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(Gilvan Santos) ESTER BRAGA,

5.1 As escolas no campo e o (des)acesso à educação

O fechamento de escolas se estende para além do lugar materializado que ela ocupa, chega ao centro da família e a segrega. Nos últimos seis anos (Mestrado e Doutorado) tem-se dedicado à compreensão do processo de fechamento das escolas, de suas causas e consequências, e nas pesquisas de campo é comum o relato de mães contando que se mudaram para a cidade com os filhos, para que estes continuassem seus estudos. Deixaram o cônjuge vivendo e trabalhando na roça, porém, com o tempo esta situação torna-se insustentável, tanto pela separação da família, pela falta da ajuda da mulher nas atividades cotidianas e também na manutenção de duas casas. Assim terminam-se todos mudando para a cidade. Quando possui a terra, vendem ou arrendam e se convertem em trabalhadores assalariados ou informais.

O espaço da escola em uma comunidade representa um espaço de multifunções, que transpõe a finalidade meramente educativa, normalmente, próximo à escola estava à igreja e uma unidade básica de saúde, a escola se articulava com a comunidade, nas festas, nas reuniões familiares ou na utilização do espaço também para tratar de assuntos de interesse comum. Assim, o fechamento das escolas no campo não é compreendido com um dano somente pela perspectiva educacional, mas também social.

As consequências do fechamento de escolas se alastram pelas bases das comunidades, retira-lhe a força que está potencialmente representada em suas futuras gerações. É um golpe certeiro também na construção ideológica do agronegócio sobre o significado e a representatividade da terra para esse povo. O cuidado com a terra se aprende desde criança. Com a escola próxima à comunidade os filhos ainda ajudavam os pais, porém com a nucleação na cidade, o tempo perdido entre a casa e a escola torna-se demasiadamente desgastante e vai minando inclusive esta relação que se estabelece no cotidiano familiar. E por este mesmo motivo é que muitos alunos também abandonam a escola, pelo desgaste diário no deslocamento para as escolas.

Conforme está previsto no 12° artigo da LDBEN 9394/96, caracteriza-se como incumbência dos estabelecimentos de ensino, a articulação “com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola.” Por isso, o fechamento de uma escola é apontado pelos movimentos sociais de luta pela

terra como um atentado que ameaça a sobrevivência das comunidades. Neste sentido, o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra criou em 2011 a campanha “Fechar escola é crime: Educação do Campo direito nosso, dever do Estado” (Figura 7)

FIGURA 7 - Cartaz da campanha contra o fechamento

e construção de escolas no campo, MST, 2011.

. Fonte: MST (2018)

Brandão (1999) explica que a socialização desde os primeiros anos de vida da criança, passando por sua adolescência representa um lento acúmulo de aprendizado do repertório camponês, da lógica que existe em cada detalhe e da compreensão do tempo. Esse convívio é a reprodução afetiva do homem com a terra, e essa afetividade se constrói somente na prática, através do trabalho. “A família camponesa é ao mesmo tempo ‘uma unidade afetiva e uma equipe de trabalho’”. (BRANDÃO, 1999, p.18)

Fala-se neste sentido, do camponês que vive e reproduz sua existência na terra que lhe pertence. Porém, e ao desterrado? Tem-se a compreensão que para os desterrados, expropriados, sem terras, que lutam para permanecer no campo e na terra de trabalho, o vínculo com a terra seja construído de forma ainda

mais subjetiva. Constrói-se parte desta identidade nas bases materiais da luta. Por todos estes elementos é que se reafirma que a dimensão da escola não se restringe ao lugar onde está fundada. A sua função na comunidade estende-se também ao indizível, ao impalpável.

E embora o fechamento das escolas no campo esteja associado a fatores como a municipalização, a redução da taxa de natalidade, a implantação de tecnologias e a diminuição da população rural ao longo dos anos. Entende-se também, que haja uma finalidade proporcional ao modelo rural que tem sido desenvolvido no Brasil, sobretudo, a partir da década de 1970, com o respaldo do Estado. Para Gonçalves (1984, p.121) “a geografia da penetração do capital no campo revela uma aliança da burguesia com a oligarquia latifundiária”.

Com o fechamento de uma escola, é oferecido o transporte escolar como um beneficio. Uma contradição no discurso de contenção de despesas, visto que são exorbitantes os valores destinados ao transporte escolar. O transporte é normatizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, por meio do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE, com o repasse de verbas aos entes federados, a partir do número de alunos da educação básica pública, residentes em área rural e que utilizam o transporte escolar, informados no Censo Escolar do INEP no ano anterior.

A variação decorre de quatro fatores: 1) Percentual da população rural do município (IBGE), 2) Área do município (IBGE), 3) Percentual da população abaixo da linha da pobreza (IPEADATA) e 4) índice de desenvolvimento da educação básica – IDEB (INEP). De acordo com as normas estabelecidas pelo FNDE este recurso deve ser aplicado em

despesas com reforma, seguros, licenciamento, impostos e taxas, pneus, câmaras e serviços de mecânica em freio, suspensão, câmbio, motor, elétrica e funilaria, recuperação de assentos, combustível e lubrificantes do veículo ou, no que couber, da embarcação utilizada para o transporte de alunos da educação básica pública, residentes em área rural [e] pagamento de serviços contratados junto a terceiros (FNDE, 2011)

Os tempos atuais são a marca absoluta de que os povos do campo são colocados há décadas em um aspecto inferior, pois, as políticas públicas que deveriam atendê-los em suas necessidades e funcionarem como instrumentos na garantia dos seus direitos, são distorcidas e atuam como instrumentos potencializadores no descumprimento destes direitos. Substituir escolas por transporte não é de nenhuma forma um beneficio para as comunidades no campo.

São inúmeras as dificuldades enfrentadas por estes alunos, a distância da escola, o tempo gasto no transporte, o desgaste e o cansaço - devido à necessidade de acordarem ainda na madrugada para irem à escola. Diante disso, o transporte é um ponto que merece o aprofundamento na discussão, pois, embora seja apontado como um benefício, conforme já citado anteriormente, apresenta diferentes percalços.

Além dos fatores limitantes naturais como nos dias de chuva intensa em que o deslocamento dos alunos fica impossibilitado ou em dias comuns com desconforto causado pela poeira. Existe também uma série de riscos aos quais estes alunos são submetidos diariamente: estradas visibilidade reduzida, falta de sinalização, buracos, curvas de nível, pontes sem a devida proteção ou sem as mínimas condições de serem transitadas. Nas Fotos 8 e 9 pode-se observar dois trechos distintos da estrada de terra localizada entre os municípios de Honorópolis (MG) e União de Minas (MG), que apresenta condições perigosas de transito para os escolares.