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As Conferências Primorosas

No documento Wanju Duli - Salve o Senhor No Caos (páginas 42-61)

– Muito obrigado por me acompanhar para assistir às palestras pré- torneio, Anax. Ainda bem que elas são abertas ao público.

– De nada. Era o mínimo que eu podia fazer, já que Ohlarac está ocupado em seu novo emprego como cafetão.

E Anax deu um sorrisinho. Zap retribuiu, parecendo pouco à vontade. Não havia ficado muitas vezes sozinho com Anax.

Ela usava o manto de três cores de sua ordem. Junto com o capuz usava uma espécie de véu cobrindo parte do rosto, além de luvas elegantes. Estava até de salto alto e maquiagem, parecendo tão sensual como uma mulher humana. Ela acendeu um cigarro longo e soprou a fumaça. Zap fitou os lábios carnudos de Anax. O batom vermelho vivo contrastava com a pele cor de fantasma dos servidores de Quepar.

Ela voltou os olhos rubros para ele, numa expressão misteriosa, e Zap desviou o olhar.

– As palestras são de graça e as lutas do torneio custam o olho da cara – comentou Zap, desapontado – e como só resta a mim um olho na cara, duvido muito que eu ainda possa dar um olho para ver isso.

Anax deu uma risada alta. Zap sentiu um arrepio quando ouviu a risada bonita e melodiosa. A voz dela, ligeiramente grave e libidinosa, tornava a atmosfera mais quente e emocionante.

Zap apreciava mulheres que riam de suas piadas, mas Anax era um pouco assustadora. Alta, gostosa, segura de si. Não se surpreendia que Sodutse tivesse medo dela. Qualquer um teria.

– Você é muito peculiar, Zap de Rezarp. Se nos interessarmos pelo poder e sabedoria de um dos palestrantes, talvez possamos pagar para ver uma ou duas lutas.

– Ótima ideia – disse Zap, de imediato – concordo plenamente! Anax abriu outro de seus sorrisos leves e profundos. Zap não sabia por quanto tempo iria aguentar aquilo. Estava se sentindo nervoso. Parecia que Anax lia toda sua alma cada vez que o fitava.

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Ela soprou a fumaça do cigarro para o alto, olhou ao redor e suspirou. – Vamos procurar uma cadeira perto de uma lixeira e de um banheiro – ela sugeriu – Que não seja na primeira fileira, para não sermos chamados como cobaias de experimentos duvidosos. Então que seja na terceira, para mantermos uma boa vista e termos mais uma fileira de garantia.

– Perfeito – falou Zap, notando que no fundo ela não estava dando uma sugestão, mas mandando tudo o que eles fariam.

Eles seguiram em frente, mas Anax subitamente parou.

– Ou... quem sabe sentamos no fundo, para podermos trocar alguns segredos se as palestras nos entediarem. Assim não seremos rudes com os magistas convidados.

– Definitivamente devíamos nos sentar na frente – disse Zap – quero ver e ouvir bem.

Porém, a preocupação de Zap era de uma natureza bem diferente. Ele tinha certeza de que não resistiria na primeira provocação de Anax. Bastava que ela se aproximasse um pouco e ele sentisse seu perfume com mais intensidade e Zap cederia aos seus encantos. Poderiam transar ali mesmo.

Embora ela e Ohlarac participassem juntos de orgias, eles eram quase namorados. O pensamento de transar com a namorada de seu mestre lhe era um pouco desconfortável. Ohlarac nunca havia mencionado nada a respeito de uma proibição do tipo, mas Zap sentia que não devia fazê-lo.

Zap e Anax sentaram-se lado a lado na terceira fileira. Já tinha muita gente no salão, mas como era um lugar enorme ainda havia lugares vagos.

Cinco minutos após se sentarem, Anax avisou que ia ao banheiro retocar a maquiagem. E ela levantou-se de seu lugar com elegância, balançando bastante o traseiro enquanto caminhava naqueles saltos altos e finos. Zap permaneceu com o olhar fixo naquela bunda até Anax desaparecer na porta do banheiro ao longe.

Depois disso, Zap abanou-se com o folheto de programação das palestras. Ele não era o único presente que acompanhou Anax com os olhos. Homens e mulheres se viravam para olhá-la.

Somente quando Anax desapareceu, Zap conseguiu prestar atenção nas outras pessoas. Chamou-lhe a atenção o fato de que alguns servidores ao redor não eram nativos de Quepar. Nem todos possuíam

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cor de pele numa tonalidade branca transparente, ou tom fantasma, como eles chamavam. E os olhos de alguns não eram da cor vermelha intensa e brilhante de um nativo.

Zap localizou facilmente os servidores de pele cinzenta e olhos amarelos, nativos da dimensão mais próxima: Midaforvel. Eles eram os estrangeiros de maior número. Além deles havia os tais seranas, abreviatura de “servidores andarilhos do astral”. Eram aqueles que podiam possuir absolutamente quaisquer cores e formas, criados por magos solitários da Terra.

Muitos nem mesmo tinham formas humanas. Havia aqueles que eram tão altos que tocavam o teto e outros tão baixos que era necessário checar atentamente numa cadeira para ver se havia um servidor do tamanho de uma formiga sentado nela. Os servidores que não conseguiam passar pela porta assistiriam as palestras lá fora, por um telão.

Zap sentiu-se bem por estar lá; por estar fazendo parte daquilo tudo. Sentia que era um momento importante. Infelizmente Sodutse não veria. Mas Zap achou que convidá-lo teria sido uma perda de tempo de qualquer forma, pois sempre era um sacrifício arrancá-lo da biblioteca. E depois de sair do show de Aigam com a cabeça sangrando, ele provavelmente pensaria duas vezes antes de colocar a cabeça para a rua de novo.

Anax retornou com um perfume mais forte e uma maquiagem mais carregada. Além disso, tinha um licor de cor azul nas mãos, servido numa taça.

– Estão servindo na recepção – avisou Anax – quer que eu pegue um para ti?

– Não precisa, obrigado – respondeu Zap – esse lugar já está ficando cheio. Melhor não levantarmos mais.

Quanto mais se aproximava do horário da palestra, mais lotava. Até que uma maga de manto e capuz completamente brancos subiu no palco. Pegou o microfone e saudou a todos com alegria:

– Sejam bem-vindos ao Torneio Extraordinário de Alta Magia de Quepar! Gostaria de agradecer especialmente a todos os servidores interdimensionais que vieram de longe e nos agraciam hoje com suas amáveis presenças. Nós iremos inaugurar o evento com uma série de

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palestras que seguirão madrugada adentro. O torneio propriamente dito começará com o nascimento da primeira estrela da manhã.

– Nós não precisamos dormir, mas alguns servidores precisam – Zap sussurrou para Anax – eu acho que eles não se deram conta disso.

– Algumas palestras sempre são monótonas – respondeu Anax – então eles certamente terão tempo livre para dormir enquanto assistem.

A maga de branco anunciou todas as palestras que teriam no dia. Algumas aconteceriam simultaneamente em diferentes salas, porém as mais importantes ocorreriam no salão principal, que incluíam as palestras dos magos que lutariam na arena.

– Meu nome é Meb de Acnarb, uma das organizadoras do evento e membro da comissão julgadora do torneio. Irei iniciar o ciclo de palestras com algumas palavras sobre a magia da minha ordem. Faço parte de uma das ordens originais de primeiro grau. A magia de Acnarb baseia-se no serviço ao outro como fonte de poder. Especialmente o amor que sentimos por nosso Senhor na Terra é nosso maior tesouro. Devemos servir ao nosso criador acima de todas as coisas. Em segundo lugar ajudamos os servidores que sofrem.

– Eu tenho uma pergunta – alguém da plateia levantou-se – por que vocês ajudam primeiro os seus Senhores na Terra antes dos servidores? Como deve saber, os seres humanos são mais evoluídos que nós. Então aquele que é imperfeito e sofre mais não deveria ter prioridade?

Quem perguntou isso foi uma maga de manto branco e capuz negro. – A nossa existência e todo nosso poder veio do nosso criador – respondeu Meb – portanto, ele deve ser a prioridade. Ele é capaz de salvar nossa vida ou finalizar nossa existência. Os servidores possuem algum poder sobre nós. Podem destruir nossa mente e nosso corpo mas, em última instância, quem salva ou quebra nosso espírito é o Senhor na Terra.

– Então vocês ajudam os outros não por bondade ou amor, mas porque querem uma recompensa e têm medo de seus criadores lhes punirem – retrucou a maga de branco e preto.

– Na nossa visão a alma está acima do corpo – foi a resposta de Meb – então não importa se alguém, seja ele um servidor ou nosso criador, torture nosso corpo ou mente contanto que a alma seja salva. De modo análogo, na nossa visão é melhor dar um ensinamento espiritual para

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alguém do que dar um pão. A mente costuma ter conexão mais direta com a alma do que o corpo. Sendo assim, nós fazemos o bem quando pregamos nosso caminho para os outros.

Nesse momento outros servidores se levantaram e queriam falar. Especialmente aqueles que seguiam as vias dos prazeres carnais como fonte de poder. Zap também sentiu vontade de se levantar e protestar, mas a maga de branco pediu ordem e silêncio.

– Estou ciente de que muitos de vocês não concordam com a ideia de convencer os outros sobre a sua própria forma de pensar, embora a maioria tente fazer isso constantemente nas mais diferentes áreas da vida – comentou Meb – alguns podem tentar converter um fumante a se tornar um não fumante porque faz mal para a saúde. Esse pensamento parte de uma crença de que ter uma vida longa e saudável é algo desejável. Na nossa visão há algo mais desejável que isso, que é salvar a alma. Então tentar convencer outras pessoas a seguir a via da magia de Acnarb é, para nós, superior a dar um pão para quem está prestes a morrer de fome. Isso porque sobreviver não é o bastante. Devemos viver. E uma vida não faz sentido sem a obediência e serviço ao nosso Senhor na Terra.

– Protesto! – exclamou a mesma maga de antes – Sem comida ou saúde não seria possível nem mesmo pensar em todas essas suas teorias, porque não existiríamos. Então seu raciocínio é um erro. A prioridade deve ser salvar o corpo antes da alma. Porque sem um corpo para haver vida não existiria sequer caminho para o espírito se apoiar.

– É uma boa coisa que existam outras linhas da magia que pensem dessa forma, pois se não houvesse nós teríamos que lidar também com essa questão – observou Meb – mas em nossa sociedade existe uma divisão de trabalhos e uma pessoa só não consegue fazer todos ao mesmo tempo, sendo simultaneamente médico, cozinheiro, pedreiro e alfaiate. Nós magos acnárbicos somos aqueles que salvam a alma, trabalhando conjuntamente com os que salvam corpo e mente. É uma equipe.

– Deviam pelo menos mudar o nome da magia de vocês, pois não me parece magia de amor e sim magia da lógica fria e calculista – retrucou a mocinha de pé na plateia.

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– Nós possuímos um bom equilíbrio entre magia de emoção e razão – explicou Meb – pois não ajudamos alguém apenas seguindo uma emoção impulsiva, mas segundo uma lógica forte. Aparentemente nosso conceito de amor e serviço ao outro é diferente do seu, já que nossas prioridades são outras.

Ainda houve algumas perguntas e discussões sobre a parte filosófica que sustentava a magia de Acnarb. Mas logo a porção metafísica terminou e Meb começou a explicar como funcionava a parte prática, transformando esse conceito em poder mágico.

– Quando você faz o bem sua alma se enche de amor – explicou Meb – lembrando sempre que fazer o bem e amar, na concepção da magia de Acnarb, significa servir e amar nosso criador e pregar a verdade do serviço ao criador em primeiro lugar para que todos os servidores assim o façam. Não por temor da fúria do nosso Senhor na Terra, mas simplesmente porque é esta a nossa missão, o nosso propósito maior! Foi ele que nos deu a vida, então é natural que esteja nele o propósito. Por isso nós sempre nos comunicamos mentalmente com nosso Senhor na Terra através da reza, oração e visões. Quanto mais nos inflamamos com a fé nesse propósito, mais nosso coração se inflama de amor e nossa alma se purifica. E através disso nós ganhamos poder mágico, que chamamos de milagres.

– Então vocês só ficam rezando e cantando sem ajudar ninguém – retrucou a mesma maga que sempre reclamava de alguma coisa – e estudando a metafísica falaciosa de vocês, para se convencerem logicamente que de fato estão ajudando fazendo isso. Vocês não seguem o amor puro de forma desinteressada, mas o fazem em troca de milagres! – Todos fazem uma coisa em troca de outra – disse Meb – ou não daríamos sequer um passo, pois nossa recompensa seria a capacidade de caminhar. Até esse amor puro do qual você fala, o que quer que seja isso, também é feito em troca de paz mental ou por uma convicção de seguir o pensamento de que tal coisa é a certa a fazer. Todos temos crenças e queremos alguma recompensa ou ilusão de recompensa, não importa por que ou pra quem.

Nem todos concordaram com essa explicação e a maioria ficou brabo com a apresentação de Meb, principalmente porque não teve pirotecnia no palco. Muitos ficaram zangados com tanto papo furado e comeram

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vários amendoins que os garçons do evento estavam distribuindo para acalmar a fúria das visitas.

– Acho que vou pegar um saquinho de amendoins também – decidiu Zap – sinceramente, essa palestra me irritou. Não deviam dar amendoins para Meb, já que ela acredita que viver é mais importante do que sobreviver, então que ela faça isso sem comida!

– É muito difícil um servidor de Quepar morrer de fome, mas a maioria fica incomodada em fazer jejuns longos – observou Anax, balançando o licor de sua taça – acho que copiamos tantas manias dos humanos que acabamos por nos tornar não quimicamente dependentes, mas mentalmente.

– Não acho que isso seja ruim – disse Zap, enchendo a cara de amendoins – Meb também ficou mentalmente dependente de sua crença extrema na absoluta dedicação da vida ao Senhor na Terra e a nada mais. Prefiro depender de amendoins, pois eles apenas me dão prazer e ficam de boca fechada. Às vezes eu entendo porque Sodutse prefere ficar trancado em sua biblioteca. As pessoas aqui fora falam tanta merda...

– Você quer dizer que as pessoas que defendem ideias com as quais você não concorda falam merda – corrigiu Anax.

– É pior que isso. Até as pessoas que defendem ideias que eu curto também soltam umas bobagens. Eu mesmo sou o rei das bobagens, mas se já é difícil aguentar a mim mesmo, mais difícil ainda aguentar o séquito de besteiras das damas e cavalheiros que se vê por aí.

– Sexo é a nobre via dos ensinamentos que todos gostam de ouvir, na forma de gemidos – disse Anax, concluindo a conversa com classe.

Uma salva de palmas se fez ouvir. Subiu ao palco um mago de manto e capuz negros. Ele tomou o microfone.

– Sou Lam de Argen, um dos julgadores do torneio. Recentemente também assumi o cargo de reitor na Universidade de Magia de Quepar, a UMQ.

– Eu leciono lá – Zap sussurrou para Anax – sou professor adjunto. E eu tenho quase certeza de que foi com esse cara que discuti na noite em que Aigam arrancou o braço.

– Sei que eu, como reitor de uma universidade de magia mista e julgador do torneio, deveria ser imparcial em relação aos diferentes tipos de magia, mas, como Meb de Acnarb nos fez entender, é impossível ser

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imparcial. Minhas vestes mostram ao mundo minha opinião e eu sei que muitos aqui estão exaustos com essa conversinha sobre magia de amor ou ajudar os outros, não importa se salvando o corpo ou a alma. Para mim isso é irrelevante. Não estou de pé aqui porque quero promover a harmonia entre os povos e diferentes linhas da magia, mas simplesmente porque quero convencer os outros de que estou certo e porque quero dinheiro.

Muitos berros de apoio vieram da plateia.

– Esse papo desagradável se parece assustadoramente com o discurso que Aigam deu no cemitério – Zap disse a Anax – não é a toa que ela usa capuz cinzento.

– Eu acho que esse cara todo de preto é muito sexy – foi o comentário de Anax – ele tem um ar sério e maduro.

– Então é verdade que vocês mulheres preferem os caras malvados? – perguntou Zap, levantando uma sobrancelha.

– Os malvados e perigosos são bons para ter uma noite fogosa de sexo selvagem – explicou Anax – os engraçados são ideais para passarmos juntos dias divertidos. Mas gentileza e respeito são fundamentais para uma relação mais longa e duradoura. Eu particularmente não tenho interesse em compromissos e consigo ter muitas noites de trepadas furiosas com quem eu quero. Por isso estou com Ohlarac: ele dá um brilho alegre para os meus dias.

– Sua concepção a respeito de brilho alegre é bem estranha – observou Zap.

Quando o pessoal parou de berrar, o mago de negro voltou a falar: – Eu basicamente estou aqui diante de vocês para mostrar-lhes minha imponente imagem. Sou sábio, poderoso, convencido e orgulhoso. E não me envergonho disso! Sou egoísta, ambicioso, odeio muita gente e gostaria de ver muitos deles mortos. Até matei alguns que eu gostaria de ver mortos e outros eu não mato porque me dão dinheiro.

Muitos dos presentes gargalharam e se identificaram com o discurso. – É isso mesmo! – gritou alguém – Sou assim também e não me envergonho! Melhor ser assim do que usar a máscara de falsa modéstia e bondade desses metidos a salvadores do mundo!

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– Lam de Argen para presidente! – berrou outra pessoa – Vai roubar a todos nós da mesma forma, mas vai fazê-lo na nossa cara e não nas nossas costas!

E mais risadas estouraram. Lam deu um leve sorriso com a animação dos presentes, mas não se deixou levar pela algazarra.

– Aprecio o apoio de vocês – observou Lam – mas peço que não me apoiem pelos motivos errados. Eu não sou e nunca fui um árduo defensor da sinceridade. Isso tudo o que foi dito são pensamentos interessantes, mas não tenho intenção de substituir a virtude do amor ou da bondade por outra virtude de valor equivalente, como o ato de não ser hipócrita. Afinal, como praticante da magia de Argen, também encontro valor na falsidade e na mentira. Posso contar um monte de mentiras agora para todos vocês e rir disso depois. Minha linha de magia se apoia na distorção de valores exatamente como a magia de Acnarb. Eu enxergo impureza no branco e no negro. Paradoxalmente, se eu quisesse ser realmente cruel eu me tornaria um mago do amor, para me apoiar numa mentira distorcida e numa enganação vaidosa de ver-me como bom e puro. Então devo eu aqui, todo de negro, ver-me como o mais puro ou o mais impuro dos seres? Pouco me interessa. Vocês não me interessam também, cachorros e cadelas em trajes coloridos! Acham mesmo que suas cores são verdade? Joguem seus trajes ao fogo e dancem nus na noite escura!

Muitos magos aplaudiram o discurso, embora alguns tenham ficado putos. E um desses que ficou puto resolveu se pronunciar:

– Com todo o respeito, senhor...

– Não preciso do seu respeito – Lam interrompeu-o.

– Então com todo o desrespeito – corrigiu o outro, aborrecido – acho que você está errado.

– Muito bem – disse Lam – não me importo com sua opinião e não preciso refutá-lo. Porém, caso eu decida brincar de disputa de retórica para mostrar o quanto estudei lógica na escolinha, podemos ficar aqui batendo boca até o amanhecer. Seria mais fácil matá-lo e evitarmos uma desnecessária perda de tempo.

– Posso pelo menos mostrar meus argumentos para que você julgue se são razoáveis?

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– Numa discussão ninguém se preocupa se os argumentos do outro são razoáveis – explicou Lam – se forem, tanto pior. A nossa missão é quebrar tais argumentos e trucidar o inimigo. É assim que se joga.

– Então vou mudar meus argumentos para uma pergunta. Você não sente peso na consciência matando pessoas, torturando-as, ferindo-as ou mesmo xingando-as?

– Você praticamente respondeu sua própria pergunta, posicionando minhas possíveis maldades numa hierarquia – respondeu Lam – se não sinto remorso em matar alguém, muito menos sentiria em xingar. Você sente remorso em matar um mosquito? Um açougueiro não se acostuma a destripar seus bichos? É tudo questão de repetir exaustivamente uma tarefa até que se torne banal e automática. Em certo ponto você não a

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