• Nenhum resultado encontrado

Qualquer dia contará [ ] (Gonzaguinha)

QUANTIDADE DE SEDES EM CADA ANO

1. Da cidade (em opos a rusticus); da cidade de Roma; urbano 2 Civil (em opos a

2.2 As urbanidades e ruralidades como elementos definidores

Dentre as muitas possibilidades de análise, optou-se nesta pesquisa pela perspectiva das ruralidades e urbanidades, por acreditar que seja uma interpretação que retrate a realidade brasileira com mais veracidade. Campo e cidade continuam exercendo suas funções seculares, entretanto, com aspectos presentes tanto do rural quanto do urbano que se mesclam. Assim, de acordo com Bagli (2006, p. 69):

Tanto os que se aproximam do urbano, quanto os que se aproximam do rural, tendem a adquirir características específicas de cada espaço. Porém, nem sempre a aquisição de tais características leva o indivíduo a se urbanizar ou a se ruralizar. O fato de ambos espaços incorporarem atividades e estratégias de vida que não são próprias de suas lógicas não significa que a tendência seja a completa homogeneização. Pensar tal possibilidade significaria suprimir o olhar dialético das análises. Os espaços não se homogeneízam, pois, as especificidades se mantêm. As diferenças são sustentadas, pois são justamente elas que caracterizam cada espaço. O desafio está em compreender essa heterogeneidade.

As ruralidades e as urbanidades podem ser observadas em diferentes circunstâncias já cristalizadas em nossa sociedade. O caipira, o matuto, o caboclo, o sertanejo, o cowboy, o chapéu de palha, as calças curtas, as roupas xadrez, as botas, as fivelas, o berrante, o carro de boi, a carroça, a horta, poderiam ser facilmente associados com o campo, mas tudo isso está também na cidade. O carro, o celular, o relógio, o computador, a televisão, muitas antenas, cabos, internet, wi-fi, eletricidade e máquina de lavar, poderiam ser facilmente associados com o contexto da vida nas cidades, mas tudo isso também está no campo. Queiroz e Pereira (2005, p. 8) ressaltam que

É curioso observar que o mundo rural, tradicionalmente apontado como entrave ao desenvolvimento brasileiro, ressurge, na mídia, como a vanguarda das iniciativas econômicas. De par com essa percepção, louvam- se os rodeios, as feiras e exposições agropecuárias, a música e as indumentárias ‘sertanejas’ e até mesmo modelos de ambicionados veículos,

mais adequados ao campo do que ao espaço urbano. Não é difícil reconhecer nesses traços a influência da cultura country norte-americana.

Após realizarem uma reflexão a respeito da figura do Jeca e de sua gestação na literatura e na sociedade, Queiroz e Pereira (2005) indagam: “Por onde anda o Jeca Tatu na atualidade?” E no caminho deste questionamento o apontam como “depositário das tradições genuinamente brasileiras”. (QUEIROZ; PEREIRA, 2005, p. 12) O jeca, o caipira de outrora, o Mazzaropi, a despeito de seus traços rústicos acabam encontrando um lugar na galeria dos símbolos nacionais.

De qualquer forma, mesmo ridicularizado ou poeticamente idealizado, o caipira filtrado pelo imaginário desfez-se de seus “defeitos” (o amarelão do Jeca Tatu), mas retém as suas “virtudes”, associadas, em geral, à ladinagem, à esperteza, à ingenuidade. (QUEIROZ; PEREIRA, 2005, p.12)

Os autores concluem sua busca pelo jeca moderno, ao se depararem com as festas típicas, juninas e festas de peão “[...] ainda que no plano do imaginário, usasse a sua proverbial sagacidade para inverter os papéis: finalmente triunfante, o jacu consegue furar as barreiras da exclusão e participar, como protagonista maior, da festa do nhambu”. (QUEIROZ; PEREIRA, 2005, p.13)

Assim como a cidade e o urbano, o campo e o rural também estão em constante dinamismo e transformação. Para Carneiro (2008, p. 16) foi o esgotamento do modelo modernizador, uma das frestas pela qual se pôde enxergar com certa criticidade para a “imagem hegemônica do rural como espaço da tradição e impermeável a mudanças e, assim, passamos a reconhecer, também no chamado mundo rural, uma diversidade de dinâmicas e de atores sociais”.

Para Truffer e Berger (2013)

[...] la ruralidad no se define por el análisis únicamente cuantitativo de la población, ni siquiera a referencias de dominación socio-espaciales […] ni en relación a lo urbano, o mediante referencias temporales (atraso- modernización) [...] Nos preguntamos entonces, ¿es posible pensar vínculos entre la educación, el desarrollo y el territorio en el ámbito de la ruralidad? América Latina hoy es un macro espacio de luchas. Las racionalidades y las contra racionalidades emergen a diario: por los territorios, por la distribución de los recursos naturales, por la desigualdad de distribución de recursos económicos y de producción, por la modernización y globalización, por la preservación de su ruralidad, por la sustentabilidad ambiental y la social. (TRUFFER; BERGER, 2013, p. 16)

No que diz respeito à conceituação do que são as ruralidades, Carneiro (1998, p. 59) ressalta que não devem ser ignoradas as diferenças culturais existentes nestas representações sociais, porém que mais importante que o esforço

teórico para delimitar as fronteiras do rural e do urbano é “buscar, a partir do ponto de vista dos agentes sociais, os significados das práticas que operacionalizam essa interação e que proliferam tanto no campo como nos grandes centros urbanos, tais como a pluriatividade.” Segundo a autora,

não podemos entender a ruralidade hoje somente a partir da penetração do mundo urbano-industrial no que era definido tradicionalmente como rural, mas também do consumo pela sociedade urbano-industrial, de bens simbólicos e materiais (a natureza como valor e os produtos naturais, por exemplo) e de práticas culturais que são reconhecidas como sendo próprios do chamado mundo rural. (CARNEIRO, 1998, p. 59)

Nem dependência ou subserviência, nem continuum ou novo rural, para Rua (2006) trata-se de espaços de territorialidade híbrida que são mutuamente complementares e compõem as urbanidades e as ruralidades18. O autor ressalta que as urbanidades no rural podem ser observadas tanto por manifestações materiais quanto imateriais, que em razão desta imaterialidade muitos erros conceituais podem acabar sendo cometidos, e que se estes aspectos fossem considerados na delimitação do que é rural e urbano no Brasil, certamente as estatísticas seriam diferentes das que são apresentadas, ele justifica:

Admitimos que o urbano, nesse sentido seria muito mais significativo do que as estatísticas (em qualquer método utilizado) demonstram – urbanização difusa, comportamental. O rural seria mais significativo estatisticamente (do que o que é demonstrado) em termos de materialidades e deficiência de infraestruturas. Portanto evidenciamos que o urbano na escala geral do território seria superior ao que as estatísticas demonstram, mas na escala dos lugares seria inferior àqueles percentuais, já que podem existir urbanidades em áreas rurais, sem que, por isso, tais áreas devam ser contabilizadas como urbanas. (RUA, 2011, p. 7)

O continnum citado por Rua (2011) é a perspectiva de análise de autores que como Graziano (1997) que se pautam em uma linha de análise na qual se acredita que as características e costumes ditos urbanos que adentraram o campo o descaracterizam de maneira que a cultura e a identidade do campo se perdem em meio a estes novos hábitos. Considera ainda que a delimitação entre rural e urbano, tem se tornado cada vez mais complexa e que, portanto, atualmente a única forma de compreender o rural é como um continuum19 do urbano tanto do ponto de vista

18 Dentre os autores que pesquisam os temas relacionados às especificidades/subjetividade,

ruralidades/urbanidades, estão: Maria de Nazareth B. Wanderley, Maria José Carneiro, João Rua, José Roberto Moreira e Gláucio José Marafon.

19Abordagem predominantemente pelo viés da economia é a linha de estudo de autores como: Milton Santos,

espacial; quanto do ponto de vista da organização da atividade econômica, e dentre outros fatores, pontua aspectos como crescimento das atividades não agrícolas, como componente de tal complexidade.

Entretanto, assim como afirma Rua (2011), para Marafon (2014), as atividades não agrícolas não são um sinal de que o campo esteja se descaracterizando, mas sim uma forma de rompimento com elementos secularmente associados ao rural:

sua função principal não é mais, necessariamente, a produção de alimentos e nem a atividade predominante é a agrícola, reforçando assim a noção de hibridez do espaço rural [...] Rural e urbano fundem-se, mas sem se tornarem a mesma coisa, já que preservam suas especificidades”. (MARAFON, 2014, p. 5)

Contudo, apesar de não ser o foco desta pesquisa, o impacto das atividades não agrícolas precisa ser estudado. Autores como Ferreira et al. (2006) e Ney e Hoffmann (2008) apontam que estas atividades ao invés de contribuírem para a redução da desigualdade de renda rural, contribuem para o aumento das disparidades, uma vez que aos mais pobres as possibilidades são mais restritas, devido à escassez de ativos como qualificação e capital para investimento. Mesquita (2014) também destaca que em muitas atividades de lazer e turismo desenvolvidas no campo, a comunidade local não é beneficiada, pois nestes casos, não é considerada a dimensão da vida no espaço habitado, mas sim em um espaço mercadoria, a ser vendido.

Muitas atividades que surgem como propostas para o campo atualmente, provém de uma compreensão de modernização, comumente associada à evolução, a um processo de melhoria e superação de algo que passa a ser considerado como ultrapassado, por isso, a compreensão do que é chamado de modernização do território como estratégia de reprodução do capital, faz-se importante no contexto da temática do fechamento das escolas no campo.

2.3 A modernização do território e as estratégias de reprodução do capital no