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Ela é minha Rainha

No documento Wanju Duli - Salve o Senhor No Caos (páginas 197-200)

– Isabel, eu fico cada dia mais admirada contigo – disse-me Beatriz – a tua personalidade é contagiante, impressionante! Tu és calma, centrada, uma verdadeira princesa.

Eu apenas dei um sorriso leve.

– Não sei se mereço tantos elogios, mas sei que é um grandioso presente ter uma amiga como tu – eu disse.

Peguei na mão dela e Beatriz ficou imensamente feliz. Minhas outras três amigas também sorriram. Elas me amavam demais e eu as amava.

Estávamos reunidas naquela tarde para um chá na casa de Marina. Colocamos vestidos bonitos e trouxemos bolinhos. Trocávamos novidades.

– Posso pentear os teus cabelos? – perguntou-me Elaine, ansiosa por fazê-lo.

– É claro – confirmei.

Ela era totalmente apaixonada por meus longos cachos negros. Elas diziam que eu parecia uma boneca. E como eu enchia de maquiagem o meu rosto redondo e vivia de saias e vestidos, eu apenas reforçava cada vez mais a minha essência feminina. Só escolhia os perfumes mais doces e os brincos mais delicados. Eu tinha um colar de coração com contas brilhantes.

E tudo o que eu fazia as encantava. Elas se miravam em mim. – Tu és linda demais!

– Queria ser como tu...

– Não diga isso, Marina – repreendi-a – todas vocês são fantásticas e lindas, cada uma de seu modo particular e único.

– Mas é como se tu tivesses nascido para ser uma rainha – insistiu Fátima.

Eu sorri.

– Que acham de finalizarmos agora com uma leitura de cartas? – propus a elas – e depois reuniremos as mãos para o poema de despedida.

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Aquele era nosso grupo: o Reinado dos Mundos. Falávamos bastante sobre assuntos espirituais e nossa união era muito forte. Todas usávamos o mesmo anel com uma coroa. Os membros eram chamados de princesas. E eu, a líder, era a rainha.

Nós nos conhecemos na universidade, no curso de assistência social. Desde o primeiro dia de aula chamei a atenção delas pela minha aparência impressionante. Eu me arrumava muito, sempre. Jamais cometia o menor deslize.

Eu acordava todo dia às quatro da manhã para começar a minha produção. Tomava banho, me depilava, passava cremes e colocava uma cuidadosa maquiagem, com base, batom, sombra, delineador e tudo mais que fosse adequado para o clima do dia e para a roupa que eu usaria. Depois eu fazia chapinha no cabelo e passava babyliss para moldar cachinhos perfeitos.

Minhas roupas estavam sempre muito bem arrumadas e passadas no guarda-roupa, pois eu era organizada e perfeccionista. Eu usava botas e sapatos com salto bem alto, para estar frequentemente elegante. E a maior parte de minhas saias e vestidos eram acima do joelho. Quando eram curtos em excesso, eu usava com uma meia-calça. Mas eu não gostava muito de decotes. Gostava mais de mostrar as coxas, que eram a parte do meu corpo que eu mais apreciava.

Minha personalidade era serena, calma, tranquila. Todos diziam que eu era encantadora e gentil. Eu tentava ser agradável com as pessoas, fazia trabalhos voluntários e era particularmente boa em tarefas domésticas. Eu amava cozinhar, costurar e arrumar a casa.

Para mim, lavar, passar e organizar cuidadosamente minhas roupas era um passatempo maravilhoso. Eu me deleitava em manter a casa toda arrumadinha e era encantada por decorações. Adorava flores e já era conhecida pela moça da floricultura. Eu mesma cozinhava a maior parte das coisas que comia e eu até tinha costurado algumas de minhas roupas.

“É a esposa dos sonhos”. Eu já tinha ouvido constantemente essa frase. E desde meu ensino médio, quando eu começara a me viciar em me arrumar, eu já tinha sido pedida em namoro diversas vezes pelos rapazes. Mas eu sempre recusei educadamente.

Quando fiz minhas quatro amigas na universidade e nos tornamos inseparáveis, elas também não entendiam como uma garota “perfeita”

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como eu nunca tinha arranjado um namorado. Quando eu revelei a elas que eu era lésbica, elas ficaram muito surpresas. E no começo não entenderam.

– Você se tornou lésbica por achar os homens machistas? – perguntou Fátima.

– Não é isso – expliquei, pacientemente – eu já nasci assim, gostando de meninas. É algo natural para mim. Sempre fui encantada pelo misterioso universo feminino. Eu entendi que desejava estar ao lado de uma garota.

– Então você não gosta de garotos?

– Eu gosto deles, acho que são muito simpáticos – respondi – porém, tenho poucos amigos do sexo masculino, já que sempre me senti mais à vontade perto das meninas. E para namorar, definitivamente quero uma mulher bem delicada e feminina.

– Então você quer namorar um clone seu! – riu Marina.

Acredito que as quatro eram heterossexuais antes de me conhecer. Mas desde que começamos a andar juntas, elas passaram a gostar tanto de mim e amavam tanto minha visão de mundo que eu não duvidava que aquela amizade que elas nutriam por mim estivesse virando quase uma paixão.

Eu mesma aos poucos estava me apaixonando por Beatriz, mas ainda relutava em me aproximar. Nós cinco éramos tão amigas, então o que aconteceria se duas de nós começássemos a namorar? Talvez a nossa amizade não fosse mais igual.

Eu era profundamente introspectiva. Estava desejando cada vez mais me conhecer para descobrir o que eu verdadeiramente queria para mim, pois aquele seria um momento importantíssimo da minha vida.

Por isso envolvi-me com magia: eu acreditava que não somente minha existência mas também o mundo e todas as pessoas que eu conhecia eram mágicos. Para mim, tudo poderia ser transformado em magia: meu chá e os bolinhos, a escolha das roupas que eu usava, o elo poderoso que ligava aquela amizade.

Eu tornava cada pequena porção da minha existência um ritual. Todas as manhãs, quando eu me produzia para o dia, transformava aquela atividade numa meditação, concentrando-me para que minha presença inspirasse as pessoas; para que eu pudesse fazer diferença na

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vida de alguém. E que minha beleza não estivesse somente fora, mas se interiorizasse.

Cada cacho do meu cabelo que eu moldava, eu convertia, através daquele ritual, num facho de bondade no meu coração. Quando eu cozinhava um bolinho transferia minhas energias para ele, pois assim quem o consumisse se encheria de amor.

A prática consciente e direcionada de magia tornou minha existência ainda mais significativa. Passei a vigiar mais meus pensamentos e minhas palavras. Cuidava cada vez mais para não ferir os sentimentos das pessoas. E cada vez que havia um encontro para um chá, nós cinco recitávamos poemas, líamos cartas, meditávamos e até chamávamos espíritos para abençoar aquele encontro e fortalecer cada vez mais nossa amizade.

Por fim, nos abraçávamos, sorríamos, nos encantávamos com a existência uma da outra. Eu não tinha palavras para explicar como eu amava aquelas quatro.

– É verdade que você criou um servidor? – perguntou-me Marina, interessada.

– Sim! – exclamei, contente – Já faz um bom tempo. O nome da minha servidora é Oãçome, porque ela rege as emoções. Quero ser capaz de equilibrar minhas emoções cada vez mais para servir melhor as pessoas. Mas também não quero me chatear demais quando eu fugir do controle.

– Você nunca foge do controle, linda – riu Beatriz – você é um anjinho!

– O anjinho aqui é você – comentei, maravilhada.

Beatriz era baixinha, pequena e com uma voz suave. Às vezes eu tinha vontade de abraçá-la como um ursinho e não largá-la nunca mais. Ela era tão fofinha! Tímida e queridinha.

Um dia ela chorou porque viu um passarinho morto na calçada. E não conseguiu parar de chorar pelo dia todo. Então eu retornei com ela para o local, colocamos o passarinho numa caixinha e enterramos. Nós o homenageamos também, levando flores.

Assim que nosso ritual acabou, choveu. Mas nós não saímos de lá. Permanecemos apenas sentadas na calçada e abraçadas. Ela deitou no

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