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CAPÍTULO III – CONTRIBUIÇÕES LINGUÍSTICAS

3.6. As contribuições da Linguística Textual

Foram reunidas algumas contribuições teóricas dos estudos da Linguística Textual mais diretamente relacionadas a esta pesquisa e ao processo de ensino e aprendizagem da língua. Inicia-se com a definição de competência comunicativa. Em seguida, apresentam-se definições empregadas neste trabalho como conhecimento de mundo, frames, scripts, situacionalidade, intencionalidade.

A Linguística Textual como ciência reúne os estudos linguísticos de retórica, estilística, teoria dos gêneros, teoria da argumentação, narratologia etc. Neste trabalho, tais estudos serão relacionados a fim de desenvolver o ensino da língua de modo contextualizado. O objetivo é oferecer ao aprendente conhecimentos sobre os diferentes recursos de uso da língua (sintáticos, semânticos, pragmáticos, socioculturais etc.) e de que modo eles podem ser acionados para interagir na vida social. Para que isso se concretize, a língua não deve ser vista como um sistema autônomo e fragmentado, mas inserida nos processos de interação verbal humana.

O ensino da língua visa estimular o desenvolvimento da competência comunicativa no aprendente e não ficar limitado apenas ao domínio de regras normativas que não formam produtores e receptores competentes de textos orais e escritos. Desse modo, concordamos com Marcuschi (2008):

(...) deve levar em conta os parâmetros mais amplos de uma etnografia da fala, uma análise das interações verbais, produções discursivas e atividades verbais e comunicativas em geral sem ignorar a cognição. É nesse contexto que se situa a questão gramatical e todo o trabalho com a língua. Trata-se de valorizar a reflexão sobre a língua, saindo do ensino normativo para um ensino mais reflexivo. (P. 55)

Para que o ensino se desenvolva de acordo com essa proposta deve ser descendente, ou seja, parte-se do gênero textual, como sugere Koch (2004, p. 6): “É a partir da unidade hierarquicamente mais alta – o texto – que se pretende chegar, por meio da segmentação, às unidades menores, para, então, classificá-las”. Essa proposta não segue mais o antigo percurso crescente, ou seja, os estudos se iniciavam a partir das unidades léxico-gramaticais ou fonológicas.

O gênero textual se materializa no texto, como diz Marcuschi (2008, p. 88): “(...) o texto é a unidade máxima de funcionamento da língua”. Acrescentamos que é nos gêneros textuais que os textos se tornam instrumentos mediadores das relações sociais.

Apresentaremos em seguida os diferentes conhecimentos cognitivos e pragmáticos mobilizados para a interpretação e produção de textos orais e escritos.

3.6.1. Conhecimento de mundo

Os conhecimentos de mundo são adquiridos ao longo da vida e contribuem para o domínio da língua. O aprendente já possui grande parte desse repertório de conhecimentos, pois consegue selecionar o gênero textual bilhete, por exemplo, e a variedade linguística para avisar a mãe sobre um trabalho na casa de um colega, sabe também como deve (ou deveria) se comportar durante um casamento, qual a roupa mais adequada, qual a sequência e o papel de cada participante ao longo do ritual. O problema é que esses conhecimentos são ativados de modo subjetivo, sem que se tenha consciência disso. Compete à escola estimular o desenvolvimento desses conhecimentos conscientes para interagir na produção e recepção de textos orais e escritos.

Para que tais estímulos possam ocorrer, no processo de ensino e aprendizagem da língua na perspectiva dos gêneros textuais, orais ou escritos, o professor deve também ensinar ao aprendente como interagir com esses recursos. O leitor ou ouvinte interage para identificar quais os “segredos” da mensagem, pois seu significado não é fragmentado, está relacionado a contextos de produção e de recepção que precisam ser identificados. Esse processo se desenvolve por meio da ativação dos conhecimentos de mundo (ou conhecimentos enciclopédicos) adquiridos ao longo da vida que permitem nossa interpretação e que se referem aos conhecimentos linguísticos, sociais, históricos e culturais.

Os conhecimentos de mundo são integrados por conhecimentos de origem específica como, por exemplo, contextualizadores propriamente ditos,

conhecimentos prospectivos, enciclopédicos, de modelos textuais globais e de interação social (cf. KOCH, ELIAS, 2009; KOCH, 2004).

Os contextualizadores propriamente ditos estão relacionados a fatores imediatos e possíveis de serem identificados no próprio texto, por exemplo: data, local, assinatura, elementos gráficos, sessão ou local onde estão impressos, suporte.

Os conhecimentos prospectivos permitem criar expectativas (ou antecipações) sobre o conteúdo do texto, identificá-los permite acionar conhecimentos de mundo para auxiliar na interpretação, podem ser identificados no: título, autor, estilo de época, corrente ideológica, início do texto etc.

Os conhecimentos enciclopédicos relacionados a aspectos sociais, históricos e culturais podem ser adquiridos pelo contato com o grupo social do qual fazemos parte, do estudo escolar formal e de outras experiências variadas.

O conhecimento de modelos textuais globais refere-se a reconhecer os gêneros textuais de que dispõe, como se organizam, qual o mais adequado em determinadas situações, o conteúdo a ser veiculado por esse gênero, o estilo e o suporte.

A interação social permite a formação dos fatores cognitivos (registros mentais sobre os eventos que, ao longo da vida, irão facilitar nossas ações em situações similares ou idênticas) e pragmáticos (relacionados às situações e intenções de uso da língua). Apresentaremos em seguida o cognitivismo e o pragmatismo e de que modo podem contribuir para o ensino de Língua Portuguesa.

Nossas experiências cotidianas formam um repertório de como agir em determinadas situações. Quando significativas, tornam-se instrumentos cognitivos que nos auxiliam a agir em condições similares. Pedagogicamente,

são conhecimentos que auxiliam na produção e recepção de textos orais e escritos. Na leitura, por exemplo, permite imaginar antecipações. Destacamos do cognitivismo os modelos de experiências que recebem o nome de “frames” ou “scripts”:

• Os “frames” são modelos relacionados a determinado evento. Não existe sequenciação lógica ou temporal. Por exemplo, ao mencionarmos a palavra “festa” são despertadas lembranças de situações similares como: bolo, dança, brigadeiro, roupas bonitas, vela, cantar a música “parabéns a você...” etc.

• Os “scripts” indicam os papéis sociais (ações) dos participantes em determinada situação. Preferimos não conceituar os “esquemas” de modo isolado, mas associado ao “script”, apesar de na área da pesquisa constituir uma sequência lógica e (quase sempre) previsível. Assim, para a área do ensino, o conceito de “script” seria o papel social esperado dos participantes durante determinado evento e a sequência de suas ações convencionadas.

A pragmática, como área de pesquisa, analisa a influência da intencionalidade e da situacionalidade como importantes para a geração de sentido em um texto, e vai do cotexto (relações linguísticas internas) ao contexto. Para Koch, a pragmática está relacionada à produção e à recepção de textos, ou seja:

(...) a geração, interpretação e análise de textos, desde a estrutura pré-linguística da intenção comunicativa até a sua manifestação superficial (...). A relação existente entre os elementos do texto deve- se à intenção do falante, ao plano textual previamente estabelecido, que se manifesta por meio de instruções ao interlocutor para que realize operações cognitivas destinadas a compreender o texto em sua integridade, isto é, o seu conteúdo e o seu plano global; ou seja, o ouvinte não se limita a “entender” o texto, no sentido de “captar” apenas o seu conteúdo referencial, mas necessita, isto sim, reconstruir os propósitos comunicativos que tinha o falante ao estruturá-lo, isto é, descobrir o “para quê” do texto. (KOCH, 2004, p. 15)

A situacionalidade refere-se ao evento textual e à situação (social, política, cultural, ambiental etc.) em que texto ocorre, influenciando o planejamento de sua produção ou sua recepção. Já a intencionalidade refere- se aos objetivos pretendidos pelo locutor/escritor a serem atingidos por meio de texto como humor, crítica, elogio etc.

Visto a partir da perspectiva do ensino, consideramos muito tênue a distinção entre os elementos constituintes da pragmática, da cognição e dos conhecimentos de mundo, pois, durante a interpretação de um texto, todos eles são mobilizados quase ao mesmo tempo e acabam se permeando.

A EL reúne teorias da linguística da enunciação, entre outras, para constituir seus instrumentos teóricos. Para que essa proposta se concretize, é necessária uma visão transversal sobre os fundamentos teóricos que permitam o ensino dos gêneros textuais. Acreditamos que as pesquisas com os gêneros textuais e os estudos da pragmática e do cognitivismo são complementares, como exemplo, podemos citar trabalhos que conseguem articular aspectos importantes de diferentes abordagens linguísticas e com isso constituir uma base teórica para o ensino dos gêneros textuais na escola numa linguagem acessível e de fácil transposição, como os trabalhos de Marcuschi (2008) e Elias e Koch (2009).

Mais adiante, apresentamos alguns conceitos de gramática e de que modo a língua se constitui como elemento social através dos gêneros textuais, para isso, definimos os conceitos de gêneros textuais, tipos textuais, domínio discursivo, sociorretórica e tipologia adotados neste trabalho.

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