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AS “ESTRATÉGIAS” DE COMUNICAÇÃO SOCIAL INERENTES AO

CAPÍTULO 2: O MERCHANDISING SOCIAL NA REDE GLOBO DE TELEVISÃO

2.6 AS “ESTRATÉGIAS” DE COMUNICAÇÃO SOCIAL INERENTES AO

Ao conceituar a comunicação como um processo vital para o desenvolvimento humano, Schiavo encontrará brecha para associá-la a outro processo vital, a educação. Afirma que a comunicação é “o espaço próprio da reprodução do saber social” e também “o processo pelo qual um indivíduo transmite estímulos a outros indivíduos, os quais tendem a modificar-lhes comportamentos, atitudes e práticas” (SCHIAVO, 1995, p. 23).

Entretanto, a ação de comunicar nem sempre se dá por meio da intencionalidade; também a educação informal se dá de maneira semelhante. Buscando relacioná-la com a comunicação, Schiavo cita Paulo Freire (1995 apud SCHIAVO, p. 23; FREIRE, 1974) ao afirmar que é função do educador moderno ser um “facilitador” ou um “estimulador do processo de apropriação do saber” ao invés de ficar restrito à função de mero transmissor de conhecimentos. Paulo Freire refere-se a indivíduos verdadeiros, emancipados e dotados de “auto-determinação” a partir de uma verdadeira educação formativa, o que não é dito por Schiavo.

O processo de comunicação, continua o autor, intrínseco ao da educação, “impõe-se como um corolário natural”: no mundo contemporâneo a reprodução do saber social se dá principalmente através dos meios de comunicação social.

Schiavo defende que a comunicação seja voltada para o desenvolvimento humano e contemple os diferentes campos dos meios de comunicação. E, em relação específica à saúde, a comunicação poderia ampliar os níveis de conhecimento sobre os vários aspectos da saúde, os principais problemas prevalentes e as suas possíveis soluções; influenciar o desenvolvimento de novas atitudes frente às questões de saúde, para criar uma base de apoio para a ação pessoal ou coletiva; incrementar a demanda por serviços de saúde; demonstrar e exemplificar habilidades concretas, bem como novos hábitos e formas de comportamentos que contribuem à preservação da saúde e reiterar ou reforçar conhecimentos, atitudes e comportamentos.

A comunicação não poderá compensar a carência de serviços de atenção à saúde, mas deverá estimular e produzir mudanças de comportamentos, atitudes e práticas e ser igualmente eficaz para resolver os problemas de informação e educação para a saúde ou para difundir mensagens a respeito (SCHIAVO, 1995).

A eficiência da comunicação na produção de tais efeitos faz uma clara alusão à modelagem do comportamento. No que se refere às funções da comunicação, o autor define: conformar a personalidade; expressar mensagens; informar (tida como uma função ontológica); formar (quando se destina a treinar, capacitar e/ou educar os indivíduos, transformando as suas capacidades em habilidades; de maneira formal, não-formal ou informal).

Há outras funções da comunicação mencionadas pelo autor que indiretamente aludem à adaptação e modelagem de comportamento, a saber: persuadir (função empregada para a transferência de opiniões ou crenças entre pessoas e grupos, através

da argumentação, buscando fazer com que as pessoas adotem atitudes, práticas e comportamentos transmitidos na mensagem); dialogar (predominante na comunicação interpessoal e constituído na simultaneidade dos atos de emitir e receber mensagens); divertir; normatizar ( voltada para a imposição ou manutenção de normas sociais).

A comunicação voltada à saúde também possui “uma interface com as técnicas do marketing (comercial)”, na medida em que ambas se baseiam na audiência que, por sua vez, determinará o planejamento das ações a serem realizadas. Até adotar uma nova conduta, o indivíduo passaria por diferentes etapas, “consoante o esquema proposto por McGuire” (1995 apud, SCHIAVO, p.28; MCGUIRE, 1981), que é “emprestado das técnicas de marketing (comercial)” e útil nas metodologias de marketing social (Cf. Tabela 1).

Em tópicos e sem maiores explicações, as etapas que envolvem a comunicação e sua efetividade junto ao sujeito são apresentadas por Schiavo da seguinte maneira: exposição à mensagem; atenção à mensagem; reconhecimento do interesse ou importância da mensagem; compreensão da mensagem; posicionamento da conduta quanto às circunstâncias pessoais; aceitação da mudança ou inovação proposta; reflexão sobre a mensagem e a inovação proposta; entre outras, até que se consiga o êxito, que seria a mudança de atitude em concordância com a decisão tomada.

Apesar de mencionar que o trabalho de promoção da saúde possa ser diferente do processo de venda de um detergente, o autor afirma que “em ambos os casos, há que se definir praticamente as mesmas questões” (SCHIAVO, 1995, p.29), como a formulação do produto, seu custo para o público, etc. Tudo isso dependente das expectativas da audiência

[...] que determina que benefícios e a que preço são aceitáveis e como podem ser alcançados. As lições do marketing comercial sublinham a necessidade de se entender o público-alvo em suas especificidades, para definir estratégias de promoção da saúde mais condizentes com seus desejos e necessidades, sobretudo quando dirigidas a grandes audiências (SCHIAVO, 1995,p.30).

No mundo moderno, os meios de comunicação são os principais estimuladores do processo de aprendizagem social, segundo Schiavo. Fica a cargo da macrocomunicação e da megacomunicação a plena participação democrática nos grandes problemas políticos e nacionais a serem discutidos em âmbito nacional. Frequentemente, ambas as expressões aparecem unificadas sob a expressão comunicação de massa. A respeito desse fenômeno, afirma:

Assim, pela sua própria natureza, a comunicação de massa se constrói e desenvolve a partir de discursos homogeneizados fundados em códigos padronizados, facilmente perceptíveis e decodificáveis por amplos segmentos da população. A publicidade é, sem dúvida, o seu melhor exemplo. Mas ela também se faz por meio dos jornais e revistas, do rádio, do cinema e, principalmente, pelas grandes redes de televisão (SCHIAVO, 1995, p.30-1).

Ao preconizar o uso dos grandes meios massivos de comunicação para a realização de um “projeto macro-intencional de comunicação direcionado aos vários aspectos do desenvolvimento”, que envolveria jornais e revistas, emissoras de rádio e principalmente a televisão, Schiavo retoma às sementes do merchandising social. O objetivo dessa mobilização seria “criar oportunidades para que as pessoas se apropriem dos saberes sociais nos vários campos do desenvolvimento, como educação, nutrição, saúde preventiva [...]” (SCHIAVO, 1995, p. 31). Ao associar essas questões à comunicação, o autor abre terreno agora para a questão da sexualidade, importantíssimo tema a ser abordado pelas ações de merchandising social.

O autor aponta para as dificuldades de se definir a sexualidade e mencionando, de maneira vaga, Reich e Foucault, refere-se à sexualidade “como um caminho para a liberdade”, considerando a história de repressão a que foi submetido esse tema delicado, porém crucial ao desenvolvimento humano.

Passando pela revolução sexual e pelo avanço e popularização das técnicas anticoncepcionais, “o sexo-prazer”, em suas palavras, conquistou importante espaço social ao perder o status de transgressão para se tornar uma legítima alternativa para exercício da

sexualidade. Dirá ainda que o sexo não-reprodutivo invadiu o cotidiano das pessoas e tornou- se um produto de consumo (SCHIAVO, 1995,p.33).

A pílula anticoncepcional, mais do que qualquer outro método de prevenção da gravidez, popularizou a prática do sexo-prazer, intencionalmente desvinculado da reprodução. A partir do seu surgimento no mercado, por seis ou sete dólares mensais, tornou-se possível para a mulher administrar sua sexualidade, tirando de suas costas, pelo tempo que desejasse, o determinismo biológico da maternidade. A sociedade pós-industrial, gradativamente deixou de valorizar a (re)produção – que, durante a revolução industrial, coincide com o fenômeno da aceleração do crescimento demográfico -, passando a valorizar o consumo (daí, resultando que, durante a revolução sexual, o próprio corpo fosse identificado como produto) (SCHIAVO, 1995, p.40).

Ao se falar em sexualidade, fala-se de educação, pensa o autor, salientando o papel dos “diversos atores sociais como a família, a escola, os amigos, o vizinho, a religião e os meios de comunicação”, principalmente quando a educação formal deixa de cumprir sua função relativa a abordar adequadamente essa questão (SCHIAVO, 1995 p. 33).

Antes de definir “Educação Sexual”, “Saúde Sexual”, “Saúde Reprodutiva”, “Direitos Sexuais”, “Direitos Reprodutivos” e “Planejamento Familiar”, o autor especifica que o principal critério de seleção dos temas “foi a contribuição de cada um deles ao processo de criação e implementação da estratégia de merchandising social como suporte apropriado de mensagens educativas nas telenovelas” (SCHIAVO, 1995, p. 34).

O autor faz alusão a pesquisa realizada em 1993, na qual 86% das pessoas consultadas eram favoráveis à inclusão da educação sexual nas escolas, mostrando a necessidade de tomada de iniciativa nessa área pelo poder público. Além disso, esse dado também é revelador de que “ficou para trás o caráter puramente biológico da sexualidade como disciplina de ensino” (SCHIAVO, 1995, p.35).

Em Seminário Regional para a América Latina e o Caribe no Chile, em 1971, cujo principal objetivo era discutir os objetivos da educação sexual, estabeleceu-se, continua o autor, algumas diretrizes que deveriam ser adotadas a fim de se propiciar uma educação sexual satisfatória. Tais diretrizes vão desde a promoção da pessoa como valor em si

mesmo, à promoção da responsabilidade e a autodeterminação no exercício da sexualidade, com base em valores, atitudes e práticas consoantes às necessidades atuais.

Além da publicidade, que segundo Schiavo (1995) é uma “comunicação massiva” que usa a sexualidade como “leitmotiv”, as telenovelas já vinham abordando também massivamente a questão da sexualidade nas telenovelas e, segundo o autor, “o sexo nas telenovelas chegou devagar e foi se intensificando à medida em que o país também foi se tornando sexualmente mais liberal e a sociedade foi se modernizando” (p.80). As diretrizes supracitadas, assim como outras, na verdade, adequavam-se ao mercado e a audiência mostrava-se muito interessada na questão da sexualidade com o crescimento do “sexo- prazer”, não reprodutivo. A partir da consolidação das ações de merchandising social nas telenovelas, a sexualidade humana tornou-se crucial nessas inserções exatamente pelo interesse que desperta nos telespectadores (leia – se: índices de audiência).

Até aqui, abordamos os principais componentes do merchandising social, desde sua origem às suas supostas bases teóricas em Schiavo (1995). Agora nosso trabalho procurará situar o merchandising social nos dias atuais e suas repercussões no público e até mesmo no governo.

2.7 CONSOLIDAÇÃO E ÊXITO DO MERCHANDISING SOCIAL DA REDE GLOBO