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As divisões generificadas nas práticas de participação

[...] que o homem carregue nos ombros a graça de um pai. Que a mulher seja um céu de ternura aconchego e calor [...].114

É interessante observar que as distribuições das atividades no discurso da participação demandam sujeitos com posições distintas relativas a gênero. As distribuições de

tarefas na participação acabam reproduzindo “as características, os papéis e os atributos que são definidos para homens e mulheres”. (LOURO, 2001, p. 6) Os sujeitos da participação são

generificados, pois, ao se envolverem nas atividades promovidas pelas escolas, são diferenciados conforme as significações sobre os papéis que as mulheres, os homens, as jovens e os jovens costumam ocupar na sociedade. Nesse sentido, as atividades para as famílias convocam as mulheres e as jovens a cuidar de sua aparência, envolvendo-as em atividades como fazer unhas e arrumar os cabelos. Isso aconteceu na comemoração do 10º aniversário da Escola A, em que foi organizada a “sala de beleza para as mulheres poderem

fazer as unhas e arrumar os cabelos” (diretora – Escola A). Para a realização dessa “sala de beleza”, a diretora contou com a colaboração de duas manicures e duas cabeleireiras

voluntárias da Escola de Cabeleireiros da cidade. As quatro profissionais doaram seu tempo

em prol do “embelezamento de mulheres que, por falta de dinheiro e tempo, estavam descuidadas” (cabeleireira voluntária). Essas profissionais, ao se envolverem e doarem seu

tempo em uma atividade promovida pela escola, se posicionam como sujeitos que colaboram com a escola e são, portanto, participativas.

Na distribuição das atividades, as mulheres, as jovens e as meninas, também, são

associadas às oficinas de trabalhos manuais. Além da “sala de beleza”, foram organizadas, no

dia da comemoração do aniversário da Escola A, duas oficinas: uma de confecção de “fuxico” e outra de pintura em tecido. Participaram dessas oficinas apenas pessoas do sexo feminino, ministradas por quatro professoras mulheres da escola. Por um lado, as mulheres são convocadas, nas práticas de participação, a cuidar da aparência (espaço também freqüentado

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por alguns poucos rapazes) e a aprender a fazer artesanatos que podem até mesmo gerar renda sem necessidade de se deslocarem de casa. Por outro lado, os homens são convidados a interagir com seus filhos, participando de torneios de truco, jogos de futebol, bingos e gincanas esportivas. Nessas atividades, demanda-se que os pais se posicionem como pais comprometidos, que acompanham e brincam com o filho.

Durante um jogo de futebol, na gincana esportiva promovida pela Escola B115 algumas mães se queixaram com uma professora da ausência de se proporcionar um jogo que envolvesse as mulheres. A idéia de que os homens interessam por esportes impulsiona a promoção de atividades vinculadas a isso, fazendo com que os pais compareçam mais às escolas. Essa compreensão, tanto pelas mulheres quanto pelos homens, de que o esporte é uma atividade masculina não é dada biologicamente, mas foi inventada culturalmente. O masculino e o feminino, assim como as atividades consideradas próprias e adequadas a cada sexo, são constituídos por meio de discursos que produzem modos de falar, vestir e profissionalizar específicos para homens e mulheres. (Cf. MEYER, 2005) É assim que é possível afirmar que as práticas de participação nas duas escolas pesquisadas trabalham com

(e contribuem para) a produção/reprodução de sujeitos “generificados”. (LOURO, 1999, p.

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Contudo, atualmente, o homem (pai) é interpelado por diferentes discursos que

têm feito circular a idéia de “construção de um novo homem” preocupado e envolvido com a

vida escolar dos/as filhos/as. A participação dos homens no pré-natal e durante o parto é

definida como um marco na passagem para a “nova” paternidade. (Cf. HENNINGEN;

GUARESCHI, 2002) Esse homem (contemporâneo) aparece nas duas escolas. Preocupado com os/as filhos/as, alguns pais se envolvem permanentemente nas diferentes atividades oferecidas pelas escolas: é representante do Colegiado, auxilia a escola nas festas, acompanha o dever de casa dos/as filhos/as. O cuidado das crianças se transformou numa espécie de

divisor de águas que “distingue o pai tradicional do novo pai”. (HENNINGEN;

GUARESCHI, 2002, p. 45) Isso estabelece uma dicotomia que separa o bom pai, o pai “de

verdade”, do pai ausente e negligente. O pai “de verdade” está disponível, participa da vida

dos/as filhos/as, acompanha o seu desenvolvimento escolar, físico e mental, brinca, conta histórias e se diverte com os/as filhos/as.116 Os homens que participam das atividades das

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Essa gincana esportiva foi uma das atividades do Festingá que ocorreu durante a primeira semana de outubro de 2006 (2/10 ao dia 8/10).

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As atividades enumeradas foram encontradas em dois materiais selecionados: no guia para pais e mães produzido pelo MEC (1998) e em um texto produzido pela escola B e distribuído na festa da família. Além

duas escolas pesquisadas convocam outros homens para também participar reafirmando a importância de acompanhar de perto a vida dos filhos/as. Em meio a uma Assembléia de pais na Escola B, por exemplo, um dos pais diz: “Os filhos precisam de autoridade, porque ou a gente acolhe, vigia eles agora, ou então alguém lá fora vai fazer isso. Não custa nada

participar, deixar um momento do dia para saber como está, com quem anda o que faz”

(Escola B). Esse pai participativo define novas atitudes no cuidado e na relação com filhos/as,

ressalta a necessidade de assumir a posição de pai “de verdade”, opondo-se à de um pai que

apenas se preocupa com o sustento da família.

Nesse sentido, o sujeito participativo é um sujeito “generificado” que as escolas

reforçam, fixam e reatualizam por meio de atividades diferenciadas que pressupõem características distintas para as tarefas de ser mãe e de ser pai em nossa sociedade. Nas duas escolas pesquisadas, ao diferenciar atividades para homens e mulheres, estão negando a existência de uma multiplicidade de diferenças que esses termos carregam, ou seja, não há como unificar a mulher e tampouco o homem, como faz o discurso da participação das famílias nas escolas pesquisadas. Louro (2001, p. 32), a esse respeito, ressalta que o feminino

e o masculino contêm um ao outro e que cada “um desses pólos é inteiramente fragmentado e

dividido (afinal não existe a mulher, mas várias e diferentes mulheres que não são idênticas entre si, que podem ou não ser solidárias, cúmplices ou opositoras)”. Portanto, considerando que toda mulher-mãe é dotada de “ternura, aconchego e calor” (como aparece no trecho da música apresentada na epígrafe deste tópico) e que todo homem-pai é “um companheiro de

aventuras” e o “responsável pelo provimento do lar” (como aparece na fala de duas

professoras da Escola B), desconsidera-se algumas importantes transformações ocorridas na organização familiar na contemporalidade. Além disso, determinar espaços e atividades para mulheres e homens é, de certa forma, valorizar determinado tipo de mãe e pai em detrimento da desqualificação dos demais tipos existentes nas escolas. Essa diferenciação gera hierarquia

em relação à “boa família” (constituída por um pai e uma mãe participativos e seus/suas filhos/as, estes/as alunos/as dedicados/as) e à “família negligente”, “desestruturada” e “ausente” (constituída também por adultos/as, crianças e jovens, porém em relações

diferenciadas da anterior).

disso, os pais entrevistados citaram essas atividades como fundamentais “para melhorar a relação com os filhos e assegurar pleno desenvolvimento aos/às filhos/as”.