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PARTE I – PLANO TEÓRICO

1.3 POSICIONAMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO UNIVERSO

A Justiça Restaurativa, em que pese às dificuldades da sua contextualização nas escolas e movimentos existentes, encontra ressonância na política criminal alternativa ou no modelo integrador.56

A Justiça Restaurativa não possui um conceito fechado e vai sendo testada de acordo com o lugar e o momento em que é praticada. Os programas se adaptam às situações e as peculiaridades locais, respeitados os valores e ideais que a caracterizam. A consolidação da Justiça Restaurativa se dá com sua utilização.57

Ressalta-se que a Justiça Restaurativa não exclui a punição dos seus efeitos e em assim sendo, mantêm uma conexão com a justiça retributiva, ambas as justiças trabalham a partir da ótica de que o delito quebra o equilíbrio existente e por isso a vítima merece algo em troca e o ofensor deve algo em troca.

56 A Política Criminal Alternativa tem como base os discursos da descriminalização, as novas políticas criminais buscam novas formas de gestão do crime. Esse modelo tem como objetivo atender os interesses, expectativas e exigências de todas as partes, implicadas no problema criminal, com harmonia e ponderação (GOMES; MOLINA. op. cit. p. 416). Esse modelo pode ser visto como uma frente ampla, que abrigam em suas fileiras tendência diversas (BARRETO apud ARAUJO JUNIOR. op. cit. p. 73).

57 Sem que para tanto possa se abrir mão de que existam programas que definam os objetivos a serem alcançados, bem como os delitos que serão trabalhados, enfim deverão ser estabelecidos padrões mínimos, a fim de que possa ser avaliado se os objetivos almejados estão sendo alcançados.

O que difere é a resposta ao delito, a justiça retributiva trabalha com a ideia de que a pena vinga a vítima e a justiça restaurativa crê que o que, realmente, vindica a vítima é o reconhecimento das suas necessidades e dos danos que sofreu; somando-se a isso a responsabilização do ofensor que é encorajado a assumir o fato praticado, reparar o dano causado e apontar o que o levou a tal comportamento.

Em sendo assim, a Justiça Restaurativa não constitui, no sentido lato: abolicionismo, nem minimalismo, uma vez que ambos têm objetivos maiores que apenas a solução dos conflitos consensual e/ou privada por meio de uma justiça dialogal, pois questionam o sistema penal como um todo, baseados em premissas como a de que o sistema gera mais violência, do que a que pretende evitar.

Assim, trazemos as palavras de Renato Sócrates Gomes Pinto, ao ensinar que:

No debate criminológico, o modelo restaurativo pode ser visto como uma síntese dialética, pelo potencial que tem para responder às demandas da sociedade por eficácia do sistema, sem descurar dos direitos e garantias constitucionais, da necessidade de ressocialização dos infratores, da reparação às vítimas e comunidade e ainda revestir-se de um necessário abolicionismo moderado.58

Há autores como Renato Sócrates que afirmam que a Justiça Restaurativa reveste- se de um abolicionismo moderado, como visto acima, que é aquele que admite a resolução dos conflitos de forma informal, enquanto não for possível eliminar o sistema penal, ou mesmo de um minimalismo, como Rogério Greco, onde se pretende reduzir o direito penal a

ultima ratio, sempre que possível.

Em que pese tais aproximações, até o momento não é possível afirmar de forma incisiva que a justiça restaurativa está contextualizada dentro de um modelo ou movimento específico, pois a mesma possui muitas vertentes de forma que não se encaixa com perfeição em nenhum modelo existente, e isso não nos permite falar em um modelo único de justiça restaurativa.

Salienta-se, que em que pese falarmos em modelos de justiça retributiva e restaurativa existem autores como Scuro Neto59, que identificam três modelos; os dois já mencionados, tratados como justiça retributiva ou comutativa e justiça restaurativa ou do reconhecimento e o modelo de justiça distributiva ou meritocrática que tem o foco no

58 PINTO, R. S. G. A construção da justiça restaurativa no Brasil. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/images/2006-03-06.0596321339>. Acesso em 8 jul 2011. p. 20.

59

SCURO NETO, P. Justiça nas escolas: a função das câmaras restaurativas. O direito é aprender. Brasília: Fundescola/Projeto Nordeste/MEC-BIRD, 1999.

fornecimento dos serviços e benefícios que visam ressocializar e reintegrar o indivíduo a sociedade.

No mesmo sentido, a classificação de Eglash, que preleciona a existência do modelo de justiça punitiva, que se centra no castigo; o da justiça distributiva que enfoca o tratamento do infrator e o da justiça recompensadora, que visa à restituição, o equivalente a justiça restaurativa.60

Mylène Jaccoud61, em sua obra citada acima, menciona a divisão feita por Walgrave, que não se distancia das já mencionadas e que num quadro explicativo e comparativo elenca as três formas de direito disponibilizadas para o sistema de justiça.

Tabela 6 - Formas de Direito Disponíveis para o Sistema de Justiça

Direito Penal Direito

Reabilitador

Direito Restaurador

Ponto de Referência O delito. O indivíduo

delinquente.

Os prejuízos causados.

Meios A aflição de uma dor. O tratamento. A obrigação para

restaurar.

Objetivos O equilíbrio moral. A adaptação. A anulação dos erros.

Posição das vítimas Secundário. Secundário. Central.

Critérios de avaliação Uma “pena adequada”. O indivíduo adaptado. Satisfação dos interessados.

Contexto social O Estado Opressor O Estado

Providencia.

O Estado Responsável.

O modelo restaurativo se situa em oposição aos demais segundo Jaccoud62, esclarecendo, ainda, que o modelo restaurativo é o único que busca a restauração da situação anterior pela anulação dos erros por meio da reparação, que pode ser simbólica, psicológica ou material. Ressaltando, ainda, o papel de destaque dado à vítima e a participação do ofensor na solução do processo, não porque esse deve sofrer alguma coisa e sim porque deverá ser promovida a restauração.

60

JACCOULD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a justiça restaurativa. In:

SLAKMON, C.; VITO, R. de.; PINTO, R. Gomes (Org.). Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005. p. 166.

61

Idem. p. 167. 62 Idem.

Dentro da própria Justiça Restaurativa existem duas correntes, uma minimalista que defende seu afastamento do sistema de justiça criminal e, por conseguinte, como alternativa a esse, sem ligação com o Estado; e outra maximalista que defende que a justiça restaurativa deva estar totalmente integrada ao sistema de justiça criminal, com a clara intenção de mudá-lo de acordo com os princípios restaurativos.

O cuidado que se deve ter com a justiça restaurativa é não permitir que a mesma seja utilizada como instrumento de expansão do direito penal; sua aproximação não pode se dar de forma que seja utilizada não como um instrumento e sim como mais um instrumento integrante do sistema penal.

Nesse sentido, pode-se falar em uma justiça dual63, que seria a existência independente dos dois modelos, que se comunicariam quando apropriado e necessário, segue modelo apresentado por Pedro Scuro64:

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa

As justiças caminham paralelamente e se comunicam sempre, que apropriado e necessário, de forma que se integrem, mas

não se sobreponham.

63

Justiça dual em duas vias: convencional e restaurativa.

64 SCURO NETO, P. O enigma da esfinge: uma década de justiça restaurativa no Brasil. Revista Jurídica