• Nenhum resultado encontrado

O biopoder, explica Foucault (2002), é aquele que se exerce sobre o corpo e sobre a vida. Para ele (2006b), o corpo significa muito mais que um aspecto biológico, é a própria superfície sobre a qual o poder-saber se exerce, em que “as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais” (2006b, p. 28). A atuação do poder sobre os corpos tem, para Foucault (2002), dois níveis de exercício do poder: de um lado, as técnicas disciplinares que têm como objetivo um treinamento “ortopédico” dos corpos. De

outro lado, as técnicas do biopoder, o corpo entendido como pertencente a uma espécie (a população) com suas leis e regularidades. Como afirma Foucault (2002, p. 294),

pois aí não se trata, diferentemente das disciplinas, de um treinamento individual realizado por um trabalho no próprio corpo. Não se trata absolutamente de ficar ligado a um corpo individual, como faz a disciplina. Não se trata, por conseguinte, em absoluto de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade; em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação [...] essa tecnologia do biopoder, essa tecnologia do poder sobre a „população‟ enquanto tal, sobre o homem enquanto ser vivo, um poder contínuo, científico, que é o poder de „fazer viver‟.

O poder disciplinar se organiza basicamente em torno da disciplina que “[...] nem é um aparelho, nem uma instituição: ela funciona como uma rede que os atravessa sem se limitar a suas fronteiras; é uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de poder”. (MACHADO, 1982, p. 194) A disciplina se exerce em uma série de espaços do corpo social, tendo como princípios básicos os seguintes aspectos: ela é uma arte de distribuição espacial dos indivíduos e exerce seu controle não sobre o resultado de uma ação, mas sobre seu desenvolvimento; é uma técnica de poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos; e é também um controle do tempo. (Cf. FOUCAULT, 2002) Além disso, como afirma Foucault (2006b, p. 189), a disciplina é portadora do discurso que veicula a

“regra „natural‟, quer dizer, da norma; define um código que não será o da lei, mas o da normalização”. Os mecanismos de normalização, assim compreendidos, permitem que um

conjunto de condutas se torne alvo de julgamentos e punições. Exemplos disso são a normalização do tempo (atrasos, ausências), a normalização do corpo (sujeira, gestos e atitudes incorretas) e a normalização do trabalho (desatenção, negligência). Todas essas e

outras práticas fazem multiplicar os “juízes da normalidade” (FOUCAULT, 2006a, p. 266),

como professores/as, médicos/as, psicólogos/as e assistentes sociais, etc. Nessas técnicas de normalização os sujeitos são descritos, identificados e diferenciados por meio de um registro que detalha suas características, suas capacidades, os perigos a que estão expostos, enfim, tudo o que se pode medir, registrar sobre um indivíduo ou grupo. Todas essas técnicas produzem uma série de conhecimentos sobre o ser humano que torna possível o exercício do poder sobre o corpo.

O biopoder articulado ao poder disciplinar exerce “uma outra função [...] gerar e

controlar a vida dentro de uma multiplicidade desde que ela seja numerosa (população)”.

(DELEUZE, 2006, p. 79) Essa tecnologia de poder faz da população o alvo de uma série de intervenções políticas e econômicas, que visa assegurar sua existência, regulando, por exemplo, a incidência de epidemias, a natalidade, a longevidade, a mortalidade e a formação. A população torna-se um objeto passível de ser conhecido, observado, registrado e calculado. Essa maquinaria permite construir saberes sobre a população de acordo com certos tipos de verdade. Entretanto, para conduzir, regular e normalizar a população, não é suficiente extrair- lhe um saber; há necessidade de produzir registros impressos que possibilitem transportar e dispor as informações coletadas. Com os dados reunidos sobre a população, seja antes de propor intervenções, seja durante quando elas ocorrem, é necessário formular saberes, registrá-los em relatórios, gráficos, quantificando os aspectos característicos dessa população. Como afirma Foucault (2002, p. 171),

o grande crescimento demográfico do século XVIII na Europa Ocidental, a necessidade de coordenação e de integração ao aparato de produção e a urgência de controlá-lo, com mecanismos de poder mais sofisticados e adequados, possibilitaram a emergência da „população‟ (com suas variedades numéricas de espaço e cronologia, longevidade e saúde) [...]. Um projeto de tecnologia da população começa a ser desenhado: estimativas demográficas, o cálculo de pirâmides etárias, diferentes expectativas de vida e níveis de mortalidade, estudos das recíprocas relações entre crescimento da população e crescimento da riqueza, medidas de incentivo ao casamento e procriação, desenvolvimento de formas de educação e treinamento profissional.

A cidade e a população passam a ser problemas políticos, passam a ser alvo de disciplinas como a Biologia, a Demografia, a Sociologia, dentre outras. A medicina foi um dos exemplos dados por Foucault (2002 e 2004) como um tipo de poder-saber que incide sobre a os corpos individuais, ampliando-se para a população. O investimento político sobre o corpo, então, não se dá por meio de nenhuma prática violenta, mas sim por meio de técnicas disciplinares e saberes específicos exercidos sobre os indivíduos. O exercício de poder tem por objetivo, nesse caso, conduzir condutas e ordenar as probabilidades. Isso se faz sem

excluir a palavra liberdade. Afinal, como argumenta Foucault (1995, p. 242) “o poder se

exerce sobre sujeitos livres”. É desse modo que o autor distingue poder de violência. A violência é quando não há possibilidade de reação. Na relação de poder há sempre

de violência”, por sua vez, é aquela que “força, submete, quebra, destrói”; ou como nos diz Foucault (1995, p.243) “ela fecha todas as possibilidades”.

O conceito de biopoder tal como desenvolvido por Foucault (2002; 2004 e 2005b) é importante para mostrar como o discurso analisado prescreve para as famílias e os/as profissionais das escolas pesquisadas como elas devem conduzir a vida delas. Esse conceito foi utilizado na leitura dos programas e campanhas presentes nas duas escolas e tem como alvo a família dos/as alunos/as. Nesse sentido, foi possível relacionar o discurso da participação a uma rede de ações engendradas por outras instituições tendo como objetivo produzir condutas preventivas nas famílias e, consequentemente na população.