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3. POR QUE FOI ESCOLHIDA A METODOLOGIA DA PESQUISA-

3.6. Terceira visita ao museu

3.6.1. Atividades que precederam a 3ª visita ao espaço museológico

Mais uma história que foi contemplada nessa pesquisa-intervenção foi “É pra ler ou pra comer? A história da Padaria Espiritual do Ceará para crianças”, da autora Socorro Acioli (2005). A contação dessa história foi realizada pela professora e videografada por nós. Dividimo-la em capítulos, por considerá-la um pouco extensa para o público de educação infantil. Assim, a professora Ana iniciou o primeiro capítulo que narra um pouco sobre a biografia de três irmãos: Rubens Azevedo, Miguel Ângelo76 e Sânzio Azevedo, professor de Literatura da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do movimento literário do final Século XIX, a “Padaria Espiritual”, criada por Antonio Sales77.

O livro de Acioli (2005) conta a história desses três irmãos que gostavam de colecionar: Rubens colecionava estrelas; Miguel, objetos antigos; Rafael, livros. Este, muito curioso, descobre na estante da casa de sua madrinha o jornal “O Pão” e pergunta para ela: “É pra ler ou pra comer?”. Esse foi um jornal irreverente criado por Antônio Sales e seus companheiros de letras. A partir dessa pergunta, a madrinha de Rafael leva-o à Praça do Ferreira e contava a história da Padaria Espiritual.

Vale registrar que essa história não foi concluída, pois a turma ficou dividida entre as crianças que pareciam interessadas na história e aquelas que não estavam. Nesse sentido, preferimos mudar a estratégia, considerando ser uma boa história. Antes disso, no dia 25 de novembro de 2009, a mediadora fez uma roda com as crianças e, no centro dessa roda, colocou alguns livros de literatura infantil, dentre os quais uns havíamos trabalhado e outros não, como, por exemplo, “As aventuras da memória”, “Árvore e cidade”, “É pra ler ou é pra comer?”. Pedimos que as crianças escolhessem um deles para uma contação. Imaginamos que elas fossem escolher um diferente, mas nos enganamos, pois “Cadê minhas coisas?” e “O

76 Colecionador e pesquisador conhecido em Fortaleza como Nirez. Em sua residência no bairro Rodolfo

Teófilo, criou o Museu da Comunicação. Hoje é diretor do Museu de Imagem e do Som (MIS).

77Sobre essa agremiação literária, ver também o livro “Padaria Espiritual: biscoito fino e travoso”, do autor

Gleudson Passos Cardoso. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. Coleção Outras Histórias - 8.

encontro da Dorinha com o Bode Ioiô” foram os escolhidos pelas crianças e recontados por elas em sala de aula.

Retomemos o assunto abordado pela escritora Socorro Acioli (2005) no livro “É pra ler ou é pra comer?”, porém agora sobre a forma de teatro de fantoche, ou seja, adotando outra modalidade de comunicação. A nossa própria experiência de mediação nos espaços escolar e museal e os estudos sobre aprópria história do Ceará foram elementos para a criação durante a pesquisa de uma peça de teatro de bonecos, que foi intitulada “Um time de escritores que se chamava Padaria Espiritual78. A peça foi apresentada para as crianças do Jardim I e do Jardim II, turno tarde, no dia 04 de dezembro de 2009. Eu e a professora Ana JD II fizemos a manipulação dos fantoches – estes apresentaram também uns bonecos que representavam o escritor Antonio Sales e o farmacêutico-escritor Rodolfo Teófilo. Nesse dia, contamos com a colaboração da professora do Jardim I, que nos recebeu em sua classe e organizou ambas as turmas: JD I e JD II. Enquanto eu e a professora Ana ficávamos atrás de cenário improvisado por um tecido preto para exibir esses personagens históricos por meio do teatro de fantoches, a professora do Jardim I conversava com as crianças sobre aquele momento e anunciava o nome da história citada acima. A supervisora educacional da escola, Amanda, fez a filmagem, que apresentou muitos problemas técnicos. Solicitamos Deiziane, aluna da escola e tia de uma das crianças do Jardim II, para fotografar. Infelizmente essas fotos também apresentaram falhas técnicas.

Após essa apresentação, que ocorreu na sala do Jardim I, separamos as turmas. As crianças do Jardim II foram para sua classe e a professora deu-lhes folhas de ofício para que desenhassem a partir da história narrada. Enquanto uns desenhavam, outras crianças manipulavam os bonecos livremente. Algumas dessas crianças começaram a criar narrativas com os fantoches, a partir não somente da história apresentada, mas também de outras mediações experenciadas por elas nesse estudo e das histórias reelaboradas pelas crianças. Sobre o processo de criação, Leite (1998, p. 133) nos garante que “Ninguém cria do nada; nada pode ser criado sem referência anterior, sem pertencer à rede de construção coletiva do conhecimento”.

Dentro desse pensamento, podemos dizer que as crianças da educação infantil da Escola Antônio Sales criaram e recriaram suas narrativas históricas a partir da mediação vivenciada por elas nos espaços escolar e museológico, compartilhando sentidos com seus

78 Ver no apêndice B a história “Um time de escritores que se chamava Padaria Espiritual”, apresentada para o

pares, mediadores do museu, pesquisadora, professora e seus familiares. A atividade com o teatro de fantoches instigou a imaginação das crianças. Para Henri Wallon (1968, p. 89),

A criança repete nos seus jogos as impressões que acaba de viver. Ela reproduz e imita. Para as mais novas, a imitação é a regra dos jogos, a única que lhes é acessível, enquanto não puderam ultrapassar o modelo concreto, vivo, para atingir a ordem abstrata. Porque a sua compreensão não é, a princípio, mais do que uma assimilação de outrem, na qual a imitação desempenha precisamente um grande papel.

Consideramos as brincadeiras com o teatro de fantoches uma ação mediadora, que desencadeou um acontecimento importante na pesquisa - as narrativas apresentando sentido histórico e lúdico pelas crianças – que aconteceram no mês de dezembro, um pouco antes da 3ª visita ao Museu do Ceará. Outro acontecimento que deve ser registrado foi a presença da avó paterna da aluna Beth, que tem uma irmã gêmea e estuda com ela na sala do Jardim II. Durante todo o semestre, quem vinha deixá-las ou buscá-las era a mãe ou o pai. Nesse dia, a sua avó chegou para buscá-las. Como as meninas estavam bastante envolvidas com a brincadeira de “faz-de-conta”, não quiseram ir. A professora Ana ofereceu uma cadeira na entrada da sala. Desse lugar, a avó das meninas assistiu ao desenrolar das brincadeiras das crianças na sala de aula. Numa pequena distração nossa, observamos que Beth, em seu vai e vem na troca de papéis, foi até a avó para falar-lhe da história de Rodolfo Teófilo e de Antonio Sales através de umas reproduções fotográficas que ela havia retirado de dentro da maleta na qual guardamos os fantoches. Tais narrativas serão analisadas no terceiro capítulo – assim como as demais atividades mediadoras da intervenção.

A linguagem do teatro, em particular o teatro de fantoches, revelou-se um rico material de aproximação das crianças com a temática museológica. O Museu do Ceará, como já foi reiterado, faz uso do teatro como uma forma de expressão e aproximação entre as crianças e o Museu.

A atividade com os jogos de quebra-cabeças e da memória aconteceu no intervalo entre a 2ª e a 3ª visitas ao Museu. Antes dessa atividade, conversamos com as crianças sobre as visitas, perguntamos se elas gostavam de jogos da memória e de quebra-cabeças. Disseram- nos que sim. Partindo desse pressuposto, solicitamos às crianças que escolhessem os objetos para serem representados nos jogos. Os objetos escolhidos pela maioria foram: o bode Ioiô, a Calunga, a Maquete da Vila de Fortaleza e a boneca Dorinha. A nossa intenção com os jogos foi de exploração didática através desses materiais.

Foram construídos seis quebra-cabeças: 4 com os objetos citados e mais dois jogos com fotografias ( um com a professora e sua turma de Jardim II), na escada do Museu; outro, com um grupo de crianças com máscaras da Dorinha e do bode Ioiô. Havia ainda dois jogos da memória, envolvendo diversos objetos do Museu. Podemos observar e refletir sobre essa atividade mediadora a partir das imagens fotográficas abaixo:

À medida que as crianças iam montando, elas iam comentando sobre os objetos. Quando terminavam, trocavam com os outros colegas. Percebemos que, no movimento dessa atividade didática, algumas crianças atribuíam a eles diversos sentidos. Havia aquelas que encaravam o “jogo” enquanto atividade pedagógica, como foi realmente proposto, e aquelas crianças que se envolviam na atividade considerando apenas o seu significado lúdico.

Em outras palavras, o jogo possui um fim em si mesmo, conforme pensam Brougère (1998) e Wallon (1968). É importante dizer que uma atividade pedagógica também pode ser lúdica – embora Brougére (2004) afirme que o jogo pode deixar de ser lúdico quando atribuído um sentido pedagógico. Costa (2002, p. 56) também nos alerta sobre o cuidado ao utilizarmos o jogo em contexto escolar, “[...] para que este, a exemplo do que acontece com a linguagem na escola, jogo não se torna degradado e divorciado da prática social que lhe dá sentido”.

Neste caso, não era uma atividade livre, e, sim, dirigida e didática, porém sob a forma de jogo, de atividade lúdica. Trouxemos essa discussão para este estudo com a intenção de mostrar a complexidade do jogo e não no sentido proposto aqui nesta pesquisa-intervenção, que vale apenas insistir, como material didático, isto é, com uma finalidade educativa. O jogo pode estar no contexto escolar, mas corre risco de ser “marginalizado”, conforme Brougère (1998). Nesse sentido, dizemos que o mesmo vale para o contexto museal, isto é, quando algumas propostas educativas intencionam transformar o museu em sala de aula.