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EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA: ANÁLISE DO ENSINO DE GRAMÁTICA EM APOSTILA DE ENSINO MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

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PUC – SP

WALDNYLSON MARTINIANO DA MATA

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA: ANÁLISE DO ENSINO DE

GRAMÁTICA EM APOSTILA DE ENSINO

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

WALDNYLSON MARTINIANO DA MATA

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA: ANÁLISE DO ENSINO DE

GRAMÁTICA EM APOSTILA DE ENSINO

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em

Língua Portuguesa, sob a

orientação da Professora Doutora Dieli Vesaro Palma.

(3)

AGRADECIMENTOS

A lição sabemos de cor, só nos resta aprender. Beto Guedes – Sol de Primavera

Tenho a sorte de ter tantas pessoas maravilhosas participando de minha vida, que surgem nos momentos mais inesperados, dizem pequenas palavras, realizam pequenas ações e com isso me motivam e dão rumo à minha vida. Muito obrigado a todos vocês.

Agradeço à minha esposa Vilma, pela cumplicidade, pelas palavras de apoio, pelo seu amor. Este trabalho é minha declaração de amor para você.

Agradeço a meus filhos Heleonora (in memoriam), Maria das Graças,

João Vítor e Marco Antonio pela alegria de nosso lar e pelo respeito quando precisei.

Agradeço à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pela bolsa de mestrado concedida, que me permitiu a concretização desta pesquisa.

Agradeço a meus pais, Carlos e Maria, meu irmão Wanderley e a meus sogros, José e Maria.

Agradeço também a alguns amigos: Edílson Casarini, pelos livros e pela amizade sincera, Nilson Joaquim, dona Amélia, profa. Dra. Inez Sautchuk, profa. Dra. Dieli Vesaro Palma.

Não poderia deixar de reservar um lugar especial para meu saudoso amigo Servílio, que me fez estudar aqui, permanece vivo todos os dias em minha memória e me fez descer pela primeira vez a rampa da PUC quando eu quis retornar e ir embora. Muito obrigado, você é o grande responsável por eu chegar até aqui.

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RESUMO

Este trabalho foca a análise do aspecto gramatical de ensino na apostila de ensino do Sistema Positivo de Ensino do 7º ano (antiga 6ª série), sob a perspectiva da Educação Linguística. A pesquisa tem como objetivo responder duas questões:

1. A apostila de ensino desenvolve o ensino da gramática dentro da abordagem dos gêneros textuais, levando em consideração situações de uso?

2. De que modo o professor reflexivo pode fazer uso desse material: ele é apenas um “instrutor” que segue as orientações do material, ou pode intervir no processo de ensino e aprendizagem?

O objetivo da primeira questão é analisar se o ensino de gramática desenvolvido pela apostila de ensino está contextualizado com o ensino dos gêneros textuais estudados. Já o da segunda pergunta é analisar se o professor pode intervir durante o processo de ensino e aprendizagem, ou apenas cumprir as orientações da apostila de ensino.

A análise foi desenvolvida por meio de três comparações entre: 1) “Orientações Metodológicas”; 2) Como são desenvolvidas as atividades na apostila; 3) Fundamentos teóricos reunidos para a pesquisa, a fim de verificar se existem contradições entre eles. O resultado obtido é que a apostila de ensino consegue desenvolver o ensino da gramática de modo contextualizado e o professor reflexivo consegue intervir no desenvolvimento do ensino da língua.

(5)

ABSTRACT

This paper aims at analyzing the book “Sistema Positivo de Ensino” teaching of Year 7 (former 6th grade) under the perspective of Educational Linguistics.

The analysis will in the teaching of language teaching materials developed by this school that follows the guidelines of the official documents of the Ministry of Education and Culture, the National Curriculum, working to guide the process of teaching with the genre analysis.

We will also consider whether the reflective teacher can carry out teaching with some autonomy by intervening when necessary in the process of teaching and learning, and how these interventions might occur.

During this analysis we present the theoretical framework of Education Linguistics as a research and teaching. Define the concept of genre and how they can contribute to language teaching. We selected some of the concepts related to teaching Textual Linguistics and the concept of Education Booklet.

After analyzing the corpus, we conclude that the reflective teacher can intervene in the development of language teaching, but the teacher's manual usually offers no theoretical knowledge, and Education Booklet does not address properly the teaching of genre in all its potential, sometimes emphasizing the normative grammar with focus on sentences.

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Banca examinadora:

_______________________________

_______________________________

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 9

CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA... 14

Considerações iniciais... 14

1.1 . O novo contexto social para o ensino de língua materna... 14

1.2. O conceito de EL... 15

1.3. A EL e seus conceitos pedagógicos... 16

1.3.1. A noção de situação didática... 17

1.3.2. O contrato didático... 17

1.3.3. Transposição didática... 18

1.3.4. A noção de obstáculo epistemológico... 19

1.3.5. Registros de representação... 20

1.3.6. A engenharia didática... 20

CAPÍTULO II – O PROFESSOR REFLEXIVO... 23

Considerações iniciais... 23

2.1.Conceito de práxis... 23

2.2. Profissionalidade na ação docente... 25

2.3. O professor reflexivo... 31

CAPÍTULO III – CONTRIBUIÇÕES LINGUÍSTICAS... 40

Considerações iniciais... 40

3.1. As pedagogias linguísticas... 40

3.2. Os conceitos de texto, discurso e enunciado... 41

3.3. O conceito de língua... 42

3.4. O conceito de letramento... 43

3.5. A EL e seus aspectos linguísticos... 44

3.6. As contribuições da Linguística Textual... 44

3.6.1. Conhecimento de mundo... 46

3.7. Os conceitos de gramática... 49

3.8. O conceito de gêneros textuais... 55

3.8.1. O conceito de tipo textual... 58

(8)

3.8.3. A escola norte-americana ou sociorretórica... 62

3.8.4. O conceito de portador ou suporte... 64

CAPÍTULO IV – A PROPOSTA DE ENSINO DA LÍNGUA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS.67 Considerações iniciais... 67

4.1. As avaliações oficiais... 68

4.2. A LDB e os PCNs... 69

4.3. O PNLD... 76

4.4. O livro didático (LD)... 76

4.5. As apostilas escolares (AEs): conceito... 78

4.6. O uso do material didático... 79

4.7. O manual do professor... 81

CAPÍTULO V – ANÁLISE DO “CORPUS”... 83

Considerações iniciais... 83

5.1. Descrição do “corpus”... 83

5.2. Descrição dos Volumes e seus conteúdos... 83

5.2.1. Descrição das Unidades de trabalho... 89

5.3. Manual do professor... 91

5.4. Avaliação... 93

5.5. Análise do “corpus”... 95

CONCLUSÃO...124

REFERÊNCIAS...128

(9)

INTRODUÇÃO

Como aluno, sempre me perguntei por que durante as aulas de gramática tinha que decorar vários conceitos, pois, com o tempo, esquecia-os e eram de difícil aplicabilidade na produção de textos. Meus questionamentos a respeito da gramática começaram a amadurecer em 2000, durante um curso de Língua Portuguesa lato sensu. Durante as aulas de Morfossintaxe, com a

professora doutora Inez Sautchuk, comecei a descobrir que o ensino de gramática podia ser questionado, afinal não é um conhecimento definitivo. Na tentativa de mudar essa situação, no início da minha carreira profissional como professor, em 2001, procurei encontrar um caminho que tornasse o ensino da gramática um momento menos traumático para o aprendente e mais significativo na vida dele. Para tornar minhas aulas mais agradáveis, brincava durante as explicações a fim de estimular a participação do aprendente e facilitar sua aprendizagem. Mas, no fundo, eu sabia que desenvolvia as mesmas aulas que meus antigos professores e que, para poder mudar essa situação, faltavam-me dois fundamentos: formação teórica e conhecimento aprofundado sobre a disciplina. Não há qualidade sem conhecimento.

Então, comecei a pesquisar em diversos livros didáticos formas diferentes para desenvolver conhecimentos gramaticais e assim planejar minhas aulas. Selecionava partes de alguns e juntava-as a outras. Em nossa vida, é preciso saber ouvir os bons conselhos e um desses veio de meu grande amigo Nilson: “Planeje bem suas primeiras aulas e guarde-as, perca o tempo que for necessário, no futuro você voltará a utilizar esse material”. Foi o que fiz. Muito obrigado. Eu sabia que minhas explicações tinham que ser suficientes para se encaixar em qualquer um dos livros didáticos, afinal eu não podia ser um professor de manhã, outro à tarde e outro à noite, caso me utilizasse de livros diferentes, pois a gramática é sempre a mesma.

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sobre fonemas, eram feitos alguns questionamentos como: Qual letra aparece nas quatro palavras “exame”, “extensão”, “fixo”, “relaxado”? Em seguida, o aprendente devia identificar quais sons eram representados pela letra “X” e registrá-los.

Após esse primeiro momento de mobilização da atenção do aprendente para o assunto é que se desenvolviam as explicações. O encaminhamento era como uma construção do conceito junto com o estudante. A diferença estava em que o aprendente não era colocado já no início diante de um conceito que deveria ser decorado. Mais adiante, no livro, perguntava-se por que nosso alfabeto era dividido em vogais e consoantes. A resposta era acompanhada também por explicações lógicas, e não uma simples situação de decorar conhecimentos já produzidos. Era um método indutivo.

Concluí que muitos conceitos apresentados na língua seguem um princípio para sua formulação, como por exemplo na acentuação gráfica temos o “princípio da economia”. Era o mesmo que ir até a origem do conhecimento, o saber pela causa, pelo princípio que rege a norma, e isso facilita a aprendizagem.

Esse sistema de ensino, apesar de focar na gramática tradicional, conseguia seguir uma proposta de linha construtivista. Iniciava o assunto, provocando um desequilíbrio inicial através de perguntas; em seguida, desenvolvia uma explicação coerente; ao longo do desenvolvimento do assunto, retomava alguns pontos para reforçar as conclusões alcançadas; ao final da unidade de ensino, o aluno deveria resumir o que havia sido desenvolvido ali. Havia também uma relação entre os conhecimentos, uma progressão que sempre aproveitava o assunto anterior. Foi então que procurei relacionar assuntos em uma sequência de explicações ou retomar alguns pontos necessários para poder desenvolver a explicação.

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Muitos estudos sobre o ensino da língua têm sido apresentados, mas os materiais didáticos (livros didáticos e apostilas de ensino) apresentam um gênero textual e em determinado momento é feito um recorte para a explicação de aspectos gramaticais. Na verdade, gramática (mas qual gramática afinal?) tornou-se uma palavra proibida. O professor ainda não se deu conta de que para ter autonomia para aceitar ou recusar o método de ensino apresentado pelo material didático deve possuir base teórica consistente. Para que isso ocorra, a formação inicial e continuada deve ser suficiente para permitir, decidir e intervir (n)o processo de ensino.

Em face da exposição, o tema desta pesquisa é a análise da proposta de ensino da gramática, apresentada na apostila de ensino do Sistema Positivo de Ensino, sob a perspectiva da Educação Linguística.

Orientam a pesquisa, as seguintes questões:

1. A apostila de ensino desenvolve o ensino de gramática dentro da abordagem dos gêneros textuais, levando em consideração situações de uso?

2. De que modo o professor reflexivo pode fazer uso desse material: ele é apenas um “instrutor” que segue as orientações do material, ou pode intervir no processo de ensino e aprendizagem?

Com base nisso, o objetivo da primeira questão apresentada é analisar se o ensino de gramática desenvolvido pela apostila de ensino está contextualizado com o ensino dos gêneros textuais estudados. O segundo é analisar se o professor pode intervir de modo reflexivo durante o processo de ensino e aprendizagem, ou apenas cumprir as orientações da apostila de ensino.

(12)

Assim, exposto o tema da dissertação, as perguntas e os objetivos pretendidos, apresentamos a estrutura do trabalho:

A análise foi desenvolvida por meio de três comparações entre: 1) “Orientações Metodológicas”; 2) Como são desenvolvidas as atividades na apostila; 3) Fundamentos teóricos reunidos para a pesquisa, a fim de ver se existem contradições entre eles. O resultado obtido é que a apostila de ensino consegue desenvolver o ensino da gramática de modo contextualizado e o professor reflexivo consegue intervir no desenvolvimento do ensino da língua.

Assim, exposto o tema da dissertação, as perguntas a serem respondidas, os objetivos pretendidos e o método de análise, o trabalho está estruturado da seguinte maneira:

Capítulo I – apresenta o conceito de EL como processo de ensino e aprendizagem, formal ou informal, que tem como objetivo tornar o aprendente um “poliglota dentro da sua própria língua” (BECHARA, 1991, p. 14), e sua fundamentação teórica, que visa rever os papéis do professor e do aprendente. Os conceitos operacionais são as situações didáticas que reúnem a transposição e o contrato didáticos; já os conceitos cognitivos são a noção de obstáculo epistemológico, os registros de representação e a engenharia didática.

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Capítulo III – mostra de que modo os conhecimentos linguísticos reunidos pela EL podem formar o poliglota na própria língua. Nessa perspectiva, o processo de ensino e aprendizagem deve contemplar as quatro dimensões da língua: a da pedagogia do oral; a da pedagogia da leitura; a da pedagogia da escrita; a da pedagogia do léxico e da gramática. Define o conceito de língua, texto e discurso, pois desse modo define-se também o objeto de ensino e com isso quais aspectos são necessários dominar e devem ser contemplados no ensino escolar.

Também apresenta diferentes conceitos de gramática como: a normativa, a descritiva, a internalizada, a implícita, a teórica ou explícita e a reflexiva. Por fim, para que se possa ensinar numa perspectiva dos gêneros textuais, são define os conceitos de gênero textual, tipo textual, domínio discursivo, tipificação e portador ou suporte.

Capítulo IV – verifica de que modo alguns documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Base, os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Programa Nacional do Livro Didático podem intervir no trabalho docente com o objetivo de melhorar a qualidade de ensino. Reflete, de modo breve, sobre os sistemas de avaliação oficiais sobre a qualidade do ensino: Enem, Saeb e Prova Brasil.

(14)

CAPÍTULO I

A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

Considerações iniciais

Neste capítulo, apresenta-se o conceito de Educação Linguística (doravante EL). Neste trabalho, a EL é definida como área de pesquisa e de ensino que visa desenvolver a competência comunicativa dos aprendentes, ampliando conhecimentos linguísticos e pragmáticos que lhe permitam interagir socialmente nos diferentes contextos sociais. Como área de pesquisa, a EL envolve aspectos pedagógicos e linguísticos.

Os conceitos pedagógicos adotados pela EL foram desenvolvidos pela Educação Matemática, são eles: a transposição didática, o contrato didático, a noção de obstáculo epistemológico, os registros de representação, a teoria dos campos conceituais e a engenharia didática.

Os aspectos linguísticos estão relacionados à definição dos conceitos de língua, texto, discurso, letramento e gramática, que serão adotados ao longo deste trabalho.

O desenvolvimento dos assuntos organiza-se, primeiramente, na reflexão sobre o novo contexto social do século XXI e as novas exigências às quais a educação é chamada a assumir seu papel. Em seguida, apresentamos o conceito de EL e seu arcabouço teórico relativo aos conceitos pedagógicos e aos conceitos linguísticos.

1.1. O novo contexto social para o ensino de língua materna

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futuros cidadãos responsáveis, comprometidos com o desenvolvimento de uma vida sustentável, promovendo o respeito no convívio social e a formação de mão de obra qualificada. Todavia, para que uma verdadeira renovação ocorra, não basta mudar apenas a estrutura física como a mobília, os pisos, construir salas informatizadas etc., na escola, as mudanças precisam vir também de dentro para fora. No ensino da Língua Portuguesa, a EL propõe que os papéis sociais entre docente e aprendente sejam revistos, como cita Palma et al. (2007, p. 9):

Por esse processo de reinterpretação de papéis sociais, o estudante é transmudado em aprendente – aquele que reconstrói seus conhecimentos prévios tendo o professor como orientador de descobertas e incorporações de novas informações à sua rede cognitiva.

Essa relação é um compromisso pedagógico entre docente e aprendente. A renovação proposta pela EL redefine também os objetivos do ensino de língua materna:

O objetivo de estudo da disciplina Língua Portuguesa deixa de estar centrado na palavra isolada ou inserida na moldura da frase para centrar-se no texto. A Língua focalizada pelos processos de textualização é concebida como suporte de representações de conhecimentos de mundo e de comunicação. (PALMA et al., 2007, p. 9)

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1.2. O conceito de EL

A EL deve ser compreendida como um processo de ensino e aprendizagem, formal ou informal, que tem como objetivo desenvolver no aprendente diversos conhecimentos sobre sua própria língua para que possa empregá-la de modo consciente nas diferentes situações sociais para atingir seus objetivos (TRAVAGLIA, 2004).

A EL é considerada instrumento teórico e área de pesquisa. Freitas (2008) explica que o termo surgiu dos estudos sobre o ensino de Matemática que avançaram muito, principalmente na França, nas décadas de 1960 e 1970. Lá, denomina-se “Didática da Matemática”; no Brasil, “Educação Matemática”. Ao ser adotada para o ensino de Língua Portuguesa, recebeu o nome de Educação Linguística, e passou a ser referência no desenvolvimento dos estudos voltados para o ensino de língua materna. Reúne em torno de si diversas áreas do saber, como Linguística, Pedagogia, Psicologia, Filosofia, Epistemologia, História, Antropologia etc.

Como área de pesquisa em ascensão, a EL reúne conhecimentos pedagógicos e linguísticos que têm o objetivo de melhorar a qualidade do ensino. Por se tratar da disciplina de Língua Portuguesa, são reunidos também conhecimentos desenvolvidos por diferentes áreas de pesquisa linguística como a sociolinguística, a psicolinguística, a linguística do texto, a pragmática linguística, a análise da conversação, a análise do discurso etc.

1.3. A EL e seus conceitos pedagógicos

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o contrato didático. Já os cognitivos são a noção de obstáculo epistemológico, os registros de representação e a engenharia didática.

1.3.1. A noção de situação didática

Iniciamos a apresentação dos conceitos pedagógicos pela noção de situação didática, pois seu objetivo é compreender de que modo o processo de ensino e aprendizagem ocorre para poder melhorar as ações pedagógicas.

De acordo com Melo (2009), esses estudos surgem influenciados pelas pesquisas sobre a epistemologia genética de Piaget (1983), cujo princípio está em que a aprendizagem ocorre através da adaptação a um meio que produz desequilíbrios e contradições. Esse princípio contribui para que a EL possa analisar como são assimilados os conceitos linguísticos durante o desenvolvimento de atividades planejadas. Os resultados servem para o docente refletir sobre sua práxis para melhorar a qualidade do ensino.

Pode-se concluir que a aprendizagem significativa só ocorre em situações de ensino contextualizado, problematizando os conhecimentos prévios dos aprendentes. Portanto, uma situação didática é o momento formalizado em que o docente atua de forma intencional para envolver o aprendente no processo de ensino e de aprendizagem. Durante o processo, duas outras noções são reunidas: contrato didático e transposição didática.

1.3.2. O contrato didático

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quando alguma das partes transgride essas normas. Diante dessa quebra de contrato, cada um deve prestar contas de sua atitude perante o outro.

Devido às transgressões que ocorrem, o contrato didático é renovado a cada novo momento do processo de ensino-aprendizagem, de forma explícita ou implícita, mas sempre com o objetivo de melhorar a aprendizagem. O convívio escolar ocorre em torno do conhecimento a ser apresentado.

Nas linhas subsequentes, é apresentado como são feitas as adaptações do conteúdo a ser ensinado.

1.3.3. Transposição didática

A transposição didática é o estudo do processo de adaptação de um conhecimento científico para o ensino em sala de aula. Entre o saber científico e o saber ensinado existe a intervenção do professor chamada por Astolfi e Develay (1990) de “epistemologia do professor”. Pais (2008) apresenta os três saberes que constituem a transposição didática:

• o “saber científico”: é aquele desenvolvido nas universidades e institutos de pesquisa e reúne áreas como: política, economia, tecnologia etc.;

• o “saber a ensinar”: é a adaptação didática que ocorre com o “saber científico” para torná-lo um saber escolar e, assim, assimilável pelo aluno;

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não pode ser concebido apenas como uma simplificação do saber científico” (cf. PAIS, 2008, p. 23-25).

Mas o saber científico que pode vir a se tornar objeto de ensino não é selecionado pelo docente. O conteúdo a ser desenvolvido em sala de aula é decidido por um grupo denominado “noosfera” – formado por cientistas, professores, especialistas, políticos, autores de livros e outros agentes da educação –, que determina a seleção dos conteúdos e a sua apresentação como saber escolar.

Durante o processo de ensino e aprendizagem podem ocorrer dificuldades de aprendizagem. A EL procura definir quais as possíveis causas desse fato. O próximo item trata desse assunto.

1.3.4. A noção de obstáculo epistemológico

O termo obstáculo epistemológico foi empregado pela primeira vez em 1938, pelo epistemólogo francês Gaston Bachelard, em seu livro “A formação do espírito científico”, que procura estabelecer uma relação entre a

epistemologia (estudo crítico da ciência, que pode ser histórica, filosófica, social ou psicológica) e a didática.

Um obstáculo epistemológico é identificado quando ocorrem erros recorrentes cometidos pelos estudantes, referentes a uma mesma aprendizagem. A origem dessa situação pode ter como princípio causas de ordem epistemológica e didática.

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descontextualizado e torna-se para o aprendente apenas a decoração de regras ou conceitos.

Já as causas didáticas ocorrem porque, na transposição para a sala de aula de determinado conhecimento científico, não há justificativas históricas. Para suprir essa ausência, o professor cria facilitações, as chamadas “dicas”, para viabilizar a aprendizagem. Esse procedimento não caracteriza a epistemologia científica, pois está impregnada de um olhar pessoal repleto de crenças, perdendo-se o foco de seu objeto de ensino.

No próximo item, é apresentado como diferentes formas de representação estão relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa.

1.3.5. Registros de representação

A noção de representação procura responder a questão: Como se processa a aprendizagem?. Essa noção está relacionada aos diferentes modos de se representar um objeto de ensino (normalmente voltados a conceitos abstratos) como estruturas, relações, símbolos, signos, códigos, tabelas, gráficos, algoritmos, desenhos etc. (cf. DAMN, 2008, p. 167).

Espera-se que o aprendente possa dominar diferentes formas de registro do conhecimento, de modo a empregá-las para representar um mesmo objeto em diferentes situações de uso. Para a área de Língua Portuguesa, pode-se citar como exemplo o domínio do uso de sinais de pontuação pelo aprendente, que tem como objetivo representar na forma escrita o modo como uma palavra ou expressão pode ser pronunciada oralmente.

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1.3.6. A engenharia didática

Machado (2008, p. 233) diz que o termo “engenharia didática”surgiu na década de 1980, “para pesquisas da Didática da Matemática que incluem uma parte experimental” e repousa suas bases metodológicas sobre a análise de práticas didáticas em sala de aula. Por meio dela, o docente desenvolve sua práxis apoiado sobre conhecimentos científicos, assim, planeja suas atividades de ensino de modo articulado, consciente dos objetivos definidos, das necessidades de seus aprendentes, dos conhecimentos prévios necessários para a tarefa etc.

Para desenvolver a análise, a engenharia didática está dividida em microengenharia e macroengenharia:

As pesquisas de microengenharia são aquelas que têm por objeto o estudo de um determinado assunto, elas são localizadas e levam em conta, principalmente, a complexidade dos fenômenos de sala de aula. Por outro lado, as pesquisas de macroengenharia são aquelas que permitem compor a complexidade das pesquisas de microengenharia com a dos fenômenos ligados à duração nas relações ensino/aprendizagem. (Ibid., p. 235-236)

Segundo Machado (2008), o importante na engenharia didática não são os objetivos, mas o funcionamento metodológico da aprendizagem. Para concluir o resultado das observações e chegar a uma validação, é necessário

haver uma “confrontação entre a análise a priori, que, por sua vez, se apoia

no quadro teórico, e a análise a posteriori” (p. 236, grifo no original). A

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CAPÍTULO II

O PROFESSOR REFLEXIVO

Considerações iniciais

Diante da proposta da EL de reinterpretação de papéis entre professor e aprendente, consideramos necessário retomar o significado de “práxis”, pois o termo, atualmente, tem se desvinculado de sua origem grega. A práxis está relacionada ao professor reflexivo, que intervém no processo de ensino e aprendizagem quando é necessário, que possui conhecimento científico e prático, por isso, não permanece refém do material didático.

Apresentamos, primeiro, o conceito de práxis. Em seguida, o que representa a profissão do docente. Por fim, o conceito de professor reflexivo e seu significado para a educação. Pretende-se despertar a necessidade de o docente negar o perfil do mero instrutor, padronizado e despersonalizado, como em uma linha de montagem, que apenas aplica os conteúdos da apostila e atinge os resultados esperados. Não basta criticar essa visão tecnicista da educação atribuída por algumas instituições ou governos, mas é preciso reagir com preparo e críticas estruturadas no apontamento de falhas e indicar possíveis mudanças.

2.1.Conceito de práxis

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empírico, pois essa ligação impedia a contemplação das ideias perfeitas, imutáveis e eternas. Sendo assim, no mundo greco-romano, as atividades manuais eram consideradas indignas, pois tornavam o homem escravo da matéria e por isso eram realizadas pelos escravos; já os homens livres se dedicavam às atividades mais nobres, à contemplação, à busca da verdade eterna.

Permanece, então, uma questão: de que modo a teoria passará a ser aplicada no mundo sensível sem perder seus direitos supremos? É o próprio Platão que inicia o processo de aproximação entre a teoria e a prática. Como toda a vida social estava voltada para a “polis”, será na política (práxis política) que tal mudança ocorrerá:

A teoria se torna prática não só porque seja, segundo Platão, um saber de salvação, graças ao qual o homem se liberta da escravidão da matéria, se mantém em condição humana e se realiza como ser humano, como também porque a teoria se ajusta plenamente à prática, com o que a primeira deixa de ser um saber puro e cumpre “uma função social, política”. (VÁSQUEZ, 1977, p.19, grifo no original)

É apenas na política que Platão vê uma situação digna da filosofia se aproximar da matéria, e mesmo assim a teoria não se subordina à prática, isto é, a ação humana é que é determinada pela filosofia.

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É importante lembrar que esse conceito é oposto à ideia grega de “poiésis”, que significa literalmente produção ou fabricação, ou seja, “ato de produzir ou fabricar algo” (VÁSQUEZ, 1977, p. 4-5). Entretanto, essa ação não tem como objetivo modificar uma realidade, cumpre apenas uma função utilitária imediata, automática, sem reflexão sobre a criação. É nesse ponto que a EL propõe que o papel do professor não se limite apenas à reprodução irrefletida, ou seja, um simples instrutor.

Mas a dialética de compreender uma realidade para poder negá-la é uma dificuldade muito grande para a maioria das pessoas, considerando-se que não conseguem superar a visão comum.

Essa atitude natural se baseia no fato de ver a atividade prática como um simples dado que não exige explicação. (...) Não sente necessidade de rasgar a cortina de preconceitos, hábitos mentais e lugares-comuns na qual projeta seus atos práticos. Acredita viver – e nisso vê uma afirmação de suas conexões com o mundo da prática – à margem de toda teoria, à margem de um raciocínio que só viria arrancar-lhe da necessidade de responder às exigências práticas, imediatas, da vida cotidiana. (...) Não poderíamos dizer, de modo algum, que vive num mundo absolutamente a-teórico. O homem comum e corrente é um ser social e histórico; ou seja, encontra-se imbricado numa rede de relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico. (...) (Ibid., p. 8-9)

Ou seja, o homem comum é influenciado por ideias, valores, juízos e preconceitos que interferem em sua visão crítica; está impregnado pelo senso comum e não consegue superar isso. O “homem prático” atribui às coisas do mundo um sentido imanente, uma significação prática, pois elas satisfazem necessidades imediatas de sua vida cotidiana. A existência do mundo e sua transformação independe de sua vontade, pois ele acredita que encontra solução em sua experiência e com isso se satisfaz.

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2.2. Profissionalidade na ação docente

Há muito a educação procura (re)definir seu papel social, do mesmo modo o professor também é questionado sobre suas (novas) atribuições. Tal reflexão pertence à discussão sobre a profissionalidade na ação docente, uma questão contemplada pela EL, pois não se pode pensar a melhora na qualidade da educação considerando apenas a formação profissional docente e as pedagogias de ensino, não se pode continuar a desenvolver as mesmas práticas sem refletir sobre elas. É preciso mudar a postura diante da profissão.

Sacristán (1995) diz que tal conceito pode mudar de acordo com o tempo e o lugar, portanto é necessário levar em conta o contexto histórico, e cita Hoyle (1987) para apresentar seis fatores que definem o perfil e também o prestígio dos professores:

1) A origem social do grupo, que provém das classes média e baixa. 2) O tamanho do grupo profissional que, por ser numeroso, dificulta a melhoria substancial do salário. 3) A proporção de mulheres, manifestação de uma selecção indirecta, na medida em que as mulheres são um grupo socialmente discriminado. 4) A qualificação acadêmica de acesso, que é de nível médio para os professores dos ensinos infantil e primário. 5) O “status” dos clientes. 6) A relação com os clientes, que não é voluntária, mas sim baseada na obrigatoriedade do consumo do ensino. (SACRISTÁN, 1995, p. 67)

Esses aspectos apresentados reforçam a ideia de que há um processo de proletarização do professorado que vem ocorrendo ao longo dos anos e acaba por tornar os docentes uma classe desprestigiada o que permite a adoção de materiais didáticos de ensino para padronizar a qualidade do ensino. Para melhor entender o conceito de proletarização é preciso primeiro definir o que é profissionalidade docente e depois professor reflexivo.

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contextualizado”. O autor conclui que em muitos países da Europa, e do ponto

de vista sociológico, a docência é uma “semiprofissão”, em comparação com as profissões liberais clássicas. Sobre o mesmo assunto, Perrenoud (2002) cita alguns ofícios que considera profissão como: “(...) médico, advogado, magistrado, perito, pesquisador, arquiteto, engenheiro, administrador e jornalista-editorial. O ensino não está incluído entre eles” (P. 12).

O pesquisador francês tem a mesma opinião de Sacristán, profissão é um “status” reservado a ofícios com função bem definida, nos quais não é necessário orientação ou intervenção externa sobre os procedimentos de trabalho, pois seus agentes são capazes de solucionar diversas situações:

Na teoria, um profissional deve reunir as competências de alguém que elabora conceitos e executa-os: ele identifica o problema, apresenta-o, imagina e aplica uma solução e, por fim, garante seu acompanhamento. Ele não conhece de antemão a solução dos problemas que surgirão em sua prática; deve construí-la constantemente ao vivo, às vezes, com grande estresse, sem dispor de todos os dados de uma decisão mais clara. Isso não pode acontecer sem saberes abrangentes, saberes acadêmicos, saberes especializados e saberes oriundos da experiência. (PERRENOUD, 2002, p. 11)

Vemos, então, que saber agir em situações de indeterminação é um importante diferencial para definir uma profissão. Perrenoud (2002) esclarece que desde o surgimento dos cursos de pedagogia e licenciatura e até muito tempo depois, o ensino da pedagogia centrava-se nos saberes (conteúdos da disciplina) a serem ensinados aos alunos, passando só mais tarde a ser ensinadas a teoria e a prática “dos processos de ensino e aprendizagem visando a uma formação realmente profissional” (P. 10). Concordamos com essa visão. É aí que a EL está alicerçada e esse preparo se reflete, entre outros aspectos, na engenharia didática.

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Em tese, considera-se que os “profissionais” sabem muito bem o que devem fazer e como fazê-lo. No entanto, na prática, nem todos sempre estão à altura dessa exigência e dessa confiança. O grau de profissionalização de um ofício não é um certificado de qualidade entregue sem necessidade de exame a todos os que o exercem. Ele é mais uma característica coletiva – o estado histórico de uma prática –, que reconhece aos profissionais uma autonomia estutária, baseada na confiança em suas competências e em sua ética. Em contrapartida, eles assumem a responsabilidade por suas decisões e por seus atos, tanto no aspecto moral como no âmbito do direito civil e do penal. (PERRENOUD, 2002, p. 12, grifo no original)

Em segundo lugar, a conquista da condição de profissão é o resultado de uma decisão coletiva de uma categoria, e não de indivíduos isolados. Não pode também ser uma decisão de uma determinada organização. Ou seja, a mudança necessária deve ser resultado de um processo de mudança cultural de um grupo. Para explicar melhor esse aspecto, citamos Sacristán (1995), pois, para ele, a profissionalidade do professor também abrange sua participação nos processos decisórios relativos à categoria da qual faz parte e à recusa de “programas pontuais de formação, e pressupõe o resgate da imagem do professor como intelectual (...)” (P. 76), ou seja, é um fator de participação política.

Na verdade, uma das motivações do presente trabalho é a insatisfação em ver no dia a dia exatamente o oposto dessa proposta. O professor vê-se diante da fragmentação de seu trabalho e, consequentemente, de sua desprofissionalização. E isso é confirmado pela tecnicização dos currículos elaborados por especialistas com a finalidade de unificar e controlar melhor o currículo aplicado em sala de aula, como tem sido realizado nas escolas da rede pública ao criar seus sistemas apostilados ou ao contratar empresas que desenvolvem tais materiais didáticos.

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IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), ou seja, os motivos são políticos.

A dependência profissional gera acomodação, e o objetivo das intervenções externas é homogeneizar a prática. Sacristán (1995) denomina “práticas concorrentes” todas as intervenções, pedagógicas ou não, que são elaboradas e impostas fora da sala de aula, mas que interferem nas ações dos professores de modo a controlá-los.

Concordamos que a educação está num nível de qualidade desesperador. Concordamos que o uso das apostilas escolares tem melhorado os resultados nas avaliações oficiais. Concordamos que a categoria docente não tem respondido sozinha às novas exigências às quais é chamada a responder. Não concordamos como essas mudanças vêm ocorrendo. Como consequência, sucede uma desmobilização da classe docente na busca de mudanças, pois passam a ser apenas os aplicadores do material didático oferecido aos alunos.

Propomos que a reação à imposição deve ser de rejeição ao trabalho prescritivo, e isso deve ser manifestado pela reflexão em ação e sobre a ação. Primeiro, é preciso conhecer realmente as propostas desses materiais de ensino. Depois, ser capaz de intervir de modo crítico, com fundamento teórico, e fazer além das propostas apresentadas. Quem sabe o que faz, age com autonomia quando preciso for. Espera-se que o docente saiba intervir de modo crítico e consciente diante das diversas situações com o objetivo de mudança.

Outro aspecto de difícil definição é a função do professor, pois não é estável e irá depender das:

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os currículos, as práticas metodológicas ou a avaliação. (SACRISTÁN, 1995, p. 67, grifo no original)

Como essa expectativa sobre as atribuições docentes são imprecisas entre os diferentes grupos sociais, muitos conflitos são o resultado da diferença entre as expectativas dos familiares e a ação dos professores.

A escola é um espaço de convívio social e como tal exige e espera determinados comportamentos. Muitos conflitos se dão pela quebra do contrato didático e ocorrem porque existe diferença entre o que a família espera do professor e o verdadeiro papel social deste.

As mudanças sociais podem definir um novo papel para a escola, por isso, para identificar as exigências e atribuições do professor é necessário considerar também contextos extraescolares. Com relação a essa questão, as mudanças educativas podem ser melhor explicadas por algumas áreas do conhecimento, como por exemplo pela antropologia. Sendo assim, podemos citar algumas atribuições mais diretas do professor:

(...) a profissionalidade manifesta-se através de uma grande diversidade de funções (ensinar, orientar o estudo, ajudar individualmente os alunos, regular as relações, preparar materiais, saber avaliar, organizar espaços e actividades, etc.). (Ibid., p. 77)

Como foi apresentado, o papel do docente não se limita apenas a ensinar o que está na apostila, por exemplo, mas ter competência para planejar situações didáticas.

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2.3. O professor reflexivo

A abordagem sobre o docente reflexivo surge com Dewey. Trata-se de uma concepção de educação de qualidade que surge de práticas inspiradas e de bons docentes, e o conhecimento científico deve partir dessa boa prática para assim formalizá-lo.

Essa ideia será retomada e desenvolvida na Inglaterra, sob a liderança de John Elliot e Lawrence Stenhouse, com a denominação de “pesquisa-ação”. As reflexões de Elliot começaram em 1962, quando era professor de biologia e educação religiosa. Nessa época, naquele país, os alunos ao sair da escola primária eram submetidos a um exame seletivo denominado “eleven plus”. Os melhores entravam para as “grammar schools”, escolas com um currículo voltado a preparar os alunos para os exames oficiais que conferiam o “General Certificate of Education”. Já os alunos com desempenho inferior iam para as “secondary modern schools”, cujo currículo era muito inferior e seus alunos não

passavam nos exames oficiais. Nessa mesma época, Elliot leciona numa dessas “secondary modern schools” e inicia um processo de discussão entre o corpo docente sobre o currículo, a fim de despertar em seus alunos interesse sobre os assuntos apresentados. Essas escolas ficaram conhecidas como “escolas inovadoras” e os professores como “práticos”. O currículo procurava relacionar as matérias com as experiências cotidianas dos alunos (cf. PEREIRA, 1998, p. 155).

Lawrence Stenhouse desenvolveu esse projeto na School Council Humanities Project entre 1967 e 1972, cujo objetivo era criar um novo currículo e propor mudanças pedagógicas para alunos com desempenho médio e abaixo da média. Dickel (1998) mostra que:

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profissional dos professores, visto que, entre outros determinantes, os pesquisadores rejeitavam admiti-los como participantes no processo de investigação. (P. 45)

O conceito de professor reflexivo é uma reação ao modelo tecnicista de educação que migrou das linhas de produção industrial para a pedagogia. É como se todas as ocorrências em uma sala de aula pudessem ser previsíveis ou não interferissem nos resultados. Dickel (1998) cita que Stenhouse moldou o conceito de “emancipação” para o professor: “A emancipação significa autonomia, é a arma de luta contra o paternalismo e a autoridade” (P. 46), e conclui que há dois caminhos para a emancipação:

1. a pesquisa do professor deve se vincular ao fortalecimento de suas capacidades e ao aperfeiçoamento autogestionado de sua prática; 2. o foco mais importante da pesquisa é o currículo, o meio através do qual se transmite o conhecimento na escola. (DICKEL, 1998, p. 46)

Do ponto de vista histórico, com a democratização do ensino e a expansão da industrialização, a escola passa a atender uma clientela muito maior e com formação diversificada, e entre os objetivos está também formar novos trabalhadores. É sob a influência do taylorismo e do fordismo que a educação adquire características tecnicistas da indústria. Nessa visão, há uma homogeneização da atividade docente, esquece-se do indivíduo, as funções passam a ser prescritivas e tudo é previsível. Desse modo, qualquer um pode desenvolver determinadas funções e atingir os resultados previstos, basta seguir as orientações.

A “pesquisa-ação”, hoje, é bem difundida na Inglaterra, na Austrália, no Canadá, na Alemanha, na Áustria, na Espanha e nos Estados Unidos. No Brasil, a concepção ainda é recente. Essas discussões curriculares não partiam dos conhecimentos pedagógicos aprendidos nas universidades, mas de acordo com as circunstâncias vividas na prática e os objetivos estabelecidos em assembleias e reuniões de professores:

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As práticas adquiriam, nesse sentido, a categoria de hipóteses a comprovar. Nessa época, esses professores não denominaram de “pesquisa” suas ações e, muito menos, de “pesquisa-ação”, pois essa forma de atuar não era sistematizada e advinha apenas das respostas a questões e problemas concretos. (PEREIRA, 1998, p. 157)

É a partir das discussões práticas que se busca os conhecimentos teóricos para se confirmar os estudos pedagógicos ou gerar novos. Esse ponto é importante, pois o processo de ensino deixa de ser o de uma cultura acadêmica de “contemplação” e torna-se mais ativo.

Mas, no princípio, os objetivos de tais mudanças não surtiram o efeito esperado, porque:

(...) faltava aos professores um desenvolvimento profissional diferente do domínio de especialistas das matérias nas quais foram formados e as lecionavam. Os professores precisavam adquirir uma postura diferente da do especialista para que a interdisciplinaridade e o método de trabalhar com os alunos tivessem o resultado objetivado. (Ibid., p. 158)

Stenhouse (1981) recupera o conceito aristotélico de práxis para fundamentar os princípios do processo educativo que propunha a partir da experiência. Se a práxis é a identificação (crítica) de um problema e a ação consciente para transformá-la (revolução), então essa é a autonomia idealizada por esse pesquisador.

Como parte do processo de implantação dessa abordagem, Stenhouse (1981) propõe a alteração da sequência comum, ou seja, antes, os conhecimentos acadêmicos eram tomados para a aplicação prática no dia a dia, agora podem confirmar teorias ou que gerar novos conhecimentos:

Stenhouse (1981) acreditava que se o currículo é o meio através do qual se comprovam e se desenvolvem as ideias educativas, o papel do professor é fundamental na constituição da teoria. (Ibid., p. 159)

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“colaboração e a negociação entre especialistas e práticos (professores)” (ELLIOT, 1998, p. 138).

Ao que Schön chama de “prática reflexiva”, Elliot (1998) e outros

chamam de “pesquisa-ação”, cuja expressão foi criada por Kurt Lewin nos anos 1940 nas ciências sociais. Sua preocupação é quanto: “(...) aos problemas de mudanças de atitudes e julgamentos (juízos de valor), como à melhora da qualidade dessas relações como consequência de sua própria investigação” (PEREIRA, 1998, p. 162).

A pesquisa-ação é um processo de reflexão constante em busca de ações para a mudança e transformação da realidade. Elliot (1998) diz que o objetivo da pesquisa-ação é principalmente melhorar a prática e não gerar conhecimento.

Nesse processo, Schön1 diz que há dois momentos de autor-reflexão: “(...) reflexão na ação e reflexão sobre a ação (visão retrospectiva da compreensão adquirida ao tratar o caso concreto)” (apud PEREIRA, 1998, p. 165).

O objetivo dessa concepção é criar condições para que o professor possa se automonitorar. Elliot (1998) cita Stenhouse2 que diz: “não há desenvolvimento curricular sem desenvolvimento de professores (P. 143)”, e

conclui:

O desenvolvimento do professor pressupõe, assim, um contexto prático no qual os professores são livres para experimentar. Sendo a pesquisa-ação educacional vista como um processo de experimentação curricular inovador, faz pouco sentido falar em desenvolvimento de professores como pesquisadores-ação em contextos nos quais eles não podem livremente experimentar com suas práticas. (ELLIOT, 1998, p. 143)

1 SCHÖN, D. A.

La formación de profesionales reflexivos: hacia un nuevo diseño de la enseñanza y el apredizaje en las profesiones. Barcelona: Paidos, 1992.

2 STENHOUSE, L. An introduction to curriculum research and development. Londres/Nova

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Mas o que se tem visto no dia a dia é um esquecimento ou um entendimento parcial do conceito de pesquisa-ação. As iniciativas dos práticos para superarem situações escolares não têm sido problematizadas em sua complexidade e com isso as iniciativas são vistas do ponto de vista técnico:

Soluções inovadoras como oposição a melhoramentos técnicos são organizadas, reconstruindo-se as bases conceituais da prática e experimentando-se estratégias consistentes com elas para ver se são válidas. Esta é a razão pela qual a busca de soluções requer que os teóricos de mudanças educacionais trabalhem colaborativamente com os práticos e levantem questões de controle conceitual. Tais questões tendiam a ser levantadas no contexto dos cursos que os práticos frequentavam, porque os facilitadores acadêmicos agiam na suposição de que tais questões não serviam de suporte para as práticas educacionais dos práticos. (ELLIOT, 1998, p. 146-147)

Um ponto dessa abordagem é o processo de colaboração e negociação entre especialistas e práticos. No entanto, essa relação tem momentos de conflito entre esses dois grupos:

Os primeiros, ansiosos por preservar sua autonomia profissional no âmbito curricular e pedagógico, e os segundos, ansiosos para validar suas ideias e teorias na academia. (Ibid., p. 139)

Todavia, existem também parcerias sem conflitos. É importante que o contato entre professores e acadêmicos seja um intercâmbio de complementaridade entre as partes. Elliot (Ibid.) relata sua experiência:

Minha opção preferida para enfrentar os dilemas vivenciados como colaborador acadêmico foi a de assumir o papel de pesquisador facilitador que capacitasse professores para que estes exercessem maior controle sobre seus caminhos e tentativas de melhorar e descrever suas práticas. (...) Assim, as atividades de pesquisa de especialistas acadêmicos na escola podem ser justificadas desde que estas sejam capazes de habilitar os professores a tornarem-se parceiros ativos na geração e disseminação de conhecimentos sobre como produzir convenientemente o currículo e as mudanças pedagógicas. (P. 142)

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prática, e não de modo automático: “É um processo que une e integra ‘sabedoria, conhecimento implícito, planos, técnicas, ideais e justificação, todos radicados na experiência’”(ELLIOT, 1998, p. 141).

Desse modo, o professor pode desenvolver sua prática educativa de maneira consciente e transformadora. Para Stenhouse, em toda pesquisa-ação tem que se questionar sobre sua contribuição para a teoria educacional e deve-se verificar sua acessibilidade a outros docentes, assim, o dedeve-senvolvimento profissional “se concretiza à medida que o professor busca compreender as situações concretas que se apresentam em seu trabalho (...)” (Apud DICKEL, p. 55).

A autora acrescenta ainda que os professores devem anotar essas reflexões e, coletivamente, fazer discussões aprofundadas a fim de influenciar as políticas educacionais.

Um questionamento interessante é sobre a teoria acadêmica, pois muitas vezes sua validação não passa por práticas educativas, mas pelo crivo do reconhecimento dos saberes filosóficos, históricos, sociológicos etc. Para superar essa questão, a pesquisa-ação muda o paradigma e propõe que o “laboratório” passe a ser a sala de aula, entretanto, não são eliminadas as pesquisas quantitativas e estatísticas:

As aulas são o laboratório ideal para a comprovação da teoria educativa do ponto de vista de um experimentalista; o professor é um observador participante potencial nas aulas e escolas, do ponto de vista naturalista; e de qualquer ponto de vista, o professor é rodeado por oportunidades de investigar. (DICKEL, 1998, p. 53)

Essa questão pode também ser vista sob outro aspecto: A ação prática do professor é amparada em conhecimentos acadêmicos, ou deve-se utilizar a prática educativa para comprovar e desenvolver novos conhecimentos pedagógicos? Eis o que diz Sacristán (1995) sobre esse assunto:

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intelectual, em paralelo com a sua existência, como aconteceu com outras práticas sociais e ofícios. Isto é importante, porque muitos especialistas esquecem este facto, quando chega a hora de reflectir sobre a relação entre prática e conhecimento. Os problemas da prática não são ocos ou vazios de fundamentação científica, mas sim contradições que a própria prática origina. (P. 70)

Para os adeptos da abordagem do professor reflexivo, a ação pedagógica não é antecedida pela teoria, mas sim pela atividade, porque a prática é instável, e os conhecimentos pedagógicos já estão determinados e são empregados para fundamentar a reflexão sobre a ação. Ação prática não é improvisação.

O professor não age de maneira irrefletida e é possível identificar em suas ações “esquemas práticos” – formas concretas de o professor organizar suas atividades em blocos.

Um “esquema estratégico” visa atingir um objetivo final, portanto, visa todo o processo. Já os “esquemas práticos” são as divisões sequenciadas de cada fase. O professor gera um conhecimento a partir de sua ação prática. Contudo, não podemos considerar conhecimento uma ação que não reflete sobre si mesma:

A prática, na medida em que se encontra ordenada estrategicamente, é inseparável de racionalizações implícitas e explícitas presentes na mente de quem elabora os esquemas que a ordenam; embora seja alheia às teorias formais em vigor, não é vazia de conteúdos e de pressupostos teóricos. (SACRISTÁN, 1995, p. 81)

As ações práticas constituem uma ótima base de conhecimentos para o exercício docente:

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Nossas ações só se tornam conhecimento adquirido quando se tem consciência delas e a prática possui uma estrutura justificada. Esse é um fundamento importante para integrar o conceito de profissionalidade do professor. Entretanto, para que isso ocorra, é preciso “saber analisar” o quanto essa experiência traz de resultados positivos, senão a ação não tem sustentação em conhecimentos, mas em crenças e preconceitos, e isso contradiz o processo reflexivo. Perrenoud (2002) chamará de “habitus” do sujeito as ações conscientes.

A articulação entre teoria e prática não é recente, pode-se verificar sua concretização no trabalho de alguns “pensadores” da educação:

Estas coerências entre estratégias e práticas dão-se, pontualmente, na história da educação, como modelos transplantáveis, mas não mecanicamente, como é o caso de Freinet ou de Montessori; têm êxito e propagam-se, adaptando-se a múltiplas aplicações, porque a mesma estruturação de ideias e práticas os flexibiliza, sem perderem uma certa autenticidade. São modelos coerentes que saíram da fecundação entre pensamento e acção; não são deduções a partir da teoria, que pode ajudar à sua formalização e a uma melhor fundamentação e análise, mas também não se trata de uma prática sem ideias que a orientem. (SACRISTÁN, 1995, p. 83)

Os “esquemas estratégicos” são a práxis, pois se trata de uma ação consciente em busca da qualidade profissional, portanto, em busca da transformação.

Para concluir, vamos retomar alguns pontos deste capítulo. Uma discussão muito importante é sobre a melhora na qualidade da educação, o que implica definir qual o papel profissional do professor.

A docência é considerada uma “semiprofissão”, pois a categoria não é

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O conceito de “pesquisa-ação” ou de “professor reflexivo” surgiu de um movimento para a discussão do currículo escolar na Inglaterra. Esse movimento foi promovido por algumas escolas, as chamadas “escolas inovadoras”, que possuíam um currículo muito inferior ao de escolas com alunos considerados mais “avançados”.

O processo reflexivo não é uma ação isolada, deve envolver o coletivo. Nessa abordagem, não é (obrigatoriamente) a teoria que determina as ações práticas, e sim as dificuldades diárias, que são discutidas e fundamentadas em sua complexidade a fim de se encontrar uma solução. Esse processo chamamos de pesquisa-ação (para Elliot) ou prática reflexiva (para Schön). O processo tem como objetivo ajudar o professor a adquirir conhecimento para situações futuras.

Diante do que foi apresentado, acreditamos que a “pesquisa-ação” do modo como foi concebida na Inglaterra é de difícil transposição para a realidade brasileira, podemos citar como exemplo os baixos salários que exigem o acúmulo de jornadas de trabalho extensas em diferentes escolas impedindo a participação em discussões coletivas e a dificuldade cultural em expor suas ações docentes para serem discutidas entre seus pares.

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CAPÍTULO III

CONTRIBUIÇÕES LINGUÍSTICAS

Considerações iniciais

Apresentaremos nos tópicos seguintes quais os conhecimentos linguísticos são reunidos pela EL com o objetivo de formar o poliglota na própria língua. Para que isso ocorra, o processo de ensino e aprendizagem deve ser desenvolvido nas quatro dimensões da língua: a da pedagogia do oral; a da pedagogia da leitura; a da pedagogia da escrita; a da pedagogia do léxico e da gramática (cf. PALMA et al., 2007).

3.1. As pedagogias linguísticas

A pedagogia do oral tem como objetivos: desenvolver no aprendente a reflexão sobre o uso formal e informal da língua oral; promover a conscientização de que a aprendizagem do oral pertence ao domínio da língua e desenvolve aspectos cognitivos; demonstrar o domínio das competências orais; expor as condições para o aprendente adequar seu discurso ao conteúdo e ao referente (cf. PALMA et al., 2007).

A pedagogia da leitura visa permitir que o aprendente perceba que ler é uma prática social, que desenvolve capacidades afetivas e intelectivas, que existem diferentes práticas de leitura para diferentes objetivos. Para que isso se concretize, o docente precisa planejar e estimular diferentes situações de leitura para obter leitores autônomos e competentes.

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Por fim, a pedagogia léxico-gramatical pretende que o aprendente conheça o sistema da língua e saiba aplicar e reconhecer esses recursos nas produções orais e escritas. Também visa estimular, de modo progressivo, a autonomia para utilizar diferentes gramáticas (normativas, descritivas) a fim de refletir sobre o funcionamento da língua. Essa habilidade é desenvolvida por meio de atividades epilinguísticas e também metalinguísticas.

3.2. Os conceitos de texto, discurso e enunciado

Adota-se neste trabalho a perspectiva da EL de texto, discurso e enunciado: o texto é a constituição material da comunicação; o discurso é o uso prático do texto; e a enunciação, os efeitos produzidos. O processo de ensino e aprendizagem da língua tem como objetivo desenvolver no aprendente as competências linguísticas (texto) e discursivas (discurso):

A tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua organização, ao passo que o discurso seria o plano do funcionamento enunciativo, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos. (MARCUSCHI, 2008, p. 58)

Portanto, o texto é a materialização da língua, pode ser representado por meio de códigos e símbolos e ocorre no plano da esquematização (da configuração) para se relacionar com outras pessoas socialmente. Já o discurso, como apresenta o professor Marcuschi (2008, p. 58), compreende “o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos”, ou seja, é o uso social que se faz do texto, e conclui: “O texto não é simplesmente um artefato linguístico, mas um evento que ocorre na forma de linguagem inserida em contextos comunicativos” (p. 75-76).

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Na perspectiva da EL, a língua não é vista apenas como sistema, mas como processo de interação social. Marcuschi (2000) a descreve em seus diferentes aspectos:

(...) A língua não é um fenômeno natural nem pode ser reduzida à realidade neurofisiológica; e) A língua não pode ser tida como um simples instrumento de representação do mundo como se dele fosse um espelho, pois ela é constitutiva da realidade. É muito mais um guia do que um espelho da realidade; f) A língua é uma atividade de natureza sociocognitiva, histórica e situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana; g) A língua se dá e se manifesta em textos orais e escritos ordenados e estabilizados em gêneros textuais para uso em situações concretas; h) A língua não é transparente, mas opaca, o que permite a variabilidade de interpretação nos textos e faz da compreensão um fenômeno especial na relação entre os seres humanos; i) Linguagem, cultura, sociedade e experiência interagem de maneira intensa e variada não se podendo postular uma visão universal para as línguas particulares. (MARCUSCHI, 2000, apud BAGNO, 2002, p. 24-25)

De acordo com Marcuschi, a língua é um conjunto diverso de representações, pois é: patrimônio de um povo, sistema de representação, código, instrumento de interação social, entre outras definições. Vemos, então, que o objeto de ensino da língua materna deve ser diversificado a fim de permitir a formação de um repertório crítico capaz de analisar e utilizar a língua de acordo com as exigências sociais e interesses pessoais.

A proposta para o ensino da língua de acordo com a EL considera necessário relacionar os diferentes estudos linguísticos sobre a língua e torná-los instrumentos teóricos a fim de proporcionar ao aprendente a compreensão de como reunir os diferentes conhecimentos para o entendimento da língua como sistema e processo de interação. Portanto, a língua deve ser descrita e definida, considerando todos os seus componentes sintáticos, semânticos, pragmáticos, cognitivos, socioculturais etc.

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3.4. O conceito de letramento

A expressão letramento é uma adaptação no Brasil para a expressão inglesa “literacy” – aquele que, além de saber ler e escrever, também utiliza a leitura e a escrita de modo competente – que surgiu na década de 1980, nos países do chamado primeiro mundo e está relacionada aos estudos sobre alfabetização em nosso país (cf. MELO, 2009, p. 78).

Adotou-se neste trabalho a definição de Kleiman (1995), citada por Melo (2009, p. 83): “(...) conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos também específicos”. Ou seja, letramento constitui o domínio de habilidades de leitura e escrita para poder interagir socialmente a fim de atingir objetivos específicos, sejam eles influenciar opiniões, planejar ações, estudar etc. Não se pode confundir alfabetização com letramento, cada um compreende competências independentes, e um não representa pré-requisito para o domínio do outro.

Portanto, a EL no ambiente escolar pretende desenvolver no aprendente competências para a recepção e produção de gêneros textuais (orais e escritos) a fim de atingir determinados objetivos sociais. Ensinar a língua não é apenas alfabetizar o aprendente, mas possibilitar sua inserção social, partilhar dos conhecimentos desenvolvidos ao longo da história humana, desfrutar dos direitos conquistados pelas sociedades modernas, planejar ações, pesquisar, lutar pelos seus direitos, reconhecer e respeitar a diversidade de culturas, opiniões, orientações sexuais etc.

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3.5. A EL e seus aspectos linguísticos

Como dissemos anteriormente, o ensino da língua, de acordo com a EL, propõe tornar o aprendente capaz de empregar os diferentes recursos linguísticos e utilizá-los de modo consciente em práticas sociais. Para atingir esse objetivo, a EL reúne como base teórica e aplicada os estudos da linguística textual, da linguística cognitivo-funcional, da pragmática e da semântica, por exemplo.

O domínio da língua ocorre por toda a vida: primeiro na infância, no ambiente familiar, no qual o aprendente tem os primeiros contatos com a língua materna por meio de uma aprendizagem informal; mais tarde, quando entra na escola, é colocado em situações formais de ensino de modo consciente. Bagno (2002) descreve a EL formal como um processo sistematizado, amparado por conhecimentos pedagógicos e metodológicos.

O domínio sobre a língua é progressivo e, aos poucos, vão se ampliando os recursos cognitivos sobre o uso da língua, além da metalinguagem que deve ser utilizada como instrumento para a descrição e reflexão sobre a estrutura da língua e seus usos.

3.6. As contribuições da Linguística Textual

Foram reunidas algumas contribuições teóricas dos estudos da Linguística Textual mais diretamente relacionadas a esta pesquisa e ao processo de ensino e aprendizagem da língua. Inicia-se com a definição de competência comunicativa. Em seguida, apresentam-se definições empregadas neste trabalho como conhecimento de mundo, frames, scripts,

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A Linguística Textual como ciência reúne os estudos linguísticos de retórica, estilística, teoria dos gêneros, teoria da argumentação, narratologia etc. Neste trabalho, tais estudos serão relacionados a fim de desenvolver o ensino da língua de modo contextualizado. O objetivo é oferecer ao aprendente conhecimentos sobre os diferentes recursos de uso da língua (sintáticos, semânticos, pragmáticos, socioculturais etc.) e de que modo eles podem ser acionados para interagir na vida social. Para que isso se concretize, a língua não deve ser vista como um sistema autônomo e fragmentado, mas inserida nos processos de interação verbal humana.

O ensino da língua visa estimular o desenvolvimento da competência comunicativa no aprendente e não ficar limitado apenas ao domínio de regras normativas que não formam produtores e receptores competentes de textos orais e escritos. Desse modo, concordamos com Marcuschi (2008):

(...) deve levar em conta os parâmetros mais amplos de uma etnografia da fala, uma análise das interações verbais, produções discursivas e atividades verbais e comunicativas em geral sem ignorar a cognição. É nesse contexto que se situa a questão gramatical e todo o trabalho com a língua. Trata-se de valorizar a reflexão sobre a língua, saindo do ensino normativo para um ensino mais reflexivo. (P. 55)

Para que o ensino se desenvolva de acordo com essa proposta deve ser descendente, ou seja, parte-se do gênero textual, como sugere Koch (2004, p. 6): “É a partir da unidade hierarquicamente mais alta – o texto – que se pretende chegar, por meio da segmentação, às unidades menores, para, então, classificá-las”. Essa proposta não segue mais o antigo percurso crescente, ou seja, os estudos se iniciavam a partir das unidades léxico-gramaticais ou fonológicas.

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