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2. O MUSEU DO CEARÁ ENTRE HISTÓRIA, MEMÓRIA E NARRATIVAS

2.1. Projetos educativos do Museu do Ceará

2.1.4. As crianças e as exposições temporárias do Museu

Educativa no Museu Histórico” e “Conservação de acervos museológicos”. Até 2006, o SEM- CE cadastrou 106 unidades museológicas e, segundo Alexandre Oliveira (2010), mais 500 profissionais que trabalham nessas unidades passaram por uma “capacitação”.

Para Holanda, o futuro de um museu

[...] não está somente em soluções técnicas, mas, sobretudo no modo pelo qual o museu assume seu papel educativo. Sua importância crucial é de criar em nós a reflexão sobre nossa historicidade. Isso significa que o museu constrói discursos, sentidos para o lugar que nós ocupamos entre o passado e o futuro32.

As reflexões da autora ampliam as possibilidades de refletir sobre o campo de ação do espaço museal. Os propósitos educativos suplantam as técnicas, e as relações sócio- históricas imbricadas nas temporalidades respondem mais sobre o papel educativo dos museus na contemporaneidade.

Uma das ações museológicas que vamos nos ater nas próximas linhas são as exposições, em particular as exposições de caráter temporário, relacionadas com a temática das crianças.

2.1.4. As crianças e as exposições temporárias do Museu

O nosso enfoque são as crianças. Por essa razão, o nosso olhar recairá sobre as ações educativas a elas direcionadas nas exposições do Museu do Ceará. Em 2000, elas foram convidadas a participar de um projeto no MUSCE. Sobre isso, destacaremos a matéria “As cores do respeito à história”, do jornal “O Povo”, de 5 de outubro de 2000, escrita por Amarílis Lage. A jornalista inicia a matéria informando sobre o Dia das Crianças no MUSCE e sobre um painel33 de dimensões equivalentes a 12 metros de altura e 13 metros de comprimento que cobriu a fachada esquerda do Museu do Ceará. O painel foi construído por 300 crianças de escolas públicas e particulares da cidade de Fortaleza.

No que se refere ao projeto, Lage (O POVO, 2000, p. 3) explica que o

Projeto Cores para o Mundo, idealizado pelo Museu do Ceará, faz parte do Projeto A Criança no Museu, ação educativa que visa oferecer às crianças sentimentos de

32 HOLANDA, Cristina. O museu entre o passado e o futuro. O Povo, Fortaleza, Caderno Vida e Arte, p. 10,

domingo 13 de março de 2005.

33 Ver Anexo E - foto do painel tirada em 2003, quando este foi exposto no auditório Paulo Freire do Museu do

conhecimento e afetividade com a instituição. De acordo com Régis Lopes, diretor do Museu do Ceará, ao ver o seu quadro exposto no local, a criança vai perceber que aquele é um espaço onde ela é atuante. “Não adianta ter um museu bonito se as pessoas não têm uma relação de pertencimento com ele”.

Mais adiante, ela acrescenta que

O tema escolhido para o painel é “O mundo que temos é o mundo que desejamos?” e, segundo o diretor, surgiu da necessidade de o Museu do Ceará não só refletir sobre o passado, mas sobre o presente, como forma de construir o futuro. “Elas (as crianças) têm uma capacidade de utopia e de sonho muito acentuada e a melhor forma de expressar isso é através da arte”.

A escolha das instituições foi mediante um sorteio. Dentre os requisitos, essas escolas deveriam ter realizado algum trabalho no Museu com crianças de 1ª a 2ª séries. Nas palavras da coordenadora do núcleo educativo do Museu do Ceará, Cláudia Pires, a opção por esta faixa etária foi explicada assim: “A gente queria trabalhar com crianças nessa faixa etária, em torno de sete anos, porque é quando elas estão começando a desenvolver o senso crítico e nós queremos ver como elas estão percebendo o mundo”34.

Nesse painel, cada criança participante deixou seu registro gráfico-plástico sobre sua reflexão acerca do mundo em que vivemos. Os pedaços de tecidos foram costurados formando um enorme painel coletivo. As partes constituíram um todo que narram uma experiência de uma ação educativa do Museu. A inauguração da tela do “Projeto Cores para o Mundo” foi no Dia das Crianças, 12 de outubro de 2000, no Museu do Ceará35.

Em 2002, no MUSCE, o “Dia das Crianças” foi vivido com arte e brincadeiras, na exposição temporária “Brincar de Brinquedo”, que fez uma interlocução entre os trabalhos de arte da artista plástica Mariza Viana e os brinquedos articulados do artista Gandhi Piorsky, além de uma “brinquedoteca de Iguaçu, São Luiz e Lages (Canindé). Vejamos um trecho do folder da exposição36:

[...] Mariza Viana estará expondo suas séries de jogos e brinquedos, que mesclam xilogravuras com desenhos e colagens. O resultado é uma viagem pelas brincadeiras de outrora, de hoje e de sempre. Uma espécie de inventário do que ficou, do que foi esquecido e de como a necessidade de brincar permanece. Mariza evoca, artisticamente, essa memória. Faz arte e arqueologia, fixa o instante do jogo e propõe que ele seja recriado.

34 Jornal O Povo, Caderno Fortaleza, p. 3, 5 de outubro de 2000. 35 Jornal O Povo, [apud SILVAFILHO ; RAMOS (org.), 2007, p. 289]. 36 Op. Cit, p. 326. [arquivo do Museu]

A exposição, conforme o Jornal O Povo37, foi dividida em três momentos. No primeiro, são apresentados brinquedos artesanais fabricados por crianças das comunidades citadas anteriormente. Os materiais utilizados foram: latas, madeira, pano, restos de raízes e papel. O coordenador desse projeto foi Gandhi, que participou do segundo momento da mostra, expondo a sua obra, que são os objetos lúdicos que montam e desmontam. O artista diz que é “Para incentivar a criança a fazer e refazer”. No terceiro momento, Mariza Viana “expõe jogos e brinquedos através de xilogravuras, desenhos e gravuras”. A matéria do jornal diz o seguinte:

[...] a exposição propõe uma educação política às crianças, valorizando as tradições. O diretor afirma que a indústria de brinquedos limita o senso crítico e a imaginação infantil. “Quando você vai a uma loja, tem um mundo dado. Quando faz o brinquedo, você está fazendo o mundo”.

A indústria de brinquedo intenciona penetrar nos desejos mais íntimos das crianças, no intuito de destruir qualquer possibilidade de criação. Contudo, as crianças subvertem esse desejo, ainda que elas sejam influenciadas pelo aparato midiático da sociedade de consumo. Mesmo que os brinquedos industriais possam parecer ter o mundo “pronto”, ainda assim, as crianças podem criar outras possibilidades de invenção. Para Costa et al (2007, p. 76),

O brincar aparece, assim, como espaço de negociação de sentidos atravessados por uma pluralidade de vozes. A despeito das intenções que os adultos projetam sobre os artefatos lúdicos e do caráter de socialização que o brincar comporta, as crianças estão, enquanto produtoras de cultura lúdica, permanentemente reinventando seus significados, de modo que, se o brinquedo já chega carregado de significado, é ela, ao manipulá-lo, que lhe dá sentido.

Nessa perspectiva do brincar e da arte com as crianças, destacaremos duas exposições de 2003, que tratam da temática: “A arte do risco” e “Bonecas e bonecos”. A primeira foi realizada pela Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza, com o apoio do Museu do Ceará e da Associação de Amigos do Museu do Ceará. Régis Lopes foi quem escreveu o texto do folder, do qual recortamos o fragmento a seguir:

Antes de tudo, o que se quer dizer é que o nosso destino não está previamente riscado: também temos a possibilidade de (ar) riscar outras histórias. O que se vê é o misto de anúncio e denúncia, força e ternura: meninos e meninas fazendo arte com o lixo, inventando um novo riscado e compondo formatos de papel, papelão, tecido, plástico, barro, borracha, esponja, madeira... Quem percorre o labirinto, sem medo de se perder, sente que é possível ler as mãos que moldam os objetos,

enxerga riscos na geografia da pele: a linha da vida e da despedida; do amor e do temor; da profissão e da promissão [Arquivo do Museu do Ceará] 38

A partir das palavras do autor e do trabalho realizado pela entidade religiosa, é possível imaginar uma “arte de fazer” com sucata, um modo de dizer de crianças e de adolescentes do referido Projeto, que, por meio das imagens visuais, registraram essas experiências cotidianas.

A outra exposição realizada pelo MUSCE, em 2003, referente ao lúdico foi “Bonecos e bonecas”, em homenagem ao “Dia das Crianças”, concepção do pesquisador Gilmar de Carvalho e fotografias de Francisco Sousa. Os bonecos são criações de Wagner Santos, que os fazem com o corpo de tecido e cabeça de madeira, etc. Já as bonecas foram criadas por Vicência Antonia, conhecida por D. Miúda, residente na cidade do Crato. Nessa programação do MUSCE, a instituição contou ainda com a presença da atriz Ecila Menezes no papel de Dorinha, além da participação dos monitores nas atividades de contação de histórias e brincadeiras com a criançada39.

Em 2005, para comemorar o “Dia das crianças”, foi realizada a exposição no MUSCE “Crianças fazendo arte, o barro do Mosquito”, curadoria do pesquisador Gilmar de Carvalho, cenografia de Stênio Burgus e fotografia de Francisco Sousa. Os objetos da mostra foram produzidos por meninos e meninas do distrito do Mosquito, localizado no município de Amontada (CE). A exposição apresentou ainda painéis fotográficos que documentaram o processo de confecção dos brinquedos de barro pelas crianças. Para propiciar o tema da exposição, foi ministrada uma oficina de argila pela arte-educadora Núbia Agustinha, na qual as crianças puderam, após a visita, criar seus próprios objetos de argila, possibilitando-as, desse modo, a compreensão do processo de produção a partir da matéria-prima ainda maleável.

Dentre as diversas exposições temporárias, na gestão de Régis Lopes, citaremos mais algumas: “O mote do cordel”, de curadoria de Gilmar de Carvalho e Martine Kunz (2001); “Retratos de Fortaleza”, pensado por Antonio Luiz Macêdo Filho (2002); “Artes da Semente”, abertura dessa exposição foi em comemoração aos 70 anos do MUSCE (2003); “Coisas do amor”, organizada por Kênia Rios, com a participação de um grupo de alunos do Curso de História da Universidade Federal do Ceará (2004); “Sala Escura da Tortura”,o texto

38 Folder da Exposição “A arte do risco” apud SILVA FILHO ; RAMOS (Org.), p. 362.

do folder é de Régis Lopes e Edna Prometheu; “Caldeirão 80 anos”, etc. É importante lembrar ainda que, em 2002, foi realizada a abertura do “Memorial Frei Tito”40.

Vale destacar ainda a exposição de longa duração intitulada “Ceará: História no plural”41, que fica no andar superior do museu. Referida exposição está apresentada em 8 módulos, repensada num projeto em 2008 por Regis Lopes Ramos e Antonio Luiz Macêdo e Silva Filho. Dois ou três desses módulos42 serão selecionados para o exercício analítico da pesquisa. Os módulos que constituem a exposição de longa duração são: Memórias do Museu; Povos indígenas entre o passado e o futuro; Poder das armas e armas do poder; Artes da escrita; Escravidão e abolicionismo; Padre Cícero: mito e rito; Caldeirão de fé; Fortaleza: imagens da cidade.

Até aqui, apresentamos, entre outras coisas, as alterações das exposições e do nome do Museu por seus gestores ao longo de sua história. Essas mudançasfazem-nos lembrar esta reflexão de De Certeau (2005, p. 216): “O fato de mudarem de nomes (todo poder toponímico e instaura a sua ordem de lugares dando nomes) nada tira a essa força múltipla, insidiosa, móvel. Ela sobrevive aos avatares da grande história que os desbatiza e rebatiza”. Podemos constatar essas mudanças com maior clareza no espaço urbano nos logradouros. Contudo, o autor possibilita-nos ampliar os espaços museológicos e os espaços escolares ao dizer “todo poder é toponímico”. Esse movimento pode ser compreendido também como mudanças

conceituais nos modos de expor.

Dentre os diversos espaços criticados por Michel de Certeau (1994, p. 88) os museus são incluídos como aqueles que reservam um lugar menor às culturas populares. O autor afirma:

Não apenas as oficinas e os escritórios e repartições, mas os museus e as revistas eruditas as penalizam ou querem olvidá-las. As instâncias do saber etnológico ou folclórico delas retém apenas objetos físicos ou lingüísticos, etiquetados em lugares de origens em temas, colocados na vitrina, expostos à leitura e destinados a disfarçar, sob „valores‟ camponeses oferecidos a edificação ou à curiosidade dos citadinos, a legitimação de uma ordem supostamente imemorial e „natural‟ por seus conservadores. Ou então, de uma linguagem de operações sociais elas extraem os utensílios e os produtos para com ele mobiliar as prateleiras com gadgets técnicos e colocá-los, inertes, às margens de um sistema intato.

Como podemos perceber na citação de De Certeau, essa foi/é a prática de muitas instituições museais, apresentada e discutida ao longo deste capítulo.

40 Frei cearense que lutou pelos direitos humanos, torturado pelo Regime Ditatorial (1964-1985). Morreu em

1974, por não esquecer as marcas da tortura gravadas em sua mente.

41 Museu do Ceará 75 Anos, 2007 e Museu do Ceará/Associação do Museu do Ceará [organização] Fortaleza:

SECULT, 2010. (Catálogo)

No caso das exposições de longa duração do MUSCE referidas acima, temos um exemplo de uma nova concepção museológica, é o que podemos perceber a partir dos títulos. Um exemplo é o módulo, “Povos Indígenas entre o passado e o futuro”, que mostra e reflete sobre a diversidade cultural das nações indígenas e os seus modos de viver. Assim, a proposta museológica do MUSCE coaduna-se com os aos princípios da chamada “Nova Museologia”. Dentre alguns dos princípios citados por Santos (2008, p. 87), destacamos:

- Reconhecimento das identidades e das culturas de todos os grupos humanos. - Utilização da memória coletiva como um referencial básico para o entendimento e a transformação da realidade.

- Incentivo a apropriação e a reapropriação do patrimônio, para que a identidade seja vivida na pluralidade e na ruptura

- Desenvolvimento de ações museológicas, considerando-se como ponto de partida a prática social e não as coleções.

Entre os módulos apresentados acima, destacaremos, no item a seguir, o bode Ioiô, um dos objetos da Exposição “Fortaleza: imagem da cidade”, por ser um dos artefatos destacados pelas crianças em nossa pesquisa.