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As expectativas quanto ao sistema de governo da Constituição de 1988

2.1 O sistema presidencialista no Brasil e a Constituição de 1988

2.1.2 As expectativas quanto ao sistema de governo da Constituição de 1988

Os debates a respeito do texto constitucional que estabeleceria a nova ordem democrática no Brasil, em substituição ao regime autoritário que perdurou de 1964 a 1985, foi marcado por acirradas discussões acerca da estrutura institucional que deveria ser adotada.

Acreditava-se que a estabilidade política do país e o seu progresso democrático dependeriam, sobremaneira, da opção feita quanto ao sistema de governo. Egídio Ferreira Lima (PMDP-PE), relator da Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo48, por exemplo, afirmou que esta seria a escolha mais séria e importante a ser tomada pela Assembleia Constituinte.49

Várias foram as propostas apresentadas à discussão da Assembleia, que contemplavam tanto o presidencialismo e o parlamentarismo puros como também modelos híbridos, combinando elementos de ambos os sistemas. Contudo, mesmo entre as posições mais extremas, havia um consenso de que era necessária uma ampliação dos poderes decisórios do Executivo, atrelada a uma “modernização” do Legislativo, a fim de que este não ocasionasse entraves ao bom funcionamento do governo, como ocorria na Constituição de 1946.50

O estabelecimento de um sistema presidencialista com um Executivo fraco em relação ao Congresso trazia riscos à governabilidade, os quais eram temidos tanto pelos defensores do parlamentarismo, como crítica ao presidencialismo, como pelos defensores deste último, como ressalvas ao que precisaria ser modificado.

Dessa forma, o espírito de contenção dos poderes presidenciais, que antes embasou a elaboração da Constituição de 1946, viu-se substituído pela busca de mecanismos para evitar a procrastinação do processo legislativo. Por essa razão, nos debates constituintes de 1987, ainda que houvesse acirradas divergências acerca do sistema de governo a ser adotado, as prerrogativas legislativas do Executivo não foram alvo de grandes discussões na

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Os trabalhos da Assembleia Constituinte foram divididos em 8 Comissões Temáticas, cada uma subdividida em 3 Subcomissões. Uma das Comissões era a de Organização dos Poderes e Sistema de Governo, que se dividia nas Subcomissões do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário e do Ministério Público. 49 “No quadro atual, talvez, o sistema de governo seja a coisa mais séria e importante que possam conceber. Dele poderá depender a democracia que estamos pretendendo edificar, o desenvolvimento do país, a sua modernização e o caráter de justiça da sociedade (DANC, 4/08/1987, Suplemento 66: 4).” (LIMA apud LIMONGI, Fernando. O Poder Executivo na Constituição de 1988. In: OLIVEN, Ruben George; RIDENTI, Marcelo; BRANDÃO, Gildo Marçal (Orgs.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 23-56).

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LIMONGI, Fernando. O Poder Executivo na Constituição de 1988. In: OLIVEN, Ruben George; RIDENTI, Marcelo; BRANDÃO, Gildo Marçal (Orgs.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 23-56.

subcomissão do Poder Legislativo. A noção de que o Executivo deveria ser contemplado com muitas competências legislativas era pacífica entre os constituintes, independentemente do sistema de governo que fosse escolhido.

Com isso, percebe-se que a Constituição de 1988 não significou um retorno ao modelo da Constituição de 1946, que contava com um Executivo institucionalmente fraco. Por outro lado, também não significou uma completa negação do arranjo institucional do período autoritário, no qual o Executivo era sobremaneira hegemônico.

Aliás, no que diz respeito às prerrogativas legislativas do Presidente, a Constituição atual guardou mais semelhanças com a Constituição de 1967/1969, mantendo os mesmos poderes legislativos do Executivo, sobretudo os de editar decretos e o de controlar a elaboração e o controle do orçamento.51

Havia consenso entre os constituintes de que a nova Constituição democrática deveria resgatar os poderes do Legislativo perdidos durante o regime ditatorial, porém, de forma a não permitir que o Congresso voltasse a criar obstáculos ao processo decisório. Essas duas demandas precisavam ser contornadas no novo arranjo institucional a ser criado.52

Segundo Limongi, o texto constitucional foi escrito sob a ideia que o sucesso da democracia dependeria da habilidade do governo em responder, efetivamente, às crescentes demandas da sociedade e que o chefe do Executivo necessitaria de competências legislativas para o bom desempenho de suas funções.53

Diante disso, as disposições constitucionais relativas às competências legislativas passaram pela Subcomissão do Poder Legislativo e pela Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo praticamente inalteradas, mesmo durante as oscilações entre as opções de governo parlamentarista e presidencialista.

Embora a orientação parlamentarista tenha sido contemplada na primeira versão do anteprojeto constitucional, foi o sistema presidencialista que logrou êxito definitivo. Os

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LIMONGI, Fernando. O Poder Executivo na Constituição de 1988. In: OLIVEN, Ruben George; RIDENTI, Marcelo; BRANDÃO, Gildo Marçal (Orgs.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 23-56.

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O relator da Subcomissão do Poder Legislativo, José Jorge (PFL-PE), frisou no relatório do anteprojeto: “Tão importante quanto devolver as prerrogativas ao Poder Legislativo [...] é dotar o Congresso Nacional de meios para exercê-lo em sua plenitude com a eficiência que se requer de um parlamento ágil e moderno. A redação do anteprojeto buscou tanto quanto possível [...] alcançar essas duas metas, as quais sem dúvidas encontram apoio em todo o Congresso Nacional e na sociedade brasileira.” (Documentos da ANC 1987, Volume 106: 2).” (JORGE apud LIMONGI, Fernando. O Poder Executivo na Constituição de 1988. In: OLIVEN, Ruben George; RIDENTI, Marcelo; BRANDÃO, Gildo Marçal (Orgs.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 23-56).

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LIMONGI, Fernando. O Poder Executivo na Constituição de 1988. In: OLIVEN, Ruben George; RIDENTI, Marcelo; BRANDÃO, Gildo Marçal (Orgs.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 23-56.

efeitos positivos do Plano Cruzado implantado por Sarney, então Presidente, e a proximidade das eleições intensificaram as pressões a favor do presidencialismo, sobretudo pelos potencialmente presidenciáveis. Tal fato culminou na aprovação definitiva do sistema presidencialista por 344 a 212 votos.

A opção parlamentarista, contudo, não foi totalmente descartada do texto constitucional. Os constituintes deram-lhe uma segunda chance incluindo, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a previsão de que, no dia 7 de setembro de 1993, cinco anos após a promulgação da Nova Constituição, seria realizado um plebiscito para que o povo escolhesse a forma de governo (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveriam vigorar no país.

A consulta realizada, por sua vez, apenas ratificou a opção constitucional original: forma de governo republicana e sistema de governo presidencialista54, num reconhecimento, ao menos aparente, da relevância de um Executivo forte e dirigente das atividades políticas, haja vista o histórico da realidade brasileira55.