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3. POR QUE FOI ESCOLHIDA A METODOLOGIA DA PESQUISA-

3.4. Primeira visita ao museu

3.4.1. Atividades que precederam a 1ª visita ao espaço museológico

A cartilha “As aventuras da Dorinha no Museu do Ceará” foi o primeiro mediador que antecedeu a visita ao Museu. Vale ressaltar que a utilizamos em diversos momentos. Esse material pedagógicoaproximou as crianças do museu, ao mesmo tempo em que possibilitou uma reflexão sobre os objetos do presente e do passado. É importante destacar que a cartilha ia para a casa das crianças para que alguns exercícios fossem feitos em companhia de algum de seus familiares, conforme a proposta da própria cartilha – por exemplo, diálogo da criança com alguém da família com mais de 50 anos, sobre as mudanças/permanências de um determinado objeto, através do tempo; desenho do brinquedo favorito feito em companhia da mãe, avô, etc. No dia seguinte, as crianças mostravam-nos: “Olha! Eu fiz com o meu pai”, “Veja, esse desenho é o meu, esse outro é de minha avó”, e assim por diante. Observe a capa e as páginas da cartilha com algumas das atividades mencionadas.

A proposta do museu coaduna-se com a da pesquisa, pois acreditamos que a visita ao museu deve começar em sala de aula. Foi possível realizar muitas das atividades da cartilha, embora, ressalvamos, ela tenha sido pensada para o público de crianças entre 06 e 10

anos. No entanto, é possível uma adequação do professor para as crianças de Educação Infantil.

Destacaremos um breve resumo da cartilha “As aventuras do Dorinha no Museu do Ceará”. Logo na primeira página, Dorinha se apresenta como uma boneca de pano que tem 7 anos e que foi construída em Fortaleza. Essa boneca fica surpresa ao entrar no museu, pois pensa que a instituição é um castelo. Essa cartilha conta um pouco sobre a história de Fortaleza e do Ceará por meio das imagens dos objetos históricos. Algumas páginas trazem atividades de pintar, desenhar e de exercícios de relacionar objetos antigos aos objetos atuais, dentre outras. Essas atividades foram elaboradas no sentido de serem realizadas antes e depois das visitas ao museu.

Outra atividade que antecedeu a 1ª visita foi a história contada e recontada em sala de aula, “Cadê minhas coisas”, de autoria de Kênia Rios (2004). Essa mediação foi videografada e fotografada pela professora Ana Luz, outras vezes por mim quando os protagonistas da contação eram as próprias crianças. De forma abreviada, será resumida no próximo parágrafo a história “Cadê minhas coisas?”.

Essa história conta o descuido da Dorinha ao quebrar a boneca que pertencera a sua avó e que sua mãe guardava com muito zelo. Esse acontecimento deixou sua mãe muito triste. Nesse dia, Dorinha adormeceu no sofá e teve um pesadelo, isto é, sonhou que todas as suas coisas tinham desaparecido, inclusive os seus brinquedos. A partir desse susto, ela passou a compreender o cuidado que devemos ter com os objetos.

A história foi contada numa roda de conversa. Depois solicitamos às crianças produções de desenhos sobre a mesma. A pesquisadora, tendo em vista a alta aprovação das crianças por essa narrativa, resolveu ofertar à professora cinco exemplares dessa história, para que fosse feita uma ciranda de leitura. Em outras palavras, todos os dias, cinco crianças levavam o livro para casa, assim sucessivamente. Muitas chegaram a repetir a experiência.

Podemos dizer que essa história contribuiu para a reflexão das crianças sobre os cuidados com os objetos. Inferimos que tal história teve desdobramentos sobre as crianças a partir dos dados da própria pesquisa, conforme alguns depoimentos de mães: “Depois que minha filha leu a história da Dorinha tá cuidando mais dos brinquedo”; “A Mila adora essa história, já não perde mais a colher que traz pra escola” (referindo à colher que a criança traz para comer o lanche); “O Yves não larga desse livro, pra onde vai leva e fica contando a história pro povo”. Sobre o livro “Cadê minhas coisas”, certa vez, durante as primeiras intervenções, quando o Yves vivia pela escola a contar essa história, indagamo-lo: “Yves por que você gosta tanto desse livrinho?”. Ele me respondeu: “Porque ele é pequenininho e

porque tem a Dorinha”. O tamanho do livro para nós era um problema, na hora de contar a história, pois as crianças se levantavam o tempo todo para ver as imagens, porque era praticamente impossível vê-las estando um pouco mais afastadas. No entanto, Yves, ao dizer- nos as suas impressões sobre o formato, consideramos um dado interessante o manuseio de suas mãos infantis, como também de carregá-lo no bolso para onde se deslocava. Para resolver esse problema, ampliamos as imagens do próximo livro que foi trabalhado na pesquisa “O encontro da Dorinha com o Bode Ioiô”, que tem o mesmo formato, além de que não íamos poder fazer a ciranda de leitura, porque o mesmo está esgotado.

Mais uma atividade antecipadora da 1ª visita museológica foi a “Oficina do Objeto”. Nos estudos-pilotos, essa atividade foi proposta depois da visita ao museu. Após duas tentativas de viabilizar tal exercício, sem sucesso, por conta de desencontros nos diálogos entre pesquisadora e professoras, como também da brevidade do tempo dos estudos- pilotos, finalmente, a oficina aconteceu e foi proposta antes da visita ao museu, com o objetivo de instigar reflexões, sobre as leituras e a relação das crianças com os objetos de seu cotidiano.

Assim, foi enviado um pequeno aviso nas agendas das crianças, solicitando um objeto escolhido por elas para fazermos uma atividade na escola. Ainda foi reforçado verbalmente a cada mãe que poderia ser qualquer objeto, desde que fosse da escolha da criança. Houve poucos esquecimentos, e mesmo as crianças que esqueceram seus objetos participaram falando sobre os objetos dos colegas. A “Oficina do Objeto” aconteceu na biblioteca, por ser mais ampla e ventilada. Fizemos um grande círculo. Assim, iniciamos essa mediação perguntando a cada criança o porquê da escolha daquele objeto.

A “Oficina do objeto” foi inspirada na ideia do museólogo Mário Chagas (1998, p. 63) no workshop70 conduzido por ele durante no “II Seminário sobre Museus-Casas”, realizado

pelo Museu Casa de Rui Barbosa. Segundo o autor, essa oficina passou por três momentos, dos quais faremos uma breve síntese: o 1º momento é o da escolha do objeto, que tanto pode ser um objeto que carregamos em nossas bolsas ou corpos, presente em nosso uso cotidiano, quanto de objetos escolhidos de um dia para outro, ou uma semana, etc; estes podem estar impregnados de histórias sentimentais. A intenção é que cada participante fale de seu objeto. O 2º momento propõe que, num tempo de 20 minutos, os participantes contem uma história com esses artefatos, no intuito de organizar uma exposição. Já no 3º momento, cada grupo é convidado a visitar as demais exposições, emitindo suas impressões acerca das propostas

70 Workshop conduzido por Mário Chagas: Oficina do Objeto. Ver Anais do II sobre Museus-Casas. Rio de

expositivas. Depois, é conferida a palavra às duas pessoas de cada grupo da exposição comentada, para que expliquem a proposta da exposição.

Com as crianças, não foi possível realizar os três momentos. Ficamos no primeiro, que, de alguma maneira, foi proveitoso, já que foi concedido às crianças o direito de falarem sobre os objetos que elas trouxeram de suas casas. Nos demais momentos, as crianças se dispersaram. Essa dispersão é compreendida por se tratar de crianças da educação infantil, pois, quando as atividades se prolongam, elas, aos poucos, vão se desinteressando.

Conforme Chagas (p.61-62), “[...] usando os objetos, nós falamos de nós. Os objetos, na verdade, servem também para isso. Nós usamos objetos e falamos de nós e sempre estamos atribuindo determinados sentidos, determinados significados aos objetos”. Os objetos do universo infantil foram mediadores nessa oficina realizada na escola de outras formas de expressão próprias das crianças da educação infantil, como foi o caso de um dos objetos que se referia a um palhaço, visto que logo um dos meninos começou a cantar a musiquinha do “Patati e do Patatá”, a qual contagiou parte do grupo que o acompanhou com gestos e canto. Esse menino, embora tenha esquecido o seu objeto, era o mais empolgado na “oficina”. Imitando-nos, ele dizia: “Agora é a vez da Renata, fale sobre o seu objeto”.

Dentro dessa perspectiva de falar, ouvir, pesquisadora e crianças experimentaram no espaço escolar um exercício que foi inspirado na “Oficina do objeto”, com o objetivo de observar a relação que as crianças têm com as coisas, partilhando sentidos em grupo. Tal oficina com as crianças da educação infantil foi pensada como mais uma ação mediadora que antecedeu a primeira visita ao museu.

Como ex-mediadora do Museu do Ceará, levei em consideração os princípios que, nessa instituição, aprendi: que a visita ao museu deve começar em sala de aula. Desse modo, estávamos trabalhando, com a cartilha da Dorinha, contação de história que tinha relação com os objetos. Fizemos uma oficina com objetos escolhidos pelas crianças, no intuito de instigá- las à reflexão sobre as possibilidades de histórias contidas nesses artefatos, além da relação afetiva que as crianças possam ter com esses objetos. Neste sentido, estávamos nos preparando para essa 1ª e tão esperada visita ao Museu do Ceará.