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As conferências familiares – Family Group Conferencing (FGC)

PARTE I – PLANO TEÓRICO

1.1 DA OPERACIONALIZAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

1.1.2 As conferências familiares – Family Group Conferencing (FGC)

Nas Conferências Familiares o grupo que participa do procedimento é aumentado, e envolve muitos participantes e os familiares do ofensor – e aí se inclui tanto a família nuclear como a estendida. E em sendo caso, de famílias desmembradas ou disfuncionais; parentes mais distantes ou pessoas significativas45 podem ser envolvidos no processo. Pode participar representantes da família, advogado especializado para o ofensor; por outro lado a vítima pode estar assistida por sua família e apoiadores. No modelo Neozelandês, ainda, participam os procuradores de justiça que naquele sistema jurídico pertencem à polícia.46

As Conferências de Grupos Familiares tiveram sua origem na Nova Zelândia, e foram rapidamente adotadas e adaptadas pela Austrália. A razão de seu surgimento foi, principalmente, a reação às preocupações e tradições da população indígena Maori.

As varas de infância e adolescência Neozelandesas não atendiam a contento a população aborígene, sendo certo que os procedimentos conflitavam com as tradições, pois o sistema estava direcionado para a punição e não previa a participação da família e da comunidade no processo.

Assim foram adotados as Conferências de Grupos Familiares (CGF) que atendem a todos os casos envolvendo jovens, excetos crimes muito violentos, em vez de um juiz, a conferência tem como facilitador um coordenador de justiça da juventude, que é contratado pelo serviço de assistência social e não pelo judiciário, que coordena uma reunião que se assemelha a da VORP, onde são manifestados os sentimentos, a exploração de fatos, e a negociação dos acordos. Há a responsabilização dos ofensores e às vítimas têm a oportunidade de ter algumas das suas necessidades atendidas.47

O resultado que se espera da CGF é uma solução para o caso obtida por consenso, e não apenas um acordo de restituição, e na maioria das vezes o objetivo é alcançado.

Na Nova Zelândia, as reuniões de grupos familiares foram introduzidas essencialmente como uma alternativa ao processo formal do tribunal. Os

45 Pessoas significativas são aquelas que apesar de não integrarem formalmente o grupo familiar, tem real importância para o grupo.

46 ZEHR, H. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tônia Van Acker (Trad.). São Paulo: Pala Athenas, 2008. p. 246.

modos como os modelos inovadores são difundidos para outros lugares, porém, geralmente, atuam sobre a formulação da nova prática. Na Austrália, os encontros restaurativos como modelo ganharam espaço na política e na legislação por iniciativas de administradores de nível médio e profissionais, e não como conseqüência de um desejo de se engajar em políticas raciais construtivas. Em Wagga Wagga, em New South Wales, o modelo foi reformulado para processos de encontros restaurativos conduzidos pela

polícia para casos de menor gravidade como uma forma de ‘advertência restaurativa’. O modelo de Wagga Wagga tem sido motivo de crítica devido

a seu potencial para ‘ampliar a rede’ e a probabilidade de uma extensão dos poderes da polícia sobre os jovens. Também é controverso devido a sua ênfase na teoria da ‘vergonha reintegradora’. Enquanto alguns vêem a vergonha reintegradora como um elemento central da justiça restaurativa], outros a consideram oposta à filosofia básica de restauração. O modelo de Wagga Wagga foi abandonado em New South Wales em 1995. Porém, reuniões conduzidas pela polícia foram introduzidas na capital australiana em 1993. Desde então, foram exportadas tanto para os EUA como para o Reino Unido na forma de novos programas de advertência restaurativa conduzidos pela polícia. As autoridades da justiça administram a maioria dos outros esquemas de encontros restaurativos australianos. Na Tasmânia eles são administrados pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos (Department of Health and Human Services). Os programas variam em termos do tipo de crime e dos infratores elegíveis para as reuniões. Eles também variam em função de sua base legal.48

Inicialmente, as conferências familiares surgiram para tratar de delitos de pouca gravidade, tendo, posteriormente evoluído e são utilizadas na Nova Zelândia em relação a crimes graves.

A dinâmica da CGF é parecida com o da mediação, e os casos podem ser submetidos ao processo das conferências familiares pelo juiz, por oficiais de probation, advogados dos envolvidos, polícia e até mesmo pelas partes, fazendo com que o procedimento possa ser aplicado em qualquer fase do processo, e até mesmo antes do seu início.

Procura-se com as conferências obter um pedido de desculpas; a garantia de que o fato delituoso não se repetirá; a reparação dos danos materiais e a prestação de serviços comunitários. O consenso pode ser obtido com apenas o pedido de desculpas, mas pode ser necessário utilizar mais de uma das possibilidades acima, que são meramente exemplificativas; devendo às partes, o facilitador e todos os envolvidos cuidarem para que o acordo não seja excessivamente grave para o ofensor.

Nesse sentido, vale lembrar a lição de Leonardo Sica que com muita propriedade alerta para o fato de que a justiça restaurativa não pode sobrepor-se aos mecanismos da justiça

formal, por tratar-se de lógicas diversas, pela possibilidade de bis in idem e de revitimização.49

Enfim, a conferência pode ser descrita como a deliberação entre o ofensor e a sua rede ou grupo de trabalho, e a vítima e a sua rede ou grupo e, também, intervém a polícia por meio do procurador de justiça, que como já vimos no modelo neozelandês integra à polícia.

Pode-se falar em dois modelos das conferências familiares: 1) family

empowerment e 2) victim ofender restoration model. O primeiro modelo se funda na crença de

que os menores e suas famílias têm o direito de participar das tomadas de decisões que os afetem. Os jovens assumem o fato praticado, são responsabilizados pelas consequências e têm a oportunidade de elaborar um plano com sua família ampliada para reparar apropriadamente os danos causados.

O segundo modelo victim ofender restoration model faz da restauração o seu objetivo primário. As partes são colocadas lado a lado e o trabalho se centraliza em como restaurar o dano causado. A vítima e o ofensor trazem suas famílias e os representantes da comunidade à reunião, chegando-se a falar em conferências restaurativas e conferências comunitárias.

As diferenças entre os modelos, ainda hoje, não são muito claras, mas é possível apontar que no primeiro modelo é o facilitador independente, a reunião é preparada com muito cuidado e é considerada como parte fundamental do processo, sendo os participantes informados, cuidadosamente, sobre todo o procedimento. No segundo modelo muitas vezes a conferência é dirigida pela polícia, o que causa grande debate sobre o respeito aos direitos do ofensor; a reunião é importante por si mesma e a ênfase é dada tão somente à restauração.50