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1. A FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR E A NOVA LEGISLAÇÃO

1.3. As Diretrizes Curriculares Nacionais

As mudanças mais recentes na legislação de ensino começam com a promulgação da Constituição de 1988, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada pela Lei No. 9394, em 1996.

Mas é o parecer CNE/CES 67, em 11 de março de 2003, que estabelece o Referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs para os cursos de graduação que substitui os Currículos Mínimos que orientavam a elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos de Graduação. A diferença entre a nova legislação e a anterior é evidenciada neste parecer, ao distinguir os Currículos Mínimos de Diretrizes Curriculares Nacionais (Quadro 3). Os primeiros regulamentados pela Lei

No. 4.024, de 1961, e as segundas pela Lei No. 10.172, aprovada em 09 de janeiro de

2001, para atender o Artigo 87º, das disposições transitórias da LDB.

Quadro 3: Diferença entre as Leis 4.024/61 e a 10.172/2001

Currículos Mínimos – Lei 4.024 Diretrizes Curriculares Nacionais – Lei 10.172 Concepção do exercício profissional, cujo

desempenho resultaria das disciplinas ou matérias profissionalizantes, enfeixadas em uma grade curricular.

Concebem a formação de nível superior como um processo contínuo, autônomo e permanente, com uma sólida formação básica e uma formação profissional baseada na competência teórico-prática.

Inibiam a inovação e a criatividade das instituições, que não detinham liberdade para reformulações naquilo que estava, por Resolução do CFE, estabelecido nacionalmente como componente curricular.

Ensejam a flexibilização curricular e a liberdade de as instituições elaborarem seus projetos pedagógicos para cada curso, segundo uma adequação às demandas sociais e do meio e aos avanços científicos e tecnológicos, conferindo-lhes uma maior autonomia na definição dos currículos plenos de seus cursos. Atuaram como instrumentos de transmissão de

conhecimento e informação.

Orientam-se na direção de uma sólida formação básica, preparando o futuro graduando para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições do exercício profissional.

Comuns e obrigatórios em diferentes instituições, se propuseram a mensurar desempenhos profissionais no final do curso.

Se propõem a ser um referencial para a formação de um profissional em permanente preparação, visando a uma progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno, apto a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional, de produção de conhecimento e de domínio de tecnologias. Pretendia como produto um profissional

preparado. Pretende preparar um profissional adaptável a situações novas e emergentes. Eram fixados para uma determinada habilitação

profissional, assegurando direitos para o exercício de uma profissão regulamentada.

Devem ensejar variados tipos de formação e habilitação em um mesmo programa.

Estavam comprometidos com a emissão de um

diploma para o exercício de uma profissão. Não se vinculam ao diploma e ao exercício profissional. Fonte: Adaptado do parecer 67/2003 do CNE/CES.

No que diz respeito especificamente aos Cursos de Graduação em Administração, ocorre uma primeira publicação de uma DCN, aprovada em 01 de fevereiro de 2004, pela Resolução 01/CNE/CES (Anexo A), mas foi substituída, em 13 de julho de 2005, pela Resolução 04/CNE/CES (Anexo B), que de fato instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Administração e

estabeleceu um prazo de dois anos para que todas as IES se adequassem à nova norma legal.

Nesse documento encontram-se as indicações gerais sobre os itens que devem compor o projeto pedagógico e admite cursos com Linhas de Formação Específicas (Artigo 2º); uma descrição genérica do perfil desejado dos formados (Artigo 3º); e quatro conjuntos de conteúdos:

Ɣ formação básica; Ɣ formação profissional;

Ɣ estudos quantitativos e suas tecnologias;

Ɣ conteúdos de formação complementar (Artigo 5º).

Nos três primeiros conjuntos de conteúdos cita-se apenas um elenco de matérias que, no entendimento dos especialistas e das autoridades de ensino, são os conhecimentos necessários para a formação dos bacharéis em Administração. A análise dos conteúdos relacionados não apresenta nenhuma novidade e estão muito próximos dos conhecimentos que já faziam parte do Currículo Mínimo desse curso. Apenas não indicam a relação de carga horária que, na legislação anterior, era estabelecida para cada um dos conteúdos.

A novidade é o entendimento dos conteúdos de formação complementar, definidos como “estudos opcionais de caráter transversal e interdisciplinar para o enriquecimento do perfil do formando” - Inciso IV, Artigo 5º - e que podem ter uma carga horária de até 20% do total de horas curso, ou seja, considerando-se a carga horária mínima de 3.000 horas estabelecida para este curso, poderão estes conteúdos, no limite, chegarem a 600 horas.

Entender o significado da expressão “de caráter transversal e interdisciplinar”, como componente curricular de um curso destinado à formação de profissionais no

terceiro grau, é fundamental para incorporar essa novidade introduzida pelo novo marco legal aos projetos pedagógicos de cada um dos cursos instalados e autorizados a funcionar.

Na literatura pesquisada, encontraram-se algumas referências às políticas públicas que podem servir de pista para entender o significado dessa expressão: há no Reino Unido um sistema denominado National Vocational Qualifications – NVQ, destinado a servir de guia para a avaliação das competências dos trabalhadores e reorientação de todo o ensino profissional e de treinamento que, mais recentemente, começou a abordar também as habilidades mais genéricas – as General National Vocational Qualifications. Nos Estados Unidos o Relatório Scan, publicado em 1991, pelo US Department of Labor, define um conjunto de habilidades necessárias para qualquer trabalho no âmbito da economia globalizada. Na França, os documentos oficiais referem-se às competências transversais definidas como competências comuns a vários empregos e utilizáveis em grande número de situações (Barato, 2002).

Desse modo, é possível depreender que o que se busca com tal expressão é o desenvolvimento de habilidades ou competências para o exercício de uma atividade profissional em um ambiente de trabalho em um processo acelerado de transformações. Isso se fundamenta no entendimento de que são as competências ou habilidades os elementos que permitirão aos profissionais se adaptarem à nova realidade do mundo do trabalho.

A clareza sobre este ponto é fundamental para elaboração do projeto pedagógico do Curso de Graduação em Administração, uma vez que as atividades relativas aos “estudos opcionais de caráter transversal e interdisciplinar” podem representar até 20% da carga horária do curso.

À primeira vista, há a possibilidade de que tal preceito legal permitirá orientar a adequação entre a transmissão dos conhecimentos e saberes necessários ao desempenho profissional, que ficaria com oitenta por cento da carga horária do curso e, os outros vinte por cento, destinados às atividades ou projetos que tenham por finalidade desenvolver as competências ou habilidades esperadas dos profissionais formados nos cursos estruturados dentro destes princípios.

Com base nesse entendimento, as estratégias de ensino ganham relevância não só no projeto pedagógico, mas também na atividade de docência do ensino superior, uma vez que além de “o quê” ensinar atribui-se um maior peso ao “como” ensinar esses conteúdos.

Não por acaso, a outra novidade que aparece nas DCNs é a explicitação das Habilidades e Competências esperadas dos bacharéis em Administração que são detalhadas em oito incisos, que estão transcritos a seguir:

I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;

II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;

III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;

IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional;

VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável;

VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações;

VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais.

A leitura destas habilidades e competências deixa evidente a presença de elementos de naturezas diferentes, pois há alguns incisos que claramente foram elaborados com base em descritores das atribuições desempenhadas pelos administradores que ocupam posições de comando nas organizações e há outros que se referem claramente a outras dimensões da vida. Na realidade, este conjunto de atributos funciona como uma estratégia para responder às mudanças que ocorrem no mundo organizacional e levaram as empresas a se reestruturarem. Em decorrência disso, nos últimos anos, passaram a exigir de seus membros novas atitudes e habilidades e novos atributos, ou como explica Barbosa (1999a),

a cultura de negócios retira da descrição dessas mudanças toda a sua complexidade, e as transforma em categorias de fácil absorção, como são os perfis gerenciais, os tipos ideais [...] Se até agora esse mecanismo funcionou, daqui para a frente ele corre o risco de entrar em colapso. Primeiro, a "listinha", embora à primeira vista possa parecer dinâmica e atraente, na prática paralisa as pessoas, devido à quantidade de demanda. Segundo, ela aponta para direções diversas e forma contradições praticamente insolúveis que transparecem na tensão da vida organizacional de hoje. Terceiro, categorias e os perfis gerenciais não se resumem apenas a palavras e ao significado semântico que lhes é atribuído pelos dicionários. São, na prática, valores e visões de mundo associados a projetos institucionais específicos.

Além disso, coloca um problema de natureza teórica, pois a noção de habilidade se constrói a partir dos referenciais da psicologia comportamental e a noção de competência, como se verá nos capítulos dois e três, se consolida a partir de estudos e pesquisas que tomam como referência a psicologia cognitivista. Não é por outro motivo que nos países de língua inglesa se referem às “habilidades necessárias” e nos de língua francesa utilizam a expressão “competências transversais”. O ponto de convergência dessas duas expressões é se

caracterizarem como elementos comuns às várias profissões, no âmbito de uma organização do trabalho complexa.

Pode-se entender que a utilização das expressões “competência” e “habilidade” explicitadas nas DCNs são consideradas como mais um elemento que tem a finalidade de flexibilizar as opções das IES na elaboração dos seus projetos pedagógicos. Além disso, como se trata de um documento de natureza legal pode- se alegar, também, que não comportaria uma orientação para uma determinada concepção de ensino.

Mas pode, também, ser compreendida como uma estratégia das autoridades de ensino, para que as IES adotem a concepção de ensino que julgar mais adequada para o cumprimento da sua missão, como explicita o documento publicado pelo INEP (2004), “as reformas em curso incentivam o surgimento de instituições com diferentes missões institucionais e acadêmicas, reconhecendo que essa diversidade é absolutamente indispensável para que o sistema de ensino superior cumpra seu papel na nova sociedade do conhecimento”.

Tendo em vista este componente do documento legal, neste ponto do trabalho, julgou-se conveniente explicitar os pressupostos teóricos do conceito de habilidade com a finalidade de demonstrar a sua diferença em relação à noção de competência que será tratada nos capítulos dois e três.