5.1. O processo de regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à
5.1.2. As definições da Lei Agrária - Lei 8.629/1993 e suas atualizações
A Lei nº 8.629/1993, conhecida como Lei Agrária, regulamentou os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal de 1988.
Nesta Lei (ANEXO C), a conceituação de imóvel rural permaneceu praticamente idêntica à definição originária do Estatuto da Terra, sendo o imóvel rural definido como “o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial”
(BRASIL. Lei nº 8.629/1993, Art.4º, Inciso I).
A partir desta definição, a Lei Agrária conceituou, nos incisos II e III do seu Art. 4º, a pequena e a média propriedade, formatando e normatizando a tipologia a ser utilizada para a caracterização dos imóveis rurais e para a apreensão da realidade agrária brasileira. A pequena propriedade, nesse aspecto, ficou definida como sendo o imóvel rural com dimensão de área entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais, enquanto a média propriedade teria dimensão de área entre 4 (quatro) e 15 (quinze) módulos fiscais (FIGURA 06).
Figura 06 – Classificação dos imóveis rurais na Lei n° 8.629/1993.
Fonte: BRASIL. Lei n° 8.629/1993. Elaborado por: Alcione Talaska.
Note-se que esta classificação foi realizada considerando o módulo fiscal, que segundo o INCRA (2013), é uma unidade de medida expressa em hectares (ha), fixada para cada município brasileiro, considerando: (i) o tipo de exploração predominante no município; (ii) a renda obtida com a exploração predominante; (iii) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda e da área utilizada; e (iv) o conceito de propriedade familiar.
Importante destacar também que a Lei Agrária assegurou tal como se havia definido o inciso I, do Art. 185 da Constituição Federal de 1988, que a pequena e a média propriedade seriam insusceptíveis para fins de reforma agrária, desde que o seu proprietário não tenha outro imóvel rural (BRASIL. Lei nº 8.629/1993, Art.4º, Parágrafo Único).
Do mesmo modo, a Lei Agrária definiu ainda que o não cumprimento da função social tornaria o imóvel rural suscetível para a desapropriação (Art. 2°) e que os requisitos para o cumprimento da função social seriam aqueles definidos no Art. 186 da Constituição Federal (Art. 9°), considerados, como segue:
Aproveitamento racional e adequado: quando o imóvel rural atinge os graus de utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE) que informam sobre a propriedade produtiva;
Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente: quando a exploração do imóvel rural se realiza respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade e o equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas;
Observância das disposições que regulam as relações de trabalho: quando a exploração do imóvel rural é realizada respeitando as leis trabalhistas, os contratos coletivos de trabalho, os contratos de arrendamento e de parceria rural;
Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores: quando a exploração do imóvel rural objetiva atender as necessidades básicas dos trabalhadores rurais, observando as normas de segurança do trabalho e não provocando conflitos ou tensões sociais.
Assim, para que o imóvel rural seja considerado com aproveitamento racional e adequado, ele deve ser produtivo, ou seja, deve enquadrar-se no conceito de propriedade produtiva, apresentando, simultaneamente, GEE e GUT (FIGURA 07), segundo índices fixados pelo órgão federal competente (BRASIL. Lei nº 8.629/1993, Art.6º).
Figura 07 – A propriedade produtiva, segundo a Lei 8.629/1993.
Fonte: BRASIL. Lei n° 8.629/1993. Elaborado por: Alcione Talaska.
O GUT, que é o parâmetro utilizado para medir a efetiva utilização da área aproveitável total do imóvel rural, é obtido a partir da relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. Para uma propriedade ser considerada produtiva, neste quesito, precisa apresentar GUT superior a 80%. No entanto, além do GUT, o imóvel rural, precisa atingir simultaneamente o GEE, que é o parâmetro utilizado para aferir a eficiência na exploração da área efetivamente utilizada do imóvel rural. O GEE é obtido a partir da relação entre a quantidade colhida e/ou as unidades de animais (UAs) existentes no imóvel rural com
os índices de rendimento e/ou lotação animal definidos pelo poder executivo para a região na qual o imóvel rural está localizado. Para o imóvel rural ser considerado produtivo, neste quesito, precisa apresentar GEE igual ou superior a 100%.
Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade, ou seja, o rendimento regional para produtos vegetais e o índice de lotação regional para a pecuária, conforme o Art. 11° da Lei, serão atualizados periodicamente, de modo a considerar as transformações técnicas e científicas que impactam de forma positiva na produtividade da terra e o desenvolvimento regional. Esse ajuste, segundo determinação da Lei Agrária, ficaria a cargo do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, que deveria consultar o Conselho Nacional de Política Agrícola antes de realizar as redefinições.
Assim, de forma geral, para além dos aspectos principais que importam à nossa pesquisa, a Lei Agrária definiu: i) que a desapropriação para fins de reforma agrária deverá ser precedida de processo administrativo, no qual o órgão federal competente (INCRA) realizará levantamento de dados e informações do imóvel rural, acerca do cumprimento da função social da propriedade e da aferição dos índices de produtividade, com prévia notificação ao proprietário (Art. 2º); ii) que não serão passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, os imóveis rurais que comprovem ser objeto de projeto técnico de recuperação de cultivos, e que tiverem realizado registro no INCRA, seis meses antes do decreto declaratório de interesse social (Art. 7º) e os imóveis rurais que estejam executando experimentação técnica-científica que objetive o avanço tecnológico para a agricultura (Art.
8º); iii) que a indenização, no caso da desapropriação, deve ser realizada de forma prévia e justa, utilizando-se títulos da dívida agrária, tendo, somente as benfeitorias úteis e necessárias, a indenização em dinheiro (Art. 5°); iv) que as terras públicas, excetuando-se reservas indígenas, parques, entre outros, ficam destinadas preferencialmente a projetos de reforma agrária (Art. 13°); v) que, à medida que foi efetuada a desapropriação, o INCRA terá 3 anos para implantar os assentamentos de reforma agrária (Art. 16).
Considerando que a Lei Agrária foi publicada há mais de 20 anos, é pertinente verificarmos se nesse período ocorreram atualizações. As alterações que ocorreram na Lei Agrária após a sua sanção, são decorrentes das publicações da Medida Provisória (MP) 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, e da Lei n° 13.001, de 20 de junho de 2014. Os artigos modificados e/ou incluídos no texto da Lei n° 8.629/1993 estão identificados no Quadro 14 e podem ser analisados através do ANEXO C.
Quadro 14 – Atualizações do texto da Lei Agrária
20/06/2014. Art.17°; Art. 19°; Art. 21°; Art.22°; Art.24°. Art. 18°-A.
Fonte: BRASIL.MP n° 2.183/2001; BRASIL. Lei 13.001/2014. Organizado por: Alcione Talaska.
Atentando principalmente aos aspectos principais tratados nessa pesquisa, os quais estão versados no Art. 4° (que indica o sistema de conceitos interpretativo da realidade agrárias), no Art. 6°(que trata da propriedade produtiva), no Art. 11° (que destaca a atualização dos índices que informam sobre a produtividade) e no Art. 9° (que aborda a função social da propriedade) não foram verificadas grandes alterações (Ver: ANEXO C).
Foram, na verdade, realizadas duas pontuais modificações no texto original dos artigos:
i) uma, realizada no Art. 6°, que determinou: a necessidade de comprovação documental e anotação de Responsabilidade Técnica para que áreas com processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens e/ou culturas permanentes fossem consideradas como efetivamente utilizadas para o cálculo dos índices que informam sobre a produtividade da terra; e ii) outra, realizada no Art 11°, que determinou que a atualização e fixação dos indicadores de aferição do GUT e de GEE deveriam ser realizados pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, consultando o Conselho Nacional de Política Agrícola. Isso porque, no ano de 2000, mediante a exclusão das atribuições referentes à Reforma Agrária do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, foi criado, através da MP n° 1.999-14, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)79, com atribuições específicas de promover a reforma agrária e o desenvolvimento sustentável em áreas rurais constituídas por agricultores familiares. Assim, com a divisão do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, condicionou-se a existência de dois ministérios para tratar de aspectos diretamente vinculados ao agrário no Brasil (MDA e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA), sendo, portanto, necessária consulta a ambos para a realização da atualização dos parâmetros, índices, indicadores de que trata o Art. 11° da Lei Agrária.
79 O MDA foi criado pela MP n° 1.999-14, de 13 de janeiro de 2000. O processo de sua criação remete à
“transformação do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Política Fundiária, instituído em abril de 1996. Antes [da sua criação, ainda], a MP n° 1.911-12, de 25 de novembro de 1999, e a MP n° 1.999-13, de 14 de dezembro de 1999, haviam transformado esse mesmo Gabinete em Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar e em Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário, respectivamente”
(MARQUES, 2007, p. 13).
As demais modificações e inclusões promovidas na Lei Agrária versaram, entre outros aspectos80, sobre o processo desapropriatório, sobre a computação da justa e prévia indenização, sobre a forma de pagamento dos títulos da dívida agrária, sobre a localização dos assentamentos e área máxima dos lotes distribuídos por ações de reforma agrária e sobre o título de domínio ou concessão e obrigações do assentado no cultivo da terra (Ver: ANEXO