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Por ser de lá

Do sertão, lá do Cerrado

Lá do interior do mato

Da caatinga do roçado.

Eu quase não saio

Eu quase não tenho amigos

Eu quase que não consigo

Ficar na cidade sem viver contrariado [...]

(Gilberto Gil)

De cada nova reflexão sobre uma temática, surgem consequentemente, novos questionamentos. Motivo pelo qual, considera-se que a tese em si seja um fragmento de um problema constituído por diferentes eixos e possibilidades de análise. O conhecimento nunca se esgota ao considerá-lo como uma teia em constante transformação e construção. Por isso, (entre)tecendo considerações, pois se acredita na necessidade de que as pesquisas dialoguem e que entrelacem os resultados obtidos para contribuir para a compreensão de um panorama mais amplo. Portanto, esta pesquisa é de todos aqueles que se reconhecem nela e de todos aqueles que se dispuserem a refletir a partir dela.

Foi impossível percorrer o Triângulo Mineiro sem impressionar-se com o imenso mar de cana que esta região tem se tornado. Em conversas com famílias que ainda vivem no campo percebe-se a nostalgia ao relembrar o passado. Nas taperas encontradas no caminho revela-se um cemitério de histórias a céu aberto. Em cada escolinha abandonada na beira de uma estrada evidencia-se o desinteresse com a Educação e os povos do campo.

Ressalta que não se tem a compreensão nesta pesquisa da cidade dominadora em relação ao campo dominado, embora a análise proposta seja em relação ao fechamento das escolas no campo, sabe-se que na cidade ocorrem problemas da mesma ordem e que não seria possível compreender tais aspectos em relação às escolas no campo apenas pelo viés das transformações no campo, visto que parte dos desdobramentos que culminam para este fato estão na cidade, assim, tem-se a clareza de que ambos são interdependentes e constituem partes da mesma totalidade.

O objetivo desta tese foi compreender os rebatimentos do projeto de expansão do agronegócio no Triângulo Mineiro, no âmbito da educação escolar no campo, ou seja, conhecer de que forma a expansão agrícola interfere na vida das comunidades rurais e culmina no fechamento das escolas. Para tanto, buscou-se, identificar as transformações entre rural e urbano, o atual contexto na realidade brasileira e compreender seus desdobramentos no Triângulo Mineiro, após a década de 1970. Além de conhecer a realidade (causas e consequências) do fechamento de escolas em alguns municípios do Triângulo Mineiro e refletir a respeito do papel da educação e do Estado na garantia deste direito.

A análise perpassa por duas frentes. De um lado está a lógica que esvazia a escola, que é a mesma da modernização tecnológica, da industrialização

da agricultura e da urbanização que contribuem para a caracterização desta região em um epicentro do agronegócio. E de outro lado uma frente que demanda escolas, que parte, principalmente, dos movimentos sociais caracterizando uma resistência frente ao espaço capitaneado pelo agronegócio, que converte o campo em indústria.

A expansão principalmente das lavouras de cana-de-açúcar no Triângulo Mineiro, não apenas fecha as escolas, mas é também uma atividade que afeta a permanência das famílias no campo, pois impossibilita o trabalhador de se fixar. Seria questionável que diante de tamanha representatividade do setor agrícola no Brasil, inexista uma política de educação que seja realmente eficiente para o campo, contudo, a única resposta para este questionamento seria que por questões ideológicas não há interesse em ofertar a educação no campo e do campo, porque não há interesse na permanência do povo e valorização da cultura do campo.

Entende-se que embora as medidas, Programas e Políticas implantadas pelo governo sejam válidos, não contribuem, todavia, para a consolidação da Reforma Agrária, que é o real objetivo da luta dos movimentos sociais. A disputa territorial tem se caracterizado como o principal tema da questão agrária diante dos conflitos gerados por este modelo de produção, que expropria e desterritorializa os povos do campo. Em contrapartida, há constante e crescente territorialização do agronegócio, e no Triângulo Mineiro, particularmente da indústria canavieira com intensa produção e uso de tecnologias.

O agronegócio associa-se ao capital agroindustrial e à grande propriedade fundiária, como estratégia econômica do capital financeiro na consolidação do modelo agroexportador. O campo convertendo-se em estritamente rural exclui do seu contexto o trabalhador e as famílias de pequenos produtores que não podendo competir com o agronegócio acabam arredando suas terras e migrando para os centros urbanos. Porém, há casos em que ir para a cidade não é uma opção, seja por ausência de condições financeiras ou pelo vínculo com a terra de trabalho.

Frequentemente, o PIB é utilizado nos discursos dos empresários e políticos ruralistas como justificativa para o agronegócio, porém, a riqueza gerada não é necessariamente aplicada ao lugar onde estão as lavouras e a produção. É possível citar como exemplo, o município de Delta, que tem a sua atividade econômica predominantemente movida pela usina sucroalcooleira. Porém toda a

riqueza gerada continua concentrada na família dos usineiros para ser aplicada conforme seus interesses pessoais.

As lavouras de cana-de-açúcar tem mudado a paisagem do Triângulo Mineiro, tanto no campo quanto na cidade, ao revelar contraditoriamente, a pobreza local. Outra preocupação neste sentido é que são formulados planos de expansão da produção, que irão acarretar além de maior perda na biodiversidade, a perda na qualidade do solo no Cerrado Mineiro e ampliação das desigualdades decorrentes da concentração de terras.

Apontou-se também, inúmeras propostas de Programas, Projetos e Leis criadas e implantadas pelo Estado, contudo se as bases da concentração de terra não forem desfeitas, as Políticas Públicas neste âmbito, tornam-se apenas medidas paliativas que não alteram a estrutura agrária e fundiária, raiz causadora dos conflitos internos.

O setor agroexportador fundamenta-se em uma base latifundiária que produz majoritariamente para o mercado, de modo que os pequenos produtores impossibilitados de competir perdem espaço para as atividades realizadas com alta tecnologia, empurra-se a produção do autoconsumo para a margem do processo de modernização. Expandir a produção agrícola significa claramente varrer as famílias do campo para converter cada vez mais porções de terra de trabalho em latifúndios de terra de negócio.

Neste contexto, o fechamento de escolas contribui para o processo de marginalização do homem do campo, e embora o Estado promova a criação de Programas específicos de transporte escolar (PNATE), de livros didáticos (PNLD- Campo) ou mesmo a implantação de Leis como a Lei Federal nº 12.960, de 27 de março de 2014 que estabelece que o fechamento de uma escola seja precedido pelo cumprimento de exigências como avaliação de impacto social, não há nenhuma garantia de sua efetivação, inclusive, relatos obtidos na Pesquisa de campo evidenciaram o descumprimento destas exigências.

Também é válido citar que as Políticas Públicas propostas pelo Estado refletem a compreensão de um continuum rural-urbano, uma vez que não consideram os valores culturais, subjetivos e imateriais dos povos do campo. Esta estrutura tem justificado o fechamento das escolas no campo, a partir de uma lógica estritamente economicista. Porém, é incoerente o discurso da falta de verba para manutenção de escolas diante dos valores exorbitantes gastos com o transporte

escolar e com a quantidade de veículos necessários para realizá-lo, ou seja, ao passo que as escolas são fechadas, financia-se o aumento do número de prestadores de serviços de transporte.

As escolas que ainda estão em funcionamento, são mantidas em parte pela pressão exercida pelas comunidades que vivem no campo, sobretudo, quando existem assentamentos com grande número de alunos. E também porque nestes casos segundo informações obtidas nas entrevistas torna-se mais viável economicamente devido a redução de custos do transporte, porém acredita-se que possa ser também por interesses políticos.

O campo convertido em setor industrial torna-se palco de disputa pela concentração dos meios de produção, portanto, é possível afirmar que antes de ser uma consequência, o fechamento de escolas no campo é uma causa, tem uma finalidade. Reflete mais a necessidade de um projeto de desarticulação e subtração das relações sociais no campo do que, somente, uma consequência deste processo.

Outro aspecto que foi possível observar refere-se ao crescimento das atividades não agrícolas em municípios que tem o setor agropecuário como o mais representativo de sua economia, com a implantação de indústrias, a terra de trabalho, é também convertida em terra de negócio, que não é apropriada somente pelos empresários do agronegócio, mas também por empresários de outros setores.

O aumento e a diversificação destas atividades capitalistas agravam as diferenças sociais no campo, visto que são as famílias mais pobres, com menor investimento em educação e com poucas qualificações que exercem prioritariamente as atividades não agrícolas. Ademais, as atividades não agrícolas alteram a dinâmica populacional do campo e estabelecem novas funções, ou seja, a população rural com poucas oportunidades para se inserir nas atividades agrícolas, encontram nas ocupações informais não-agrícolas, uma oportunidade de trabalho e geração de renda, ainda que a remuneração seja ruim.

Esta situação deixa evidente o quanto a falta de investimento em educação aumenta a desigualdade social, uma vez que dificulta a qualificação para exercer atividades que sejam mais bem remuneradas. Enquanto a permanência da escola daria autonomia para quem vive no campo, o fechamento desagrega a sociedade local e destrói o modo de vida.

É ainda necessário ressaltar que o fechamento das escolas no campo difere-se do fechamento de uma escola urbana em alguns pontos específicos.

Fechar uma escola seja onde for é negar um direito, e isto está claro, porém no campo, reflete as motivações ideológicas de sua ocorrência. Em ambos os casos são as classes mais pobres que são atingidas, entretanto, no campo os sujeitos que são usurpados do direito de estudar onde moram, são provenientes que uma única categoria, trabalhadores rurais. São os filhos dos trabalhadores rurais que são diretamente atingidos com este processo.

A Reforma Agrária é também para a cidade, mas é no campo que ela se materializa, é urgente, essa luta é diária, ainda que perseguida, reprimida e deslegitimada. Contudo, a Educação no campo e do campo tem esse objetivo de formação critica e fortalecimento da luta. A revolução acontece justamente por meio da educação e formação da consciência crítica, de modo que, quem decide fechar uma escola tem também esta certeza, que mais que questões econômicas o fechamento de uma escola no campo representa um padrão espacial, um modelo de desenvolvimento rural, repleto de ideologias e interesses que beneficiam um projeto de campo cada vez mais rural e homogêneo.

Considera-se ainda que com o fechamento das escolas no campo o Estado legitime que qualquer tipo de pensamento crítico no campo e para o campo seja dispensável. Esta lógica se reflete na espacialidade do rural, no sentimento de pertencimento destas crianças e adolescentes que precisam buscar na cidade o seu estudo, o deslocar-se para os centros urbanos para ter acesso a um direito básico, é emblemático e consolida o discurso falacioso de que as oportunidades só podem ser acessadas por quem vive na cidade.

Entretanto, quando se muda para a cidade, a reprodução da vida no campo fica impossibilitada, inclusive por proibições de leis sanitárias. Então, diante da impossibilidade de reprodução do modo de vida, da cultura, dos costumes e também do desacesso à educação, a liberdade de viver no campo e ser do campo, vai ruindo e sendo duplamente ceifada.

Os impactos da expansão do agronegócio no Triângulo Mineiro tanto na espacialidade quanto na paisagem do rural foram evidenciados na pesquisa de campo. Acredita-se que o objetivo inicial deste estudo de compreender as contradições entre o campo e a cidade no Triângulo Mineiro a partir das causas, processos e consequências do fechamento de escolas no campo tenha sido alcançado, ainda que não tenha sido possível identificar exatamente quantas escolas foram fechadas devido a falta de registros, informações e documentos.

O Triângulo Mineiro conforme apontado nas seções anteriores é um território de conflito na luta pela terra, de modo que, o fechamento de escolas, e consequentemente, o esvaziamento do campo propiciam a expansão do agronegócio, e principalmente, da atividade canavieira em terras férteis e com suficiente capacidade e disponibilidade hídrica para o cultivo de lavouras que sejam menos nocivas ao solo, ao ambiente e mais benéficas também do ponto de vista social e humano.

Seria arriscado dizer definitivamente se o fechamento de escolas é ou não um caminho sem volta. Contudo, com base no que tem sido observado tanto nos teóricos consultados quanto nas situações presenciadas é que este processo continuará a ocorrer. E que se as ações governamentais do atual presidente Jair Bolsonaro continuarem caminhando no mesmo propósito que tem sido até o presente momento, de benefícios ao mercado exportador, aos ruralistas e aos empresários, a tendência é que não somente o direito de estudar, mas todos os demais direitos para os trabalhadores rurais e integrantes de movimentos sociais que vivem no campo sejam cada vez mais negligenciados e infringidos. A produção e geração de lucro a todo custo, causará além de profundo e talvez até mesmo irreversível desastre ambiental, um agravamento também nas questões sociais e nos conflitos pela terra.

Contudo, por acreditar na escola do campo e no campo como um instrumento importante para a luta pela permanência na terra, se não pela completa superação ao menos pela diminuição das desigualdades sociais no país - de um modo geral - e no campo de maneira específica. E, sobretudo, pela garantia do direito a educação e pela garantia de ter acesso a este direito com dignidade e segurança, é que se propôs o estudo desta temática que poderá servir de subsídio para outras pesquisas, mas que também tem o dever de denunciar a realidade que por vezes está encoberta em supostos benefícios, como é o caso da política do transporte escolar e de tantos outros Programas desenvolvidos para o campo.

No Neoliberalismo as contradições trabalham para a manutenção dos interesses, por isso, embora haja inúmeros Programas e Políticas Públicas, não há um esforço real e concreto para que estas contradições sejam superadas. Fechar uma escola, reduzir as oportunidades de trabalho, dificultar o acesso aos financiamentos e as tecnologias, incentivar o uso de agrotóxicos, impossibilitar a demarcação e redistribuição das terras, entre tantas outras mazelas aprovadas pelo Estado, compelem a migração para os centros urbanos e ampliam a miséria e a desigualdade tanto no campo quanto na cidade.