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A participação como condição para o bom desempenho dos/as alunos/as

5.1 A Psicologia do Desenvolvimento na participação das famílias na escola

5.1.1 A participação como condição para o bom desempenho dos/as alunos/as

PAI, MÃE e toda a COMUNIDADE, têm um papel importante na criação de uma ESCOLA ONDE TODOS APRENDEM! (BETIM, 2000a, p. 1 – Destaque do material)

Nas escolas pesquisadas, a participação das famílias é comumente defendida como condição para o bom rendimento escolar dos/as alunos/as. Essa idéia foi retomada pelos/as profissionais das duas escolas investigadas em diferentes momentos: em reuniões de pais, em dias de festas e em convocações das famílias para as diferentes atividades escolares. A Escola B, por exemplo, ao divulgar uma carta,51 que tinha como objetivo convidar os familiares dos/as alunos/as para participarem da festa da família, argumenta:

Quando familiares e comunidade se tornam parceiros na Aprendizagem, ajudam os alunos a ter sucesso na vida escolar e colaboram para diminuir a evasão e a violência. Escola e família têm os mesmos objetivos: „fazer a

criança se desenvolver em todos os aspectos e ter sucesso na aprendizagem‟. (grifo da carta)

51

Em outra parte da mesma carta encontra-se que: se as famílias

[...] demonstrarem curiosidade em relação ao que acontece em sala de aula e reforçarem a importância do que está sendo aprendido, estarão dando uma enorme contribuição para o sucesso da aprendizagem. [de seus/suas filhos/as]

Essas e outras frases, que reforçam a necessidade da participação da família para a aprendizagem de crianças e jovens em processo de escolarização, foram espalhadas pela

Escola B durante a “festa da família”. Os recados ressaltavam a idéia de que “a família tem

muito a contribuir para o desenvolvimento humano e escolar de nossas crianças”, que “a

participação da família torna a escola mais eficaz”, ou, ainda, que “a construção do

conhecimento na escola não é nunca um trabalho solitário; ao contrário, sempre é um processo que o aluno faz com outros e, muitas vezes, graças à ajuda de outros (César Coll)”.52 Os/as profissionais da Escola A também utilizam esse argumento para convencer as famílias a se envolverem com o processo de escolarização das crianças e jovens. Na

convocação para a “reunião de pais”53

encaminhada às famílias dos/as alunos/as, foi feita a seguinte afirmação:

A família é capaz de despertar o interesse e a curiosidade de seus filhos, incentivando a aprendizagem. Pequenos gestos no dia-a-dia podem fazer seu filho aprender sobre as coisas da vida e reconhecer a importância dos conhecimentos escolares.54

Durante a realização da reunião, a professora da turma de 9 anos, observada para esta pesquisa, utiliza a mesma convocação para mais uma vez falar às famílias sobre a importância do acompanhando dos/as alunos/as no dever de casa. Esse acompanhamento é defendido pela professora como imprescindível para o desenvolvimento e para a

aprendizagem das crianças. A professora informa aos participantes que “os alunos não estão fazendo os deveres de casa”. Chama a atenção para o fato de que “os alunos precisam compreender que o dever de casa é uma maneira de estudar”, e que eles “precisam criar o

52

Essa frase estava escrita em um mural da Escola B, sendo César Coll identificado como autor. Contudo, no mural não se encontrava registrada a referência completa, não sendo possível identificar de qual obra, ano e página a citação foi retirada.

53

Cf. Anexo 2.

54

hábito de estudar em casa”. A professora pede aos pais que “ajudem os filhos [...] a criarem esse hábito”55

de estudo.

Além disso, a professora tenta convencer os familiares presentes na reunião da importância do dever de casa para o desenvolvimento escolar e humano dos/as alunos/as, utilizando para tanto a seguinte argumentação:

As crianças aprendem em todos os lugares; a escola é apenas um desses espaços. Nós, professores, ficamos muito pouco tempo com os alunos, então eu peço que vocês ajudem os filhos. Além das tarefas que eles levam para casa, [...] com pequenos gestos vocês podem ajudar e muito. Isso pode ser feito em muitos momentos. Por exemplo: vai fazer uma compra? Chama o filho para escrever a lista que você for ditando. Vai fazer um bolo? Peça seu filho para ler a receita. Peça seu filho para calcular o valor das contas de água e luz. São muitas coisas que vocês podem envolver os filhos de vocês. Essas coisas são muito boas para os alunos treinarem os conhecimentos escolares e perceberem que esses conhecimentos fazem parte da vida.56

Nessa reunião, a professora defende que as famílias construam em suas casas oportunidades para que as crianças possam exercitar os conhecimentos escolares, pois essa ação é apontada como um meio de garantir o bom desempenho dos/as alunos/as. É importante observar que, ao convocar as famílias para contribuírem na aprendizagem de seus filhos, essa

professora utiliza a noção da Psicologia do Desenvolvimento de que “a aprendizagem é

construída nos espaços de convivência, na interação com o outro, em relações sociais,

culturais e lingüísticas”. (BETIM, 1998, p. 40)

A fala da professora sobre a necessidade da realização do dever de casa e a análise das observações realizadas nas escolas fizeram-me concluir que essa atividade é importante não apenas por trazer benefícios ao desenvolvimento escolar dos/as alunos/as. Com base nos estudos de Foucault (2004) sobre governo, é possível dizer que se trata de uma estratégia57 utilizada nas escolas pesquisadas para fazer com que as famílias participem, co- responsabilizando-se58 pela vida escolar de seus/suas filhos/as. Essa co-responsabilização é

“ensinada” às famílias com o uso de algumas “táticas”. Uma dessas táticas tem sido a

55

Caderno de campo: Fala da professora aos familiares presentes na Reunião de pais (3/5/2006).

56

Ibdem.

57

Para Foucault (1995, p. 247) a estratégia tem três sentidos, são eles: primeiro, designa “a escolha dos meios

empregados para se chegar a um fim”; segundo, “age em função daquilo que ele pensa que deve ser a ação dos outros, e daquilo que acredita que os outros pensarão ser a dele”; e, terceiro, para designar o “conjunto dos

procedimentos utilizados num confronto para privar o adversário dos seus meios de combate e reduzi-lo a

renunciar à luta”.

58

Paraíso (2002, p. 169-172), também utilizando o referencial foucaultiano, mostra como a co-responsabilização das famílias e de outros membros da sociedade pelos problemas escolares tem sido uma estratégia usada por discursos governamentais, educacionais e midiáticos para fazer a escola brasileira funcionar.

incorporação do cumprimento das tarefas de casa pelos/as alunos/as como um dos itens do

“boletim escolar”59

das duas escolas pesquisadas. Para Foucault (2006a, p. 141), tática é a

“arte de construir, com os corpos localizados, atividades codificadas e as aptidões formadas”. Ao incorporar o item “realiza atividades extra-escolares (dever, pesquisa, leituras, trabalhos,

etc) no Boletim Escolar, observa-se claramente a tentativa das escolas de construir com os estudantes e suas famílias as codificações de atividades e a formação de aptidões. Trata-se, portanto, de uma tática usada para co-responsabilizar as famílias pelos problemas escolares dos/as filhos/as, que dá visibilidade tanto às famílias que participam como às que não participam.

Além de avaliar se os alunos realizam os deveres de casa, os/as professores/as nas duas escolas pesquisadas avaliam o envolvimento dos familiares na vida escolar dos/as filhos/as utilizando outros requisitos, a saber: se os/as alunos/as possuem os materiais escolares e trazem-nos sempre organizados, se são freqüentes e se vão arrumados/as e limpos/as para a escola. Esses requisitos são utilizados pelas duas escolas para avaliar e classificar as famílias em “responsáveis” ou “negligentes”, gerando o que Foucault (1995, p.

246) denomina de “diferenciações”. Estabelecer “diferenciações” é um “exercício de poder” para agir sobre a ação do outro, no caso, sobre a “família negligente”, corrigindo seus desvios.

Nas escolas pesquisadas, as famílias consideradas como desviantes são alvo de intervenções. A intervenção mais comum presente nas escolas pesquisadas é o encaminhamento dessas famílias a especialistas do serviço de assistência social ou do serviço de Saúde Mental da cidade, feito principalmente pelas diretoras e pedagogas. Elas acreditam que esses serviços, principalmente vinculados à psicologia, podem sanar as dificuldades cognitivas e afetivas desses/as alunos/as. Isso tem contribuído para o freqüente

encaminhamento das famílias consideradas “negligentes” a esses serviços nas duas escolas

pesquisadas. A diretora da Escola A justifica o grande número de encaminhamentos

afirmando que “há casos em que a escola sozinha não dá conta e não consegue resolver”.60 O discurso da Psicologia do Desenvolvimento é referência para os encaminhamentos das famílias quando, por exemplo, as professoras de 1º ciclo solicitam que o/a responsável leve a criança ao pediatra, pois esta não possui uma linguagem oral adequada à sua idade. Esse discurso é também assunto de palestras para os familiares dos/as alunos/as nas duas escolas pesquisadas. Na Escola B, por exemplo, os/as profissionais promoveram

59

Cf. Anexo 3.

60

uma palestra para as famílias dos/as alunos/as sobre o tema: “A afetividade no processo de aprendizagem”, proferida por uma psicopedagoga da cidade. A palestra promovida pelos/as

profissionais da Escola A aos familiares dos/as alunos/as contou com a colaboração de uma psicóloga e de uma professora especialista em educação especial. O objetivo foi

“proporcionar um bate-papo sobre dificuldades de aprendizagem” (Escola A – Convite). Tais palestras são consideradas importantes para que os familiares “conheçam e opinem sobre as diversas questões que perpassam a escola”. (BETIM, 2000b, p. 8) Como justifica a diretora da Escola B, foi pensado “em um assunto que os pais pudessem aprender como melhorar no relacionamento com o filho” e, conseqüentemente ajudá-lo na aprendizagem escolar.

Assim, como procurei evidenciar neste tópico, as palavras e argumentos retirados do discurso da Psicologia do Desenvolvimento são usados para atrelar a participação das famílias ao bom desempenho dos/as alunos/as. Com isso, tenta-se convencer as famílias de que o acompanhamento na vida escolar da criança e jovem é necessário. O discurso da

Psicologia do Desenvolvimento auxilia a “naturalizar” a participação das famílias na escola,

tornando-a quase inconstestável pelos/as responsáveis dos/as alunos/as e pelos/as profissionais das escolas pesquisadas. Esse discurso então funciona nas escolas pesquisadas

como uma “estratégia de poder” para co-responsabilizar as famílias pelo processo de

escolarização das crianças e jovens.

5.1.2 O ensino às famílias da necessidade da não-retenção do/a aluno/a e do respeito aos