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A Organização das Nações Unidas (ONU) noticiou que atualmente a população mundial é de 7 bilhões de pessoas (FUNDO DE POPULAÇÃO..., 2011). Para além dessa fabulosa cifra, o que mais espanta é que cada um desses seres humanos é completamente diferente do outro, tanto pessoal quanto culturalmente, o que por sua vez sempre causou certo estranhamento entre os mesmos, desde os tempos imemoriais, que vão desde a simples curiosidade até o medo e a repulsa. Ainda hoje, o diferente surpreende por conta dos elementos mais corriqueiros, por exemplo, algumas vestimentas ou ornamentos

corporais, e dos elementos característicos de outras culturas como a cor da pele, olhos e cabelos, língua, costumes, dentre outros.

A diferença entre o eu e o outro sempre foi tida mesmo como uma concepção de inferioridade, como afirma Piovesan:

[...] para conceber o “outro” como um ser menor em dignidade e direitos ou, em situações limites, um ser esvaziado mesmo de qualquer dignidade, um ser descartável, um ser supérfluo, objeto de compra e venda (como na escravidão) ou de campos de extermínio (como no nazismo). (SARMENTO; IKAWA; PIOVESAN. 2010, p. 48).

Verani ([20--?]) complementa tal ideia quando salienta que:

As explicações sobre a diversidade humana sempre ressaltaram com mais ênfase os aspectos negativos dos “outros”, tendo como parâmetro as características positivas, físicas e culturais dos povos sob cujo ponto de vista se pensava a diferença. Chega-se até a negar a qualidade de “humano” aos demais povos. Alguns exemplos: entre os povos indígenas brasileiros, a autodesignação, a rigor, enfatiza as qualidades de “seres humanos”; “gente”; “povo de Deus” de cada povo. E para os demais restam termos, no mínimo, desagradáveis, como “os agressivos selvagens”; “os comedores de carne de mamíferos ou de cobra” ou outra característica repulsiva.

Assiste razão à autora uma vez que outros comportamentos, com relação ao diferente, também são observáveis, haja vista a admiração que assalta os brasileiros, por exemplo, aos costumes dos homens muçulmanos de tomarem mais que uma esposa.

A antropologia chama de etnocentrismo a atitude generalizada entre as sociedades humanas de se valorizarem ao máximo como as melhores, as mais corretas, bem como às suas formas de viver, agir, sentir e pensar coletivamente.

Barbosa (2001, p. 58) afirma que:

Do ponto de vista do conhecimento ou da ciência pode-se muito bem debitar na conta do evolucionismo cultural (unilinear) grande parte da responsabilidade desta ação cruel e desarrazoada intensificada contra a diferença. Partindo de postulados falsos, o evolucionismo sustentou que todas as culturas e sociedades evoluíram da mesma maneira. Classificou arbitrariamente as sociedades e os povos em diferentes graus evolutivos e, evidentemente, colocou a sociedade ocidental no mais alto patamar ao qual tenderiam todas as demais. Assim, justificava a empreitada, daquela colocada no topo do sistema evolutivo, de agir sobre as demais a fim de ‘ajudá-las’ a avançar mais rapidamente na evolução que tinha como único fim chegarem a ser como ela. Confundirem-se nela.

Para Barbosa (2001, p. 58):

No plano prático, o movimento inaugural do surgimento contemporâneo das sociedades excluídas pelo Ocidente, situa-se nas emancipações coloniais do século XX e tem sua continuidade na luta atual dos povos autóctones por sua autodeterminação. Os povos indígenas sofrem hoje

resistência, sobretudo por parte exatamente dos Estados que foram colônias da Europa. Estes agem com os povos indígenas como a Europa agiu com eles, negando-lhes o direito à autodeterminação.

Dentre as inúmeras consequências que o fenômeno da globalização possibilitou, a maior aproximação entre as diversas culturas mundiais e nacionais figura como um grande avanço, o que evidenciou mais ainda as diferenças humanas que passaram a ocupar um lugar de destaque. O multiculturalismo ou pluralismo cultural, aqui entendido como a coexistência de duas ou mais culturas em uma mesma sociedade, emergiu com maior intensidade, tanto nos seus aspectos positivos, como o enriquecimento das culturas em interação, quanto em seu lado mais sombrio, como o racismo, a discriminação, a xenofobia e a intolerância correlata, ressaltando suas múltiplas implicações que conforme Burity (1999):57 “[...] remete não apenas a um discurso em defesa da diversidade de formas de vida existentes nas sociedades contemporâneas, mas a um conjunto de aspectos fortemente ligados entre si e que carregam a marca de um contencioso”.

Para Cardoso de Oliveira, não basta que uma sociedade apenas aceite uma ideologia pluralista, é necessário que o Estado promova os diversos modos de ser, de existir, de fazer e pensar, como opções legítimas, tanto quanto as que são consideradas expressivas pelo homem moderno, letrado e predestinado ao desenvolvimento.

O desafio de compreender, aceitar, conviver e respeitar o outro com todas as suas diferenças – principalmente com suas opções culturais, sociais e políticas – é bastante grande para as sociedades acostumadas ao etnocentrismo. Contudo, essa realidade já está posta há muito e o futuro dos homens estará cada vez mais entrelaçado, isto é, irreversível. porque já foi desenhado quando o aprimoramento das tecnologias de comunicação tornou o “mundo plano” (FRIEDMAN, 2007). Daí a urgência de se pensar sobre o assunto e de se agir nesse sentido, tanto no âmbito privado quanto público para que qualquer ser humano possa viver com dignidade.

57 Para Burity (1999), “[...]: a) o reconhecimento da não-homogeneidade étnica e cultural dessas sociedades;

b) o reconhecimento da não-integração dos grupos que carregam e defendem as diferenças étnicas e culturais à matriz dominante do nation-building nessas sociedades – após o fracasso seja de políticas assimilacionistas, seja de políticas diferencialistas (baseadas na restrição de acesso ou mesmo na idéia de “desenvolvimentos separados”); c) a mobilização dos próprios recursos políticos e ideológicos da tradição dominante nos países ocidentais – o liberalismo – contra os efeitos desta não-integração; d) a demanda por inclusão e por pluralidade de esferas de valor e práticas institucionais no sentido da reparação de exclusões históricas; e) a demanda por reorientação das políticas públicas no sentido de assegurar a diversidade/pluralidade de grupos e tradições. Além disto, há que considerar que a crescente sensibilidade para o tema da diferença e sua articulação em termos socioculturais sob a forma de uma reivindicação de direitos para grupos subordinados se liga a um descentramento da cultura ocidental”.

No caso dos indígenas, o problema da aceitação da diversidade é mais acentuado ainda, o Plano Nacional de Educação (Lei nº. 10.172/2001) em sua fundamentação diagnostica a situação do seguinte modo: “[...] Dos missionários jesuítas aos positivistas do Serviço de Proteção aos Índios, do ensino catequético ao ensino bilíngue, a tônica foi uma só: ‘negar a diferença’, assimilar os índios, fazer com que eles se transformassem em algo diferente do que eram [...]”, tônica esta que se estendeu também fortemente para além do espaço escolar do índio, em âmbito nacional.

Barbosa (2001, p. 78) explica que: “Há uma tendência dos grupos humanos, das culturas e dos povos de guardarem suas características próprias, de se preservarem, de se defenderem tais como são, contra tudo e contra todos”, mas que a realidade atual é a da interação em algum momento entre os povos e as diferentes culturas. No caso dos indígenas, a questão é exatamente a de terem garantidas as suas diferenças, seu modo particular de ser, agir, pensar e garantir seu futuro produtivamente e em condições de igualdade com os demais grupos sociais, justamente em face à tendência de universalização, sobretudo, dos valores e do direito advindos dessas outras sociedades.

A partir da ideia de fortalecimento dos Direitos Humanos, dentre os quais figura o direito à diferença, da DUDH/1948 começaram a surgir em todo o mundo processos de nivelamento ou de compensação para amenizar as desigualdades, que tomaram a forma mais popular das ações afirmativas, um mecanismo sociocultural e jurídico de promoção, estímulo e facilitação de redução das disparidades históricas entre gênero, raça, idade, etnia, dentre outras discriminações. A formulação de teorias justificatórias desse contexto ganharam força e notoriedade passando a embasar as lutas de muitos segmentos sociais.