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Os Pressupostos Teóricos do Conceito de Habilidade

1. A FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR E A NOVA LEGISLAÇÃO

1.4. Os Pressupostos Teóricos do Conceito de Habilidade

Uma das mais importantes obras sobre a psicologia comportamental é o livro “Ciência e Comportamento Humano”, de autoria de Burrhus Frederic Skinner, lançado originalmente em 1953. Neste texto habilidade é definida como o resultado

dos reforços educacionais à medida que se tornam contingentes às propriedades topográficas ou intensivas do comportamento (SKINNER, 2007).

Nessa concepção teórica, o reforço caracteriza-se como um dos elementos centrais e fundamenta-se a partir do conceito de condicionamento operante, que, por sua vez, é definido como o comportamento que deve ser o objeto da ação educacional, tanto para ser incorporado pelos indivíduos como para ser extinto, quando considerado inadequado. As técnicas de reforçamento são as ferramentas indicadas para esta finalidade.

Além disso, considera que as experiências anteriores dos indivíduos afetam o seu comportamento futuro, num processo de aprendizagem constante. Utilizando-se a lei do efeito, que afirma, de acordo com Skinner (2007, p. 66), que “um comportamento se estabelece quando seguido de determinadas consequências”, ou seja, um comportamento que tenha como consequência um resultado agradável tenderá a se repetir, já o que tenha como consequência um resultado desagradável tem uma alta probabilidade de não se repetir. A figura 1 apresenta esquematicamente os elementos centrais propostos pela Teoria Comportamental Clássica.

FIGURA 1 – elementos da Teoria Comportamental

O estímulo assume um papel central no ensino pensado a partir dessa concepção, que deve ser planejado para que os indivíduos, ao final do processo, demonstrem que incorporaram o comportamento desejado. Para isso, deve utilizar um conjunto de técnicas de condicionamento operante denominado OB-MOD –

organizational behavior modification, para incentivar sistematicamente os comportamentos desejados e extinguir os indesejados. São basicamente quatro as técnicas de modificação de comportamento:

Ɣ reforço positivo: tem a finalidade de aumentar ou estabelecer a freqüência do comportamento desejado por intermédio da associação da sua ocorrência a conseqüências agradáveis;

Ɣ aprendizagem por afastamento: tem a finalidade de aumentar ou estabelecer a freqüência do comportamento desejado associando a sua não-ocorrência a consequências desagradáveis;

Ɣ extinção: tem a finalidade de diminuir ou eliminar o comportamento indesejado eliminando uma consequência agradável associada a sua ocorrência; Ɣ punição: tem a finalidade de eliminar um comportamento indesejado fazendo com que uma consequência desagradável fique associada a sua ocorrência. Apesar de estar presente entre as técnicas utilizadas e citadas para modificar os comportamentos indesejados, é considerada por Skinner (2007) como uma técnica questionável, a ponto de dedicar todo o capítulo XII, do livro citado anteriormente, para apresentar argumentos contrários ao seu uso e propor alternativas para substituí-la.

A importância atribuída aos estímulos para esta concepção de ensino é ilustrada no estudo conduzido por Lowman (2004) em diversas faculdades e universidades da Carolina do Norte e da Nova Inglaterra. A partir dos dados coletados, este autor propõe um modelo bidimensional construído com base na capacidade dos professores em utilizar dois tipos de estímulos: o intelectual e as relações interpessoais.

Este modelo, apresentado no Quadro 4, é construído em torno de dois eixos – relações interpessoais no eixo horizontal e capacidade intelectual no eixo vertical. Os professores das escolas pesquisadas foram classificados em nove quadrantes ou células numeradas de um a nove, sendo a célula de número nove reservada para os professores considerados totalmente exemplares e a de número um é utilizada para enquadrar os professores que usam de modo inadequado estes dois tipos de estímulos. No entanto, os enquadrados nos intervalos entre dois e oito mostram-se adequados para alguns alunos, tamanhos de sala ou nível de curso e inadequados ou ineficazes para outras situações.

Quadro 4 – Modelo Bidimensional do Ensino Universitário Efetivo Estimulo: Intelectual Estimulo: relações interpessoais

Baixo: frio, distante, altamente controlador, imprevisível. Moderado: relativamente caloroso, acessível e democrático, previsível. Alto: caloroso, aberto, previsível e altamente centrado no estudante. Alto: extremamente claro e estimulante. Célula 6: São as autoridades intelectuais.

Ótimos para alguns cursos e estudantes, mas não para outros.

Célula 8: São os palestrantes exemplares. Especialmente habilidosos em grandes classes de iniciantes. Célula 9: São os totalmente exemplares. Excelentes para qualquer estudante e situação. Moderado: razoavelmente claro e interessante. Célula 3: São os adequados. Minimamente adequados para muitos estudantes em aulas de preleção. Célula 5: São os competentes. Eficientes para a maioria dos estudantes e cursos. Célula 7: São os facilitadores exemplares. Competentes especialmente em salas pequenas e em cursos mais avançados. Baixo:

vago e monótono Célula 1: São os inadequados. Incapazes de apresentar material ou motivar bem os estudantes. Célula 2: São os marginais. Incapazes de apresentar a matéria bem, mas apreciados por alguns estudantes.

Célula 4:

São os Socráticos. Ótimos para alguns estudantes e situações, mas não para a maioria. Fonte: Adaptado de Lowman (2004, p. 52).

Este quadro exemplifica a facilidade para se construir modelos engenhosos para o gerenciamento do ensino a partir dessa concepção teórica. Modelos como

estes podem fornecer uma série de indicadores para a administração do processo de ensino-aprendizagem: podem, por exemplo, indicar as necessidades de desenvolvimento dos docentes para que todo o quadro de professores de uma instituição se posicione nos quadrantes considerados ideais pela instituição de ensino. Também servem para orientar a distribuição dos alunos e professores formando-se salas somente com alunos que apresentam melhor rendimento em relação a um comportamento considerado mais eficaz de um determinado professor. É adequado, também, para orientar o nível de curso para o qual um professor possui um comportamento mais eficaz, além de outras possibilidades.

Trata-se, portanto, de uma concepção teórica que permite desenvolver modelos que possibilitam um gerenciamento eficaz do ensino. Basta, para isto, a partir do resultado do processo educacional, construir as curvas de aprendizagem que, de acordo com Skinner (2007, p. 67), “mostram como os vários tipos de comportamentos evocados em situações complexas se separaram, se afirmaram e se reordenaram”, ou seja, trata-se de uma ferramenta que torna possível verificar se o processo educacional obteve como resultado o comportamento considerado como adequado para a formação pretendida, uma vez que, como explica este mesmo autor, em uma curva de aprendizagem identifica-se o comportamento final esperado, mas não descreve o processo básico de fixação provocado por um determinado ato responsável pela mudança.

Nesta concepção, o conceito de habilidade é entendido como resultado do reforço diferencial que, como explica Skinner (2007, p. 105),

embora o reforço operante seja sempre um instrumento de seleção de certas magnitudes de respostas entre outras, é possível distinguir entre a produção de uma unidade relativamente completa e a feitura de pequenas mudanças na direção de uma maior eficácia em uma unidade existente. No primeiro caso, estamos interessados em como o comportamento é adquirido; no segundo, em como é refinado. É a diferença entre ‘saber como se faz alguma coisa’ e ‘fazê-la bem feita’. O último é o campo da habilidade.

Do ponto de vista conceitual, a marca mais evidente dos estudos fundamentados nessa concepção teórica é a classificação proposta, por Zabala e Arnau (2010), para os objetivos educacionais. É interessante observar que esta classificação é apresentada em uma obra intitulada “Como aprender e ensinar competências”, o que pode sugerir que competências e habilidades são conceitos com o mesmo significado. Para estes autores, há três possibilidades de classificação dos objetivos educacionais:

Ɣ Objetivos conceituais:

São definidos como que é necessário saber, ou seja, os conhecimentos ou conteúdos conceituais.

Ɣ Objetivos procedimentais

São definidos como o saber fazer, ou seja, é a habilidade para realizar uma tarefa.

Ɣ Objetivos atitudinais

São definidos como o saber ser, ou seja, é a demonstração do comportamento definido previamente como adequado para realizar uma atividade.

Como se pode notar, ao explicitar os objetivos educacionais, estes autores deixam claro que estão se referindo às habilidades e entendem as competências como a somatória do ensino articulado em torno destes três objetivos.

Com isso explicita-se o que se entende por habilidade, ou seja, trata-se de um conceito que se refere à idéia de saber fazer, ou seja, o processo de ensino pensado a partir desta concepção tem por objetivo fazer com que o aluno seja capaz de reproduzir, por meio do comportamento definido previamente como desejado, o modo considerado mais eficaz para realizar uma determinada atividade.

Neste ponto, é possível identificar o ponto frágil desse conceito, pois reduz a ação educacional ao saber fazer, mesmo que bem feito. Com esse entendimento, há uma clara aproximação aos pressupostos do taylorismo, que procurava encontrar a the best ony way, ou seja, a única e melhor maneira para se realizar uma tarefa.

A noção de competência, que será apresentada nos capítulos dois e três, constrói-se a partir da percepção da emergência de um modo de organização diferente do estabelecido por esse entendimento, ou seja, é a percepção dos indícios de substituição do modo de organização do trabalho construído em torno dos princípios fordista-taylorista, que se torna o elemento central para se identificar um novo modelo de organização denominado “modelo de competência” (Zarifian, 2003).

E o que permite a emergência deste novo modelo de organização é o entendimento de que o processo produtivo busca aumentar a sua capacidade competitiva por meio da inovação e, além disso, há frequentes referências à instabilidade ambiental como signo da sociedade contemporânea. Este pressuposto é o oposto do que permitiu a consolidação do modo de organização do trabalho que se tornou predominante na sociedade contemporânea até a crise dos anos de 1970, que se constitui em torno da premissa da estabilidade ambiental e na busca da produtividade por meio da organização racional do trabalho.

Com isso, evidencia–se que esta concepção teórica busca reduzir as ações humanas aos comportamentos observáveis e propor um conjunto de técnicas com a finalidade de transformá-las em comportamentos definidos previamente como desejáveis. Ora, em um contexto onde a instabilidade e a inovação são os elementos centrais, cabe perguntar se os comportamentos definidos previamente como desejáveis são realmente os que preparam as pessoas para enfrentar a vida

em uma sociedade com estas características. Além disso, a escola está realmente preparada e segura para definir antecipadamente os comportamentos adequados para que os seus alunos enfrentem os desafios profissionais do futuro?

Se as respostas a estas duas perguntas forem positivas, à primeira vista, permitiria supor que habilidades e competências são dois conceitos com o mesmo significado, diferenciando-se apenas pelos referenciais teóricos. No entanto, os teóricos que tratam do desenvolvimento das competências profissionais consideram o “saber-fazer” como o nível mais elementar das competências (Le Boterf, 2003).

Esclarecer o significado de habilidade e constatar que se trata de uma referência teórica que orientou a constituição de um determinado modo de organização do trabalho, que já apresenta indícios de esgotamento do seu potencial, encaminha a reflexão para uma compreender uma outra lógica de estruturação do trabalho, que os especialistas que observam essas transformações denominam “modelo de competências” (Zarifian, 1999, 2003).

Esta constatação permitiu escolher o conceito de competência como central para analisar os dados coletados e apresentados nesta pesquisa, uma vez que se trata de um conceito cunhado no mundo do trabalho que, posteriormente, migra para a educação. Por esse motivo, também, os dois próximos capítulos são dedicados ao seu entendimento.