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EDUCAÇÃO E ENTRETENIMENTO NA/ PELA TELEVISÃO

CAPÍTULO 1: CONSIDERAÇÕES SOBRE INDÚSTRIA CULTURAL, TELEVISÃO E

1.5 EDUCAÇÃO E ENTRETENIMENTO NA/ PELA TELEVISÃO

Embora denuncie de forma contundente o caráter eminentemente ideológico da televisão como meio da indústria cultural, Adorno também considera a possibilidade de se

dispor desse meio como aliado em processos educativos, possivelmente capaz de aumentar o poder reflexivo das pessoas:

Eu seria a última pessoa a duvidar do enorme potencial da televisão justamente no referente à educação, no sentido da divulgação de informações de esclarecimento. A meu ver, ponto de partida para uma discussão como esta estaria em situar-se de modo eqüidistante, tanto, por um lado, do pensamento daqueles que consideram apropriado não deixar entrar em suas casas algo assim, quanto, por outro, daqueles que dizem: “sou uma pessoa moderna, e por isto mesmo, superficial”, e que nesta medida cultivam a televisão por considerá-la moderna. Pois, para começar, o que é moderno na televisão certamente é a técnica de transmissão, mas se o conteúdo da transmissão é ou não é moderno, se corresponde ou não a uma consciência evoluída, esta é justamente a questão que demanda uma elaboração crítica (ADORNO, 2000, p.77).

Em Educação após Auschwitz, Adorno (1995) considera relevante que se utilize a televisão, por exemplo, para levar informações às pessoas da zona rural, bem como a sua utilização para auxiliar no processo educativo dessas pessoas. Quando do apogeu da barbárie – Auschwitz – o filósofo considera surpreendente constatar que os camponeses tiveram participação expressiva dentre aqueles que efetivamente obedeceram, de maneira cega e irrefletida, a ordens de destruição em massa de pessoas “descartadas” pelo status quo.

Na visão de Adorno, o veículo televisivo poderia ser instrumento de maior integração do campo à vida urbana, diminuindo o hiato social entre a zona rural e as cidades, aumentando (e não o contrário) o poder de resistência dessas pessoas a praticarem a barbárie:

Kogon diz que os torturadores (Quälgeister)2 do campo de concentração em

que ele mesmo esteve confinado durante vários anos eram, em sua maior parte, jovens filhos de camponeses. A diferença cultural que ainda persiste entre cidade e campo é uma das condições de horror, embora talvez não seja a única nem mesmo a mais importante. Estou longe de abrigar sentimentos de superioridade em relação à população campesina. Sei que ninguém escolhe haver crescido na cidade ou no campo. Limito-me a registrar que, provavelmente a desbarbarização foi menos bem-sucedida no campo que em outros lugares. Nem a televisão, nem os demais meios de comunicação de massas modificaram grande coisa quanto ao não acompanhamento total da cultura. Parece-me mais correto expressar este fato e tratar de remediá-lo, que apregoar sentimentalmente algumas qualidades particulares, já

2 O tradutor do texto diz ser imperiosa a tradução de Quälgeist por torturador, ressaltando que, aparentemente a

intenção de Adorno ao usar este termo em dois sentidos diversos constitui um recurso estilístico cuja função é a de enfatizar a linha de continuidade que há entre a índole atenazadora e o torturador propriamente dito (Em português, segundo o tradutor, atenazar também tem uma gradação de sentidos que vai do simples aborrecer até o torturar).

ameaçadas de extinção, da vida no campo. Chego ao ponto de sustentar que a desbarbarização do campo constitui um dos objetivos educacionais mais importantes. (...) Antes de mais nada, será preciso ocupar-se do impacto produzido pelos modernos meios de comunicação de massas sobre um estado de consciência que ainda não alcançou, nem de longe, o liberalismo cultural burguês do século XIX. Para mudar esta situação, não poderia bastar o sistema escolar primário (...) Penso numa série de possibilidades. Uma seria – estou improvisando – que se planejassem programas de televisão que atendessem aos pontos nevrálgicos desse estado específico de consciência. Penso também na formação de algo assim como grupos e colunas móveis de educação, formados por voluntários, que saíssem a campo e que, através de discussões, tentassem suprir as falhas mais perigosas. Certamente, não ignoro que tais pessoas dificilmente seriam bem recebidas. Mas não tardaria em constituir-se um pequeno grupo de discussão em torno delas, que poderia, talvez, converter-se em foco de irradiação (ADORNO, 1995, p.110- 112).

É verdade, diz o autor, que a televisão poderia ter grande persuasão na formação cultural conquanto objetivasse fins verdadeiramente pedagógicos.

Contudo, o mais grave é a sua função deformativa operada na consciência das pessoas. Assim como todos os demais componentes da indústria cultural, esse veículo é, na realidade, amusement, ideologia pura, já que trabalha a favor da manutenção da ordem social como ela se apresenta (ADORNO, 1977).

Em se tratando de televisão, portanto, seria mais apropriado se falar não em formação, mas, na melhor das hipóteses, em informação:

O lado informativo da televisão, que nos parece ser o mais produtivo, é simultanemente aquele que se expõe mais facilmente às modernas metodologias de pesquisa, possibilitando efetivamente decidir entre o que apresenta de bom e de ruim. Com base nos resultados seria possível inclusive introduzir aperfeiçoamentos específicos ou soluções intemediárias, combinações e toda uma gama de opções desse tipo. (ADORNO, 2000, p.91) Adorno (1977) acrescenta, ainda, que a televisão, ao forçar os sujeitos à passividade de consumir sem contestação seus produtos, trabalha no inconsciente destes, alterando o processo que serviria para a individuação, já que o esforço requerido para “que suceda ao inconsciente e ao pré-individual aquilo que lhe é de direito” (p.353) é trabalhado em favor da ideologia, transformando o inconsciente em “mera ideologia para alvos conscientes, por mais tolos que estes possam se revelar ao final” (p.354).

Não há dúvida que o importante é contrapor-se, na televisão, à ideologização da vida, e eu seria o último a amainar esta exigência (...). Ao contrário, eu até mesmo a radicalizaria. Mas em relação a esta questão, deveríamos nos precaver do equívoco segundo o qual o que designamos como consciência

da realidade precisa ser apresentado necessariamente com os meios de um realismo artístico. Justamente porque o mundo desta televisão é uma espécie de pseudorealismo, porque até mesmo o último detalhe da televisão é perfeito, e o público reclamaria se em qualquer instrumento técnico algo não fosse exatamente perfeito, provavelmente por isto no veículo televisivo a possibilidade de despertar a consciência da realidade vincula-se em grande parte à desistência em reproduzir mais uma vez a realidade superficial cotidiana visível em que vivemos. O embuste (...) consiste precisamente em

que esta harmonização da vida e esta deformação da vida são imperceptíveis para as pessoas, porque acontecem nos bastidores. (...) O contrabando ideológico se realiza sem ser percebido, de modo que as pessoas absorvem a harmonização oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece. Talvez até mesmo acreditem estar se comportando de um modo realista. E justamente aqui é necessário resistir. (ADORNO, 2000, p.86, grifo nosso). Seria crucial que se pensasse em maneiras de desenvolver as aptidões críticas dos espectadores a verem televisão sem serem iludidos, sem se subordinar a esse veículo como ideologia. É verdade que a televisão está comprometida, em sua gênese, com a sociedade. Mas ela também pode romper as barreiras do existente quando dispõe de pessoas críticas, até mesmo oposicionistas, e qualificadas tecnicamente em sua programação podendo, sim, transformar a consciência das pessoas (ADORNO, 2000).

A partir da década de 1970, como veremos mais adiante, sobretudo na América Latina, passou a ocorrer uma “hibridização” de educação e entretenimento que alguns ideólogos chamarão de Entertainment Education, surgida, mais uma vez, como demanda de consumo e como necessidade de educação das massas para que estas se ajustem ao status quo. Fica óbvio que essa hibridização nada tem a ver com os possíveis benefícios que a televisão poderia trazer ao processo educativo como pensou Adorno.