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2.2 A relação Executivo-Legislativo: uma harmonização necessária

2.2.2 Competências legislativas do Poder Executivo

2.2.2.3 Poderes de agenda: iniciativas privativas e pedidos de urgência

A Constituição Federal, ao garantir ao Executivo a exclusividade na iniciativa de projetos de lei de determinadas matérias, concede-lhe o poder de definir, em primeira mão, se haverá legislação sobre aquilo durante o mandato, quando haverá e qual o teor das suas disposições.86 A possibilidade de deliberação legislativa sobre aqueles temas fica, portanto, condicionada aos interesses do Executivo.

Ao Presidente da República compete apresentar não só propostas de emenda à Constituição e projetos de leis complementares e ordinárias de qualquer natureza, como também a iniciativa privativa de leis que disponham sobre as Forças Armadas em geral, criação de cargos, funções e regime de servidores públicos da União e sobre matéria tributária e orçamentária, como os planos plurianuais e os projetos de leis de diretrizes orçamentárias.

Não obstante as competências relativas à iniciação do processo legislativo, a Constituição também confere ao Presidente a prerrogativa de solicitação de urgência na tramitação dos projetos de sua iniciativa junto às casas legislativas, com possibilidade de trancamento da pauta das sessões, caso não haja votação no prazo de 45 dias. E o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) ainda estabelece que os projetos do Executivo que não tiverem solicitação de urgência tramitarão com prioridade (art. 150, II, „a‟). Percebe-se, com isso, que Executivo brasileiro possui uma ampla participação na atividade legislativa do Estado, o que lhe confere certa ingerência sobre o que será deliberado politicamente.

O poder de agenda pode ser definido como a capacidade de que dispõe o Presidente de direcionar as atividades legislativas, não só determinando as propostas a serem consideradas pelo Congresso Nacional, como também o momento em que o serão.87 Este poder compreende as competências constitucionais conferidas ao Presidente, sobretudo a da iniciativa privativa de projetos de lei em determinadas áreas, do pedido de urgência para a

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À exceção das leis de diretrizes orçamentárias e dos planos plurianuais, cuja proposição não é discricionária, conforme artigo 84, XXIII e XXIV.

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SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 129.

votação de propostas no Congresso Nacional, do poder de veto dos projetos de lei, além da própria edição de medidas provisórias e decretos presidenciais.

Segundo Victor, para grande parte dos cientistas políticos, este controle da agenda é um dos principais fatores que permitem a governabilidade do Poder Executivo.88 A formação da agenda envolve: i) o diagnóstico dos problemas que carecem de solução governamental; ii) o conjunto de propostas políticas pensadas para fazer frente aos problemas diagnosticados; iii) os efeitos políticos do programa perante a opinião pública, sobretudo os eleitorais.89

Limongi afirma que a agenda legislativa do Executivo não sofre, em regra, impedimentos para a sua implementação e é comumente aprovada pelo Congresso. O autor toma dois indicadores como base para esta afirmação: a “taxa de sucesso” das iniciativas do Executivo, que é a proporção entre as propostas aprovadas em relação ao total de propostas enviadas, e a “taxa de dominância” sobre a produção legal, que é a divisão das leis cuja proposição cabe somente ao Executivo pelo total de leis aprovadas em determinado período.90

Há quem entenda que os indicadores de sucesso e hegemonia do Executivo na atividade legislativa não justificariam um poder de agenda incisivo por parte do Presidente, mas poderia indicar, tão somente, a possibilidade de antecipação das reações do Parlamento. Haveria uma falsa sensação de comando, pelo alto índice de aprovações legislativas, mas que decorreriam apenas da previsibilidade das respostas do Congresso às propostas feitas.91

Contudo, Limongi defende que esta previsibilidade decorre do poder de “não- decisão”, que é exercido sem se manifestar diretamente. Diante da antecipação de uma provável obstrução do Congresso, temas da agenda presidencial não seriam levantados em propostas, justamente para evitar uma decisão contrária aos interesses do Presidente. O poder de controlar que uma medida não seja aprovada em sentido contrário do desejado é também manifestação de poder.92

Há situações em que tanto Executivo como Legislativo desejam mudanças no

status quo, mas divergem quanto ao que, exatamente, deve ser mudado e como. Neste caso,

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VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira. Presidencialismo de coalizão: exame do atual sistema de governo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 110.

89

KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. New York: Longman, 1995, p. 16-18. 90

O sucesso do Executivo, considerando o período de 1988 a 2006, foi de 70,7% e a dominância de 85,6% (LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil, presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório.

Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 76, p. 23, 2006).

91

LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil, presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório.

Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 76, p. 28, 2006.

92

LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Poder de agenda e políticas substantivas. In: INÁCIO, Magna; RENNÓ, Lúcio (Orgs.). Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Tradução de Mariana Escoteguy Cardoso. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p. 78.

há espaço para barganhas e negociações. A cooperação é mais interessante do que a rivalidade. A partir das prerrogativas concedidas pela Constituição, percebe-se que o Presidente é quem se move primeiramente no jogo e direciona o processo.93 Uma análise mais detalhada de como o Presidente articula seus interesses com os do Congresso será demonstrada no capítulo seguinte.

Desta forma, Figueiredo e Limongi frisam que a agenda a ser implementada não seria do Executivo propriamente dita, formulada em um momento prévio, para a qual se buscaria apoio, mas sim de uma “agenda da maioria”, implantada levando em conta o programa de governo presidencial e a vontade do Congresso. O emprego deste termo evita uma personificação imprópria da cartilha política e aproxima-se mais do produto de uma coordenação entre os poderes, conforme determina a Constituição. “A fusão de poderes que caracteriza o presidencialismo brasileiro implica a fusão de agendas.”94

Após a Constituição de 1988, percebeu-se um crescimento da ingerência do Executivo na produção legislativa, em relação ao período democrático anterior (1946-1964), demonstrando que tais índices decorrem das modificações institucionais adotadas, e não das qualidades pessoais de quem ocupa o cargo. Ou seja, a formação e a manutenção de coalizões fortes que garantam a governabilidade não dependem de uma desenvoltura pessoal do Presidente, mas do próprio desenho institucional posto.

Com efeito, a própria harmonização entre Executivo e Legislativo, prevista constitucionalmente, demanda uma articulação de preferências no processo decisório a fim de impedir um entrave à governabilidade. Essas articulações, no sistema presidencial brasileiro, ocorrem por meio das coalizões partidárias, que serão exploradas a seguir.