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As desigualdades no Brasil figuram dentre as maiores em todo o mundo e são de duas ordens: a desigualdade entre pessoas cuja renda é incapaz de satisfazer necessidades básicas, representada pela qualidade de vida, tornando 20% da população absolutamente pobre, e a desigualdade regional representada pelos desníveis de riqueza e desenvolvimento entre os Estados em todos os âmbitos.

Essas desigualdades, tanto pessoal quanto regional, decorrem de processos históricos e culturais.

A forma como o país foi inicialmente habitado, do leste para o oeste, das fronteiras marítimas do Oceano Atlântico para as fronteiras secas com outros países, o que facilitou a comunicação com os centros mais avançados do mundo, já delineou o seu futuro desigual, uma vez que as regiões costeiras foram primeiramente desenvolvidas em detrimento das regiões mais interioranas, que só foram abertas paulatinamente.

O perfil do próprio colonizador, os portugueses, também contribuiu para acentuar esse processo, pois mais afeito e experiente com a lida no mar, pouco se preocupou inicialmente com a povoação do território de modo mais amplo, além do mais, as condições financeiras e mesmo as humanas daqueles povos, naquela época, impossibilitavam tal empresa.

O modo como se estabeleceram as relações entre as pessoas que aqui viviam e as que vieram viver também contribuiu sobremaneira para o estabelecimento de classes ou níveis sociais, porque poucos tinham muito dinheiro e por isso eram donos, proprietários e

mandatários, enquanto muitos eram nativos, escravos ou muito pobres, o que lhes propiciava outro destino, a submissão.

Durante muito tempo o Brasil viveu sem se preocupar com as suas desigualdades e com o seu desenvolvimento, somente após a vinda da família real é que o governo começou a buscar avanços territoriais, comerciais, industriais e culturais, dentre outros, mas ainda assim de forma bastante insípida e somente nas regiões costeiras.

A Proclamação da República despertou o comando da Nação para a necessidade de começar de fato a criação de um país que só se verificou efetivamente mais tarde, com o início da implantação das indústrias de base, dentre outras coisas, logicamente que tal empresa teria que ser realizada nos limites da região mais avançada: o eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, pois era ali onde se concentravam as melhores estruturas de transportes, comunicação e produção de riquezas, como o café.

Foi somente em meados do século XX, que os governos se preocuparam mais atentamente com o problema que já se apresentava há muito tempo entre as regiões: as enormes disparidades, pois enquanto o sudeste e o sul despontavam em avanços e desenvolvimento em todos os âmbitos, as regiões centro-oeste, norte e nordeste experimentavam imensos atrasos.

Alguns planos para minimizar essas discrepâncias foram implementados a partir do início da segunda metade do século XX e experimentaram-se grandes avanços, contudo as seguidas e inúmeras crises econômicas surgidas a partir daquele momento impediram que tal intento se concretizasse, deixando mais uma vez em segundo plano o desenvolvimento daquelas regiões que se viram praticamente sozinhas com seu destino periférico.

Para Rocha (2008), no final do século XX, sentiram-se mudanças importantes com respeito as disparidades inter-regionais, houve avanços sim, como por exemplo na região Centro-Oeste, que se destacou dentre as menos avançadas com taxas de crescimento, mas sua participação em termos nacionais ainda é reduzida, e o autor afirma que:

Houve, é verdade, redistribuição da participação relativa de estados e regiões na produção da riqueza nacional, com a constante perda de representação do Sudeste. Mas isso é muito pouco diante da tendência de aumento da dispersão de rendas estaduais, evidenciada pelo estudo da evolução do PIB per capita dos estados. Isso é sinônimo de ampliação das desigualdades. A idéia de que estaria havendo um reequilíbrio positivo ou mesmo negativo entre rendas inter-regionais – verificada entre indivíduos, mas não entre estados – parece ameaçada pela forma como vêm se dando as condições de crescer e retomar o desenvolvimento. Por isso, mais do que nunca tornam-se indispensáveis políticas regionais que possam galvanizar potencialidades e corrigir os desequilíbrios que tenderão a acentuar-se. Infelizmente, não se vislumbra no cenário atual

do país vontade para atacar de frente um problema cuja premência na busca por soluções a realidade não se cansa de evidenciar. (ROCHA, 2008).

Nesse estudo, que foi realizado em 1995, Rocha (2008) apontava a Região Norte como aquela que mais abrigava a pobreza brasileira, pobreza esta decorrente das condições de desenvolvimento mais precárias em algumas regiões do que em outras, cerca de 42% da população pobre encontrava-se nessa região, seguida da Região Nordeste, com 30,98% dos pobres do país, em terceiro lugar, observava-se a Região Centro-Oeste, com 15,78%, em quarto e quinto lugares, respectivamente, a Região Sudeste, com 15,48% e a Sul com 10,90%.

Mapa 1: Tipologia Sub-Regional

Fonte: Ministério da Integração Nacional63

Conforme se observa no mapa, no país, existem enormes e profundas desigualdades, há, por exemplo, a presença de sub-regiões de alta renda com potencial dinâmico, assim como sub-regiões estagnadas e com baixos níveis de renda, em todas as macrorregiões. A questão regional, na atualidade, abrange todo o território nacional e demanda um olhar mais acurado sobre as realidades sub-regionais (BRASIL, [20--?]).

63 Disponível em: <http://www.mi.gov.br/desenvolvimentoregional/pndr/questao_regional.asp#questao>.

Mais uma vez, na tentativa de modificar esse quadro desanimador, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º., inciso III preceituou que a redução das desigualdades regionais é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, assumindo franca e publicamente a existência dessas, e no art. 170, inciso VII, instituiu como princípio, a redução das desigualdades regionais e sociais, por isso o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), reiterando a determinação constitucional, adotou a redução das desigualdades como um dos eixos centrais da estratégia de desenvolvimento do país (BRASIL, [20--?]).

Para regulamentar esse preceito, o Decreto nº. 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, instituiu o Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, que vem sendo implementado como Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), a cargo do Ministério da Integração, para redução das desigualdades regionais e ativação de seus potenciais buscando a dinamização das regiões e a melhor distribuição das atividades produtivas no território (BRASIL, [20--?]).

O PNDR vê a nação como um todo, um conjunto, e planeja ações e programas capazes de produzir os efeitos desejados na redução das desigualdades regionais (BRASIL, [20--?]).

As ações ocorrem em múltiplas escalas de intervenção, desde a supranacional até a local, passando pela nacional, macrorregional e sub-regional. Há também uma divisão de papéis institucionais básicos, que se articula com as escalas no PNDR: como o nacional (regulação geral das desigualdades e da orientação dos grandes investimentos); macrorregional (articulação das ações e elaboração de planos estratégicos de desenvolvimento); sub-regional (organização e articulação das iniciativas em mesorregiões diferenciadas); e intraurbana (organização e articulação de ações nas regiões metropolitanas e nas cidades em geral (campo de responsabilidade direta do Ministério das Cidades) (BRASIL, [20--?]).

Para os governos federais recentes, a questão regional exige um enfrentamento como problema nacional, envolvendo todo o território, e não apenas macrorregiões menos desenvolvidas como ocorreu no passado, pois entende que as desigualdades regionais diminuem a coesão e a integração territorial, o que leva a perdas para o conjunto, por isso acredita que a solução impõe a construção de consensos entre a sociedade e os três níveis de governo, até porque o problema gera efeitos diretos e indiretos para toda a população (BRASIL, [20--?]).

Como já se mencionou, o PNDR tem como objetivos: reduzir as desigualdades regionais e ativar os potenciais de desenvolvimento das regiões; mas também objetiva dotar as regiões de condições necessárias, infraestrutura, crédito, tecnologia e outros, ao aproveitamento de oportunidades econômico-produtivas promissoras para seu desenvolvimento; promover a inserção social produtiva da população, a capacitação dos recursos humanos e a melhoria da qualidade da vida em todas as regiões; fortalecer as organizações socioprodutivas regionais, com a ampliação da participação social e estímulo a práticas políticas de construção de planos e programas sub-regionais de desenvolvimento; estimular a exploração das potencialidades sub-regionais que advêm da magnífica diversidade socioeconômica, ambiental e cultural do país.

Como instrumentos para atingir essas metas utilizam: os Planos: nacional e regionais (Planos Macrorregionais de Desenvolvimento, como o da Amazônia Sustentável, Nordeste/Semi-árido e Centro-Oeste); Mesorregionais de Desenvolvimento; programas governamentais (Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais – PROMESO – Implantação de novo modelo de gestão em espaços regionais selecionados; Promoção e Inserção Econômica de Sub-Regiões – PROMOVER – Adensamento de potencialidades produtivas regionais; Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido – CONVIVER – Dinamização econômica do espaço regional; Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira – Ação focada em pequenas obras de infraestrutura nas áreas de saneamento, urbanização, educação, saúde e assistência social; Desenvolvimento da Região Integrada do Distrito Federal – RIDE – Implantação de modelo de gestão do território; Organização Produtiva de Comunidades Pobres – PRODUZIR – Capacitação de comunidades para organização produtiva e inserção econômica).

Para financiar esses planos e esses programas, lança mãos dos seguintes recursos: Fundos de Desenvolvimento Regional; Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional; Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO, FCO); Fundos de Desenvolvimento Regional do Nordeste e da Amazônia.

Contudo, o Relatório do IPEA noticia que, até dezembro de 2010, o crescimento da economia não conseguiu reduzir as desigualdades regionais e as Regiões Norte e Nordeste continuam em desvantagem em relação às demais, na comparação de índices sociais e econômicos, poucos avanços ocorreram entre 1995 e 2008 (LOURENÇO, 2010).

Esses índices, conforme o Relatório do IPEA, mostram uma ligeira desconcentração da atividade econômica, entretanto, esse quadro está muito longe de ameaçar a composição estadual do Produto Interno Bruto (PIB) que o país tinha em 1995:

“[...] houve certa desconcentração da atividade econômica, mas ela foi incapaz de mudar substancialmente o perfil regional brasileiro” (LOURENÇO, 2010), como se observa, na análise da participação no PIB por regiões, em que as diferenças também se mantêm, porque enquanto o PIB per capita na Região Sudeste era 39% maior que a média nacional em 1998, e teve pouca alteração e em 2008, ainda era 33% maior que no resto do país; no Nordeste, o PIB per capita em 2008 estava 53% abaixo da média nacional, situação apenas cinco pontos percentuais melhor que em 1995. “No ritmo do período examinado, o PIB per capita do Nordeste só chegaria à marca de 75% do valor nacional em 2074”, estima o IPEA (LOURENÇO, 2010). A manutenção das desigualdades regionais se reflete principalmente na comparação de indicadores sociais. O IPEA aponta, por exemplo, que a taxa de mortalidade infantil no Nordeste ainda é o dobro da registrada nos Estados da Região Sul e o acesso à educação também é desigual. “No Nordeste, uma em cada seis crianças entre 7 e 14 anos não sabe ler e escrever. No Sul, apenas uma em cada 28 está nessa situação”, mostra o estudo (LOURENÇO, 2010).

De acordo com o que foi descrito acima, restou mais do que provado que existem, sim, disparidades regionais no Brasil e que essas persistem há muito tempo, são grandes e precisam ser enfrentadas.

Rocha (2008) noticia ainda que estudos salientam:

[...] que as tendências de longo prazo indicam recrudescimento das disparidades no território e que por isso torna-se imprescindível mudar o eixo das políticas regionais, tornando-as mais seletivas e acoplando-as a outras políticas de caráter macroeconômico e setoriais.

Hoje, passada a primeira década do século XXI, a situação do país ainda é praticamente a mesma. Estudos recentes demonstram que: “o nível de desigualdade do Brasil é estupidamente alto” (RIBEIRO; BATISTA; RIBEIRO, 2011). O Brasil é a sétima economia do mundo, mas ocupa a nonagésima sétima posição no ranking mundial de desenvolvimento humano. Em 2010, a desigualdade levou o país a perder 15 posições neste ranking: “No Brasil, a queda acentuada do IDH se deve, especialmente, pela desigualdade na distribuição de renda – que fez o indicador cair 40,7%, mais que os 37,4% de 2010. Mas há perdas ainda em expectativa de vida (14,4%) e na educação (25,7%)” (RIBEIRO; BATISTA; RIBEIRO, 2011).

Conforme o Comunicado 60 do IPEA (INSTITUTO DE PESQUISA..., 2010b), entre as grandes regiões geográficas, a Centro-Oeste foi a que mais cresceu economicamente entre 1996 e 2007 (5,3% a.a.), embora tenha apresentado a menor queda no grau de desigualdade dos PIBs municipais (0,05%); com relação aos Estados da federação, no

período de 1996 e 2007, o índice de Gini dos PIBs dos municípios somente aumentou no Espírito Santo (3,7%) e no Mato Grosso do Sul (1,9%), nos demais Estados houve queda no grau de desigualdade entre os PIBs municipais, o que significa que Mato Grosso do Sul é o segundo Estado com maior desigualdade, por fim, destacou ainda, que os Estados com maior expansão dos PIBs municipais (Tocantins, Maranhão e Mato Grosso do Sul) não foram simultaneamente aqueles com as mais expressivas quedas no grau de desigualdade da riqueza territorial.

De acordo com Correa e Figueiredo (2006), entre 1985 a 1995, a Região Centro- Oeste era a segunda região do país em que havia maior concentração de terras, e mais:

A desigualdade da distribuição de rendimentos era muito forte na região, o que também se confirma ao observar que, enquanto os 1% mais ricos detinham cerca de 25% da renda total, os 50% mais pobres conseguem auferir apenas cerca de 10% do total de rendimentos de todos os trabalhos.

Acredita-se que, diante do exposto, o momento não seja de simples mudanças de políticas para as questões regionais, mas, sim, de mudança de paradigma.

O modelo federativo brasileiro, inicialmente espelhado no dualismo e posteriormente no cooperativismo, demonstrou que não satisfez as necessidades do país, que não foi feliz, pois desde a sua implantação mostrou excessiva centralização e atualmente ainda demonstra a reafirmação desse processo, apesar de ter vivenciado períodos descentralizadores e de pequenos avanços. Hoje os Estados federados e as regiões brasileiras vivem outra realidade, por isso necessitam de maior autonomia em todos os aspectos, e defende-se a mudança de paradigma, pois só uma transformação fundamental propiciaria novos horizontes.

Isso não significa que se acredite na necessidade de uma mudança radical do atual modelo de governo. Mas, sim, que seja necessário um ajuste radical neste modelo posto, uma vez que na atualidade o federalismo ainda é a melhor opção de governo, a que mais se adapta às necessidades modernas por conjugar no seu sistema de freios e contrapesos a unidade na diversidade.

Os próprios fatos, constatações, estatísticas, estudos e história das desigualdades nacionais apontam para a necessidade de mudanças profundas e radicais. A experiência com a criação de órgãos regionais do passado (SUDENE, SUDECO e outros) mostrou que é possível diminuir essas desigualdades quando há uma política séria voltada para a questão. Nesse sentido, acolhe-se a tese da federalização das regiões defendida pelo

professor Paulo Bonavides para a redução de vez das enormes disparidades desse país, conforme se tratará mais adiante.