de florescimento das lutas pela democratização, ressalta-se como substancial, a criação da cartilha Livro de Leitura produzida por Norma Porto Carreiro Coelho e Josina Maria Lopes Godoy, pensada com o objetivo de alfabetizar os adultos respeitando a sua cultura. Como também, é no Movimento de Cultura Popular, que acontece a primeira gestação do Sistema Paulo Freire, em 1962 (CUNHA; GÓES, 1985).

Dessa forma, ressalta-se o momento de efervescência democrática, vivido pela sociedade brasileira nos anos de 1960, o que Paulo Freire denomina de ‘trânsito’20 da sociedade brasileira, ou seja, “uma crescente e irreversível ativação do povo no seu próprio processo histórico, abrindo leques de participação interdependentes de ordem econômico- social-político-cultural. O povo deixa de ser objeto para ser sujeito” (CUNHA; GÓES, 1985,

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“Com a defesa da tese ‘Educação e atualidade brasileira’ (Recife 1959), Paulo Freire voltou ao tema e discutiu o seu carismático conceito de ‘trânsito’: nos anos 60 o povo viveria o ‘trânsito’ de uma sociedade fechada para uma sociedade que se abria, e o cidadão ultrapassaria uma consciência mágica/intransitiva para uma consciência transitiva/crítica” (CUNHA; GÓES, 1985, p. 11-12).

p. 21). Nessa ótica, “os movimentos sociais estariam inseridos em movimentos pela ampliação do político, pela transformação de práticas dominantes, pelo aumento da cidadania e pela inserção na política de atores sociais excluídos” (SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 53).

É na busca de caminhos alternativos às propostas tradicionais e conservadoras que os quatro movimentos pioneiros de educação e cultura popular dos anos 1960, articulados ao Sistema Paulo freire, se intercruzam na construção dessa história, resultantes da crise sócio- político-econômica dos anos 1950/1960.

Todos esses movimentos recebem recursos públicos, mas a forma e os objetivos com que esses recursos são aplicados, são diferentes. O MCP constituiu-se numa rede paralela a do ensino público, o MEB apresenta objetivos confessionais e catequéticos, o CPC mesmo se organizando como empresa prestadora de serviços, depende da União para a construção do teatro do prédio da UNE e a campanha de alfabetização. Assim, ressalta-se em Natal, a defesa da escola pública, através da realização da matrícula para todos numa política de ensino gratuito e laico (CUNHA; GÓES, 1985).

Com a tomada do poder pelo golpe militar, no Brasil, em 1964, o qual se consolida numa “articulação política de profundas raízes internas e externas, vinculadas a interesses econômicos sólidos e com respaldos sociais expressivos” (CUNHA; GÓES, 1985, p. 32), e com os acordos MEC/USAID21 (United States Agency for International Development) firmados pelo governo, tem início a destruição dos movimentos de educação e cultura popular sendo os seus educadores cassados, presos e exilados, acabando com as manifestações emblemáticas do otimismo pedagógico dos educadores da época.

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“Série de acordos produzidos, nos anos 1960, entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United

States Agency for International Development (USAID). Visavam estabelecer convênios de assistência técnica e

cooperação financeira à educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária (atual ensino fundamental) ao ensino superior. O último dos acordos firmados foi no ano de 1976. Os MEC-USAID inseriam-se num contexto histórico fortemente marcado pelo tecnicismo educacional da teoria do capital humano, isto é, pela concepção de educação como pressuposto do desenvolvimento econômico. Nesse contexto, a“ajuda externa” para a educação tinha por objetivo fornecer as diretrizes políticas e técnicas para uma reorientação do sistema educacional brasileiro, à luz das necessidades do desenvolvimento capitalista internacional. Os técnicos norte- americanos que aqui desembarcaram, muito mais do que preocupados com a educação brasileira, estavam ocupados em garantir a adequação de tal sistema de ensino aos desígnios da economia internacional, sobretudo aos interesses das grandes corporações norte-americanas. Na prática, os MEC-USAID não significaram mudanças diretas na política educacional, mas tiveram influência decisiva nas formulações e orientações que, posteriormente, conduziram o processo de reforma da educação brasileira na Ditadura Militar. Destacam-se a Comissão Meira Mattos, criada em 1967, e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), de 1968, ambos decisivos na reforma universitária (Lei nº 5.540/1968) e na reforma do ensino de 1º e 2º graus (Lei nº 5.692/1971)” MINTO, Lalo Watanabe. MEC-USAID. Disponível em: www.histedbr.fae.unicamp.br. Acesso em: 10 de junho de 2014.

Nessa perspectiva, realçam-se as Conferências Brasileiras de Educação, o PNE e a CONAE, como espaços significativos de mobilização dos trabalhadores da educação, na busca pela democratização da educação, conforme reflete-se na seção seguinte.

3.5 AS CONFERÊNCIAS BRASILEIRAS DE EDUCAÇÃO, O PNE E A CONAE: