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As estratégias dos pais e a gestão do percurso escolar dos seus educandos

educando, enquanto outras são mais gerais e privilegiam, pelo menos aparentemente, o colectivo de alunos.

Vamos começar por evidenciar precisamente estas últimas formas de actuação, as quais estão normalmente associadas à participação dos encarregados de educação nos órgãos de gestão e administração das escolas e nas respectivas associações representativas. Conforme já tivemos oportunidade de referir, o móbil confesso que leva os encarregados de educação a intervir na escola é assegurar uma maior proximidade aos filhos, não resultando de problemas específicos com os mesmos. Embora seja vidente que, por essa via, os pais conseguem acompanhar melhor o percurso escolar dos seus educandos, não é menos verdade que simultaneamente perspectivam exercer uma acção fiscalizadora da satisfação das necessidades dos seus educandos e minimizar os riscos e as incertezas resultantes da delegação de parte das responsabilidades educativas na instituição escola.

Pese embora o reforço do poder de intervenção dos pais na escola e de os pais estarem muito mais cientes dos seus direitos e, por conseguinte, mais reivindicativos, no jogo de poderes que se desenrola na arena escolar, os pais e encarregados de educação sentem- se confrontados e acossados por inúmeras dificuldades que os impedem de fazer valer os seus pontos de vista e de defender com eficácia os interesses dos seus educandos (Silva, 2003). Por um lado, sentem a incompreensão e a falta de apoio dos outros pais mais passivos e, por vezes, desconfiados das suas reais intenções. Por outro, sentem-se marginalizados pelos órgãos e agentes da escola, vendo-se forçados a derrubar as barreiras que lhes são colocadas e visam a sua «exterritorialização» (Mendel, 2007). Finalmente, debatem-se contra a frustração ao perceberem que aquilo por que lutaram junto de profissionais da educação, governantes, autarquias, empresas, entre outros, já não beneficiará os seus educandos devido à morosidade do processo de decisão.

Não obstante a existência de barreiras a uma colaboração mais estreita entre a família e a escola e de as mesmas geraram situações de antagonismo/conflito entre pais e profissionais da educação, também foram identificadas coligações quando se tratava de assegurar interesses/objectivos comuns reputados como muitos importantes pelos dois actores colectivos (v. g. melhorar os equipamentos escolares; garantir a saúde pública na escola). Essas alianças acabam por se traduzir numa acção concertada versus órgãos e

agentes do Estado, do poder local ou do sector empresarial com o intuito de obtenção de vantagens comparativas. Não raras vezes, as alianças entre pais proactivos e docentes fazem-se contra outros pais, contra aqueles que não partilham da sua visão de escola e do sistema educativo. Nesses casos, os pais proactivos e os professores assumem uma frente comum crítica e “catequizadora” em relação àqueles pais que não se enquadram nas suas representações de encarregado de educação responsável (Silva, 2003).

Apesar do dinamismo evidenciado por alguns destes pais e das lutas que travaram para alcançar determinadas metas, entendemos que, em geral, desempenham o papel de colaboradores subordinados aos professores e à direcção das escolas (Mendel, 2007). Contrariamente ao evidenciado noutros estudos empíricos (Sarmento, 2005), não se comprovou um elevado nível de participação nos órgãos e estruturas da escola e nas respectivas associações por parte dos pais professores de carreira. De qualquer modo, pensamos que esse facto não é conclusivo em virtude da extrema proximidade dos inquiridos em relação à Escola “Toledo” e do tipo de investigação efectuada.

Quanto à actuação dos encarregados de educação mais centrada nas atitudes e actividades do seu educando passaremos a referir a sua participação na escolha da escola, dos colegas de turma, das áreas vocacionais e do curso e no acompanhamento ao estudo e às actividades do mesmo.

Uma das estratégias evidenciadas pelos encarregados de educação foi precisamente a escolha de escola. De acordo com os dados empíricos recolhidos, a escolha dos pais da classe média tanto incide sobre estabelecimentos de ensino privados como públicos, embora em relação aos primeiros, a escolha ocorra sobretudo no pré-escolar e no primeiro ciclo. Assim, se não tivermos em linha de conta com o ensino pré-escolar, onde a escassez de oferta pública condiciona sobremaneira as escolhas das famílias, podemos considerar que estes encarregados de educação se enquadram nos seguintes dois tipos de “choosers”: os hesitantes entre a escola pública e a privada e os que apenas equacionam a possibilidade de escolher entre escolas do sector público (Ball, 2003). Neste estudo de caso, estamos perante um território educativo urbano caracterizado por uma grande diversidade e proximidade geográfica entre vários estabelecimentos de ensino público da mesma tipologia, os quais, apesar da carta educativa acabam por competir entre si para atrair os alunos. Assim, na mudança do 1.º para o 2.º e do 2.º para

o 3.º ciclos foram identificadas várias tácticas “clandestinas” ou “informais” de contornar a carta educativa e de escolha da escola pública, nomeadamente através da indicação no boletim de matrícula/renovação de matrícula da morada dos avós ou de encarregados de educação fictícios (Barroso e Viseu, 2003).

Constatámos, ainda, que a frequência de cursos articulados pode servir de factor facilitador da escolha da escola pretendida e que a antecipação de escolha de escola no 3.º Ciclo visa garantir, antecipadamente, a existência de vaga em determinada escola no ensino secundário.

No que se refere à escolha de escola, os pais parecem levar em grande consideração as opiniões partilhadas por pares do seu meio social, por amigos e membros da família com os quais partilham uma certa visão da educação (Zanten, 2007).

O fenómeno de escolha de escola é muitas vezes objecto de concertação entre pais do grupo de amigos dos educandos, processando-se as transferências de escola em função das representações e interesses desse grupo. Assim, a escolha de escola anda muitas vezes associada à necessidade de manter o educando no grupo de pertença, o qual constitui simultaneamente grupo de referência. Daí que esses mesmos pais procurem também diligenciar no sentido de garantir que os seus educandos fiquem na mesma turma.

A qualidade dos colegas de escola e de turma é reputado pelos pais da classe média como um factor muito importante na tomada de decisão da escolha da escola. Logo, podemos inferir que as estratégias desenvolvidas pelos pais no sentido de assegurar ao educando aprendizagens de qualidade e bom ambiente escolar terão consequências ao nível da composição da população escolar, de um modo geral, e das turmas, em particular, induzindo à criação das chamadas classes de nível, ou seja, turmas com níveis de desempenho bastante diferenciado (Zanten, 2007) e a fenómenos de grande sobrelotação das escolas reputadas mais atractivas, como é o caso da Escola “Toledo” que tem a maior taxa de ocupação do município entre os estabelecimentos de ensino daquela tipologia. Como pudemos constar, os docentes e as direcções das escolas não são insensíveis a este tipo de pressões, acabando por se gerar cumplicidades e conivências com os pais, ainda que, algumas vezes, as mesmas não sejam expressamente assumidas pelos primeiros.

Assim, a competição desencadeada pela escolha da melhor escola leva as famílias à utilização de subterfúgios e estratagemas mais ou menos engenhosos, ao mesmo tempo que cria situações de desajustamentos entre a oferta e a procura educativa e desigualdades sociais no acesso ao ensino por parte das diferentes classes sociais.

Logo, a existência destes desvios à “carta educativa” configura uma mudança no planeamento da rede escolar que deixa de ser meramente regulado pela procura e passa a ser também regulado pela oferta (Barroso e Viseu, 2003) em virtude das pressões e do exercício de poder por parte de pais influentes.

As evidências empíricas não são conclusivas em relação ao tipo de escolha de escola predominante. Consideramos, isso sim, que mesmo em relação ao percurso escolar da mesma educanda, as famílias podem privilegiar diferentes tipos de escolha de escola. Os dados recolhidos permitem corroborar ter havido escolhas em que a tónica assentou no investimento e noutras na felicidade da criança, ou seja, escolhas “instrumentais” e “expressivas”, respectivamente (Zanten, 2009).

Relativamente à escolha das áreas vocacionais e dos cursos, estas famílias enquadram- se no tipo “facilitador”, ou seja, existe abertura para se discutirem as vantagens e desvantagens das várias opções vocacionais e cursos, dando-se espaços de autonomia aos educandos para descobrir o seu próprio projecto de vida. Nestes casos, geralmente os jovens consultam os pais sobre o melhor caminho a seguir e têm em consideração a opinião destes (Faria, 2007). A estratégia dos pais consiste em não impor os seus pontos de vista, mas antes em informar, aconselhar e, por vezes, persuadir ou dissuadir sobre as escolhas a efectuar. Embora estes pais revelem uma preferência por cursos orientados para o prosseguimento de estudos, desenvolvem diferentes formas de actuação em relação aos vários tipos de curso. Assim, procuram dissuadir os educandos em relação aos cursos que restrinjam a formação superior e que proporcionem fracas garantias de empregabilidade e promovem preferencialmente a frequência do Curso de Ciências e Tecnologia. Por conseguinte, podemos dizer que existe uma certa preponderância em relação a uma visão “instrumental” da escolha de curso. Não obstante, existem evidências de que alguns pais têm outro tipo de preocupações, estando mais preocupados com a autonomia e a felicidade dos jovens.

O recurso a técnicos de orientação escolar e psicólogos para aconselhamento dos educandos sobre esta matéria não foi identificado como uma das estratégias adoptadas pelos pais. Estes pais parecem muito seguros de si em relação à sua capacidade de ajuizar sobre as aptidões e competências dos educandos, considerando-se perfeitamente habilitados a proporcionar bons conselhos sobre esta matéria.

Apesar de alguns pais envolverem outros familiares, em especial os avós, no acompanhamento e na satisfação de algumas necessidades dos educandos, no que se refere à ajuda ao estudo e às actividades escolares e extra-curriculares dos mesmos não identificámos situações em que os pais tenham transferido genericamente essas responsabilidades para outrem. Mesmo quando existe recurso a explicadores, estes actuam são chamados a intervir em áreas muito específicas, em relação às quais os pais sentem défice de conhecimentos científicos.

Em relação ao tipo de acompanhamento proporcionado ao educando, pudemos constar que difere em função da idade do educando: no Ensino Básico o controle é muito mais intenso, passando pela fiscalização das malas, dos cadernos diários, explicações, ajuda aos trabalhos de casa, entre outros, enquanto no Ensino Secundário o apoio não é tão sistemático, surgindo pontualmente e mediante solicitação dos educandos. Nesta fase, os pais procuram privilegiar o diálogo, o aconselhamento, conferindo-lhes progressivamente doses acrescidas de autonomia e de responsabilidade.

De qualquer modo, ao longo de todo o percurso educativo dos educandos, estes pais efectuam contactos regulares com o director de turma e outros agentes educativos e procuram-se proporcionar aos educandos actividades culturais, desportivas e recreativas com o claro objectivo de lhes ocupar o tempo livre, enriquecer o seu currículo e promover o seu pleno desenvolvimento. Podemos considerar que efectivamente existe uma certa “pedagogização” dos tempos livres por parte das classes médias (Zanten, 2009).

No que se refere ao apoio ao estudo e às actividades dos educandos, nas famílias em que os dois pais são professores existe divisão de tarefas em função da especialidade de cada um, enquanto nas demais parece existir uma certa primazia para o papel da mãe.