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O Parque Fantasmagórico

No documento Wanju Duli - Salve o Senhor No Caos (páginas 142-149)

Ohlarac caminhava pelos corredores da academia com seu manto negro. Aguardou na porta da outra sala, onde estudavam os alunos de manto cinzento. Anax saiu de lá, carregando uma mochila.

– Se não é a cria de Onai! Dizem que você é até mais poderoso que Lam, que é o servidor do Deus absoluto de Quepar. Isso é verdade?

– Não quero competir com ele – sorriu Ohlarac.

– Pois eu acho que você quer – retrucou Anax – ou não estaria vestindo o negro. E posso saber por que está aqui na porta da nossa sala?

– Queria falar com Amla, porque tenho assuntos a tratar com ela. – A servidora de Elehcim? Pode tratar. Eu nada tenho que ver! Ohlarac pegou Amla pela mão e os dois saíram correndo. Foram até a biblioteca e saíram de lá com livros pesados nos braços. Entraram numa sala vazia e espalharam os livros. Tiraram da mochila lupas, esquadros, compassos e lápis. Os dois começaram a rabiscar esquemas nos cadernos.

– Acha mesmo que o Criador espalhou pistas nos livros?

– Eu tenho certeza – disse Ohlarac – deve estar aqui em algum lugar. Recite o Poema da Redenção ao contrário. O Criador é um maníaco por inversões, porque meu Senhor na Terra também o é.

– Às vezes ele esconde a verdade em cálculos.

– Será fácil resolver os enigmas. É apenas matemática de ensino fundamental. O Criador largou o colégio, lembra?

– Você ficaria surpreso com os desafios que é possível desenvolver apenas com matemática básica – observou Amla.

– E com cartografia – disse Ohlarac – eu acho que deram um jeito de inverter esses mapas. Vou ter que calcular de novo para desvendar os locais dos tesouros.

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– Você acha que o Criador usaria uma localização tão óbvia quanto o Parque Fantasmagórico?

– Deve ser assim. É o coração de nosso mundo.

– É exatamente esse coração que temo encontrar – disse Ohlarac. Os dois escaparam por baixo da grade da academia, correndo como loucos para não serem pegos. E partiram diretamente na direção do parque abandonado.

Baixaram a cabeça e atravessaram pelas correntes e avisos que diziam: “Entrada Proibida”. Aquele aviso era mais convidativo do que se houvesse um “Bem-vindos!” em letras coloridas e brilhantes.

–“Risco de morte” – Ohlarac leu outro aviso perto da roda gigante – eu acho que o risco de viver é bem mais perigoso.

O parque estava tomado por uma névoa. Era difícil dizer o que havia adiante.

– Nossos colegas são uns covardes cagados – disse Ohlarac – não querem eles também serem deuses! Temem domesticar fantasmas. Eu quero um deles para pôr na coleira.

– O que é um fantasma?

– Servidores mortos – respondeu Ohlarac – mais especificamente, servidores criados para servir aos humanos por um tempo determinado. Aqueles que tiveram poucos dias ou semanas de vida. É fácil domar esses.

Ohlarac jogou uma pá na direção de Amla e os dois começaram a cavar perto da roda gigante.

– Não está aqui – constatou Ohlarac – vamos tentar na barraquinha de tiro ao alvo.

Cavaram em muitas partes e nada encontraram. Suado, Ohlarac jogou a pá no chão.

– Devemos acessar por magia e não por força bruta.

– Acho que simplesmente precisamos usar o cérebro – disse Amla. – O Túnel do Terror – Ohlarac riu – os fantasmas idiotas devem ter se escondido lá.

Ambos foram até o Túnel do Terror e tentaram ativar um dos carrinhos com uma alavanca.

– Está tudo quebrado, enferrujado e podre – constatou Ohlarac – consegue mover com magia?

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– Façamos os dois juntos – decidiu Amla.

Os dois se sentaram juntos num dos carrinhos e entraram no túnel. A porta se fechou por trás deles.

– Era para ser tão escuro? – sussurrou Amla. – Não me diga que está com medo.

– Eu ouço vozes.

– Não é esse o objetivo do brinquedo?

– Mas isso não deveria estar quebrado e desativado? Barulho de engrenagens. Ohlarac sentiu um arrepio.

– Há espíritos aqui dentro. Qualquer coisa entre a vida e a morte. – Eu sinto cheiro de morte – disse Amla.

– Antes fosse. O que está vivo assusta muito mais.

O estouro ocorreu de uma vez só. E depois nunca mais se ouviu. Amla foi arremessada contra a parede de pedra do túnel. Espinhos foram cravados em seus pulsos e em seus tornozelos. E ela ficou lá pregada.

Ohlarac foi lançado contra o chão. Seu manto e sua carne engancharam-se nos trilhos.

– Merda! – Ohlarac desesperou-se – Onde você está, Amla?

– Ela não pode responder agora – surgiu uma voz profunda – estou apertando o pescoço dela.

– Você não me mete medo, fantasma miserável – retrucou Ohlarac, com coragem – nosso poder mágico é superior. Jamais será capaz de nos matar.

– Pobres bastardos! – berrou o fantasma – Vieram para brincar com fogo. Eu respondo com sangue. Ela já devorou muitos dos nossos. Merece a morte.

– Eles dizem que a morte é necessária para o equilíbrio do mundo – disse Ohlarac – e que a maldição é a vida eterna.

– Apenas palavras. Acaso és tu aquele trazido à vida pelo senhor dos Peregrinos do Destino? Se aceita que teu destino é morrer aqui, apenas abraça teu fado e te cala.

– Não posso me calar agora, já que o sangue ainda corre em minhas veias.

– Tenho dois reféns comigo – alertou o fantasma – tu e ela. Escolhe qual será a vida que irá salvar-se!

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– Eu não escolho nenhuma.

Diante dessa resposta de Ohlarac, um sorriso desenhou-se no rosto fantasmagórico. Ele cortou o pescoço de Amla com a própria cauda afiada como navalha. A cabeça rolou até o chão. O sangue espalhou-se pelo corpo de manto cinzento.

O carrinho no qual os dois estavam antes retornou em velocidade fenomenal. Atropelou a barriga de Ohlarac, rasgando-lhe a pele, a carne e os órgãos. As vísceras saltaram para fora, empapadas em sangue.

Amla morreu na hora. O fantasma manteve Ohlarac vivo por mais tempo, para rir mais um pouco.

– Você gosta da dor? – perguntou-lhe o fantasma.

Mas Olharac não era capaz de falar. Em vez disso, começou a se masturbar.

– Você deve ser louco. Está quase morto e ainda busca prazer? – Eis a fonte da minha magia – revelou Ohlarac – existe algo maior que o medo da morte. E não é o amor. É a perpetuação da espécie!

Quanto mais Ohlarac massageava seus três cacetes, mais a energia fluía nele e voltava o sopro da vida.

– Que tipo de delírio é esse? – perguntou o fantasma, admirado. – O sentido animal da vida. Mais importante do que permanecer vivo é passar os genes adiante. É exatamente por isso que acontece um processo genial no cérebro no momento do prazer sexual. Essa sensação é tão intensa que você pode estar prestes a morrer, mas não teme.

– Isso não é verdade.

– Já tentou bater uma antes de morrer? – perguntou Ohlarac – Acho que você deveria. Senão, conta com a sorte e espera tua ereção pós morte.

Ohlarac ejaculou nos olhos do fantasma e esmagou seu coração. Estava ficando tonto. Sua visão tornou-se turva e Ohlarac cambaleou. Sua magia de sexo não foi suficiente para curar completamente a barriga, mas tinha lhe salvado a vida. Naquele instante ele soube: a magia de Argen não era o que buscava e sim a magia que trazia o sentido animal da existência.

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Ohlarac tentou comunicar-se com seu Senhor na Terra, o que só era permitido em uma situação grave como aquela. Em outras circunstâncias, precisava esperar ser chamado.

Cristiano aceitou o chamado do servidor, que recebeu autorização para atravessar até a dimensão da Terra. Quando Ohlarac percebeu onde estava, levou um susto: Cristiano estava caído no chão ensanguentado. Tinha sido baleado.

– Vai procurar outro mestre, Ohlarac. Te liberto.

E Ohlarac sentiu o elo entre eles desaparecer no instante da morte de Cristiano.

O servidor ficou confuso e perdido. Não via mais necessidade de continuar a viver se seu Senhor na Terra tinha falecido. Eles estavam conectados de uma forma estranha entre os dois mundos, a ponto de as alegrias e sofrimentos dos dois se relacionarem.

Mas aquilo tinha chegado ao fim. Ohlarac tinha a opção de escolher um novo mestre, já que nunca tinha consumido um fantasma. Amla não teria o mesmo fim. Ela chegara até a morte final.

Ohlarac procurou uma energia forte ao seu redor e conectou-se a ela. Quando Ohlarac retornou a Quepar, abandonou o manto negro. Inscreveu-se numa ordem de primeiro grau, da cor vermelha.

– Você sabia? – Anax veio conversar com ele um dia – Dizem que Lam foi responsável pela morte do teu Senhor na Terra.

– O Senhor dele foi responsável – retrucou Ohlarac – Lam só obedeceu às ordens dele, como deve fazer. Não vou brigar com esse cara. Estou farto disso.

Anax encostou-se a Ohlarac por trás. Massageou os ombros dele. – Lembra quando transamos? – Anax sussurrou em seu ouvido – Porque os nossos senhores mandaram.

– Eu apenas obedeci ordens – respondeu Ohlarac friamente.

– Eu gostei – disse Anax – somos livres para nos unir de novo. Sei que você aprecia a magia do sexo. Você quer?

– Não contigo. Queria que fosse com Amla.

– Ela está morta. Pretende buscar o fantasma dela? Ou o cadáver? Prefere sexo com carne podre ou com espíritos?

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– Eu quis descobrir todas as coisas desse mundo – confessou Ohlarac – estava determinado a desvendar todas as pistas do Criador. Caçar todos os fantasmas, encontrar todos os baús de tesouro que ele espalhou por Quepar. E, acima de tudo...

– ...desafiar o Fantasma Sagrado – completou Anax – por que essa sede por aventura? Por que esse anseio pelo fim?

– É o alimento da minha alma. Não se esqueça por quem fui criado. – Você não é mais dele. Pode seguir seu próprio caminho. Já esqueceu? Até mesmo o Criador afirmou que temos livre arbítrio. Podemos ser escravos de nossos senhores, mas não somos escravos do mundo. O mundo é nosso, seja para ser desvendado, para ser desfrutado ou para ser esquecido.

– Eu quero esquecer tudo o que aconteceu hoje e começar uma nova vida – afirmou Ohlarac.

– Em vez de desvendar esse mundo, que tal construir o seu? – propôs Anax.

– Também posso tentar tornar-me um Senhor em Quepar. Ou adorar uma pedra na rua em vez de meu Senhor na Terra. Há tantas opções que meu coração bate forte com excitação, mas também com desespero. Era muito mais fácil apenas segui-lo...

– Você quer a opção mais fácil ou a opção na qual acredita? – Eu quero todas as coisas.

– Você não pode ter tudo. – Então não vou ter nada.

– Foi exatamente esse pensamento que matou Amla e quase te matou. Você negou salvá-la ou salvar a si mesmo. Absteu-se de sua capacidade de escolha. Apenas permitiu que seu destino fosse traçado.

– Essa também é uma escolha. E por que ela estaria errada?

– Nenhuma das opções é a verdade – declarou Anax – são apenas anseios de verdade. Talvez as coisas falsas tenham um melhor sabor, como as falsas escolhas.

– Quero ficar sozinho por um tempo – decidiu Ohlarac – por enquanto não quero ninguém me dizendo o que fazer. Vou pensar por mim mesmo. Eu acredito em mim, mesmo que ninguém mais acredite.

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Com o passar dos anos, Ohlarac viu o Parque Fantasmagórico crescer e se tornar vivo. Os brinquedos voltaram a funcionar. O parque era sempre cheio e alegre. Ohlarac até trabalhou por lá durante um tempo como vendedor de balões e pipocas.

Enquanto isso, ia experimentando diferentes linhas da magia. Novas ordens iam surgindo, algumas realmente imbecis e outras imensamente poderosas. E vale ressaltar que algumas das ordens imbecis estavam entre as mais poderosas de todas.

Era bem mais fácil quando só havia a ordem negra, branca e cinzenta, como no início de tudo. Mas Ohlarac notou que não queria a facilidade. Ousaria até mesmo fundar sua própria ordem.

Até aquele dia, ele jamais tinha entrado novamente no Túnel do Terror. A caçada de fantasmas tornou-se um passatempo divertido para as novas gerações, bem menos violento. Isso enquanto as crianças da nova geração não brincassem com o sagrado.

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No documento Wanju Duli - Salve o Senhor No Caos (páginas 142-149)